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Barragens com Face Impermeável a Montante

2.3 COMPORTAMENTO DO MACIÇO DE ENROCAMENTO

2.3.2 Comportamento tensão-deformação

Em uma barragem de enrocamento, a face de concreto fica simplesmente apoiada sobre o enrocamento. A sua interação e capacidade de adaptação aos movimentos do enrocamento são garantidas pela junta perimetral, pelas juntas verticais normais ao eixo e por certa flexibilidade, segundo Marques Filho (1990). Durante a construção da barragem, as observações de desempenho giram em torno da determinação das características de deformabilidade do enrocamento e a avaliação de recalque, nestes termos, é usualmente feita calculando os módulos de deformabilidade construtivos.

Após o enchimento do reservatório, a pressão de água comprime a laje da face e o enrocamento e, conseqüentemente, são produzidos movimentos internos no maciço, movimentos dos taludes e superfícies externas, movimentos nas juntas da face, deformações específicas, tensões na laje e infiltrações de água. Segundo Marques Filho (1990), as deformações do talude de jusante dão uma idéia dos movimentos horizontais que ocorrem no interior da barragem após o enchimento. A instrumentação em Foz do Areia mostrou que, na porção de jusante, cerca de 90% das deformações já haviam ocorrido antes do enchimento. No entanto, o recalque ocasionado junto à

face, após o enchimento, foi de 60% do total no terço inferior e 40% na metade superior. Isto demonstra a necessidade de ter uma zona de camadas mais delgadas e mais bem compactadas no primeiro terço de montante do enrocamento. Constatou-se, ainda em Foz do Areia, que houve uma aceleração das deformações nas fases finais do enchimento do reservatório, o que já havia sido observado antes em outras obras, como a de Golillas. Tal fenômeno era, há pouco mais de 10 anos, incompreendido (Marques Filho, 1990). Hoje se sabe que isso pode estar relacionado às variações no estado de tensões que ocorrem durante a mudança do carregamento gravitacional para o carregamento hidráulico, quando boa parte do espaldar de montante passa do descarregamento para o carregamento primário.

Diversos estudos têm sido desenvolvidos visando a compreensão do comportamento de maciços de enrocamento e a previsão de deformações no maciço e na face. No estudo realizado por Saboya Júnior (1993), foi desenvolvida uma instrumentação para medir deslocamentos horizontais, com o acompanhamento e a interpretação dos deslocamentos para a determinação do comportamento tensão-deformação de enrocamentos. A previsão do comportamento mecânico da barragem de Segredo foi realizada por meio de análises numéricas, considerando os modelos linear elástico, não-linear elástico (hiperbólico modificado) e elastoplástico (Matsuoka-Nakai).

Dias (2001) deu início aos estudos desenvolvidos pelo Programa de Pós-graduação em Geotecnia da UnB sobre barragens de enrocamento, com a realização de ensaios de grande escala em enrocamentos da UHE de Itapebi, na Bahia. Ensaios de cisalhamento direto em caixas de 80x80x45 cm e ensaios de compressão uniaxial em células de 1 m de diâmetro por 1 m de altura, usando enrocamentos com densidades variáveis, foram conduzidos no Laboratório de Furnas em Goiânia. Dos resultados obtidos foram determinados ângulos de atrito do enrocamento, módulos de deformabilidade e índice de quebra dos grãos.

Outro estudo diretamente ligado ao comportamento de enrocamentos foi o de Maia (2001), no qual foi desenvolvido um equipamento Soxhlet para simular, em laboratório, o efeito da alteração de enrocamentos no campo. O equipamento promove uma lixiviação contínua no material rochoso, provocando a perda de materiais constituintes e conseqüentemente, modificando as propriedades e o desempenho mecânico do material. Os resultados mostraram que o comportamento do material é influenciado pelas características intrínsecas do enrocamento e que a alteração na rocha modifica os parâmetros de resistência, rigidez e desgaste dos enrocamentos.

Frutuoso (2003) estudou a influência do zoneamento e a presença de aluviões na fundação no comportamento do conjunto face-maciço de uma seção típica de barragem de enrocamento. Os resultados indicaram a eficiência do zoneamento na redução dos deslocamentos na face e de que forma a redução parcial de aluvião na base do maciço deveria ser conduzida para a obtenção de comportamento satisfatório do maciço e da face.

2.3.2.1 Recalques pós-construtivos

A compactação de enrocamentos tem sido eficiente para reduzir recalques, como pode ser observado na Figura 2.7 (CBDB, 2004). Cinco barragens em que o enrocamento foi compactado e três em que este foi somente lançado são apresentadas para mostrar a eficiência da compactação na redução de recalques nos maciços.

Segundo dados publicados pelo CBDB (2004), a velocidade média de recalques pós-construtivos é da ordem de 3,5 mm/ano após 5 anos para o enrocamento compactado, enquanto que o enrocamento só basculado recalca 45 mm/ano (Tabela 2.5). Existe uma hipótese, advinda da Teoria da Elasticidade, de que os recalques da crista são proporcionais ao quadrado da altura da barragem. Por exemplo, uma barragem com 160 m de altura que apresentou recalques de 20 cm na crista, se fosse construída com 300 m de altura, apresentaria um recalque 3,5 vezes maior, equivalente a (300/160)2, ou seja, de 70 cm (=20x3,5).

Figura 2.7 – Comparação dos recalques de crista para barragens de enrocamento compactadas e só basculadas (CBDB, 2004).

Tabela 2.5 – Velocidades de recalques medidos em barragens de enrocamento com face de concreto (CBDB, 2004).

Método de construção Velocidade aproximada dos recalques da crista para barragens de 100 m de altura (mm/ano)

Após 5 anos Após 10 anos Após 30 anos

Enrocamento compactado 3,5 1,5 0,6

2.3.2.2 Deformações na face

As deformações na laje se processam não só pela carga hidráulica imposta à laje devido ao enchimento do reservatório, como também pelos recalques construtivos. Atualmente, as lajes têm sido executadas antes de atingir a altura final do maciço, o que tem gerado deformações adicionais nas mesmas devido à movimentação do maciço de enrocamento. Quando se utiliza a geomembrana em substituição à face de concreto, as deformações que ocorrem após o enchimento do reservatório é que têm interesse para fins de projeto, já que na maioria dos casos, sua instalação só é feita depois de atingida a cota máxima do maciço.

Peixoto et al. (1999) apresentam uma técnica numérica para a avaliação do comportamento da laje de concreto quando construída concomitantemente ao maciço, auxiliando na previsão de possíveis aberturas de juntas na face. Numa análise da Barragem de Xingó, foi observado que a laje acompanha os deslocamentos horizontais do maciço para montante, enquanto que, com relação aos deslocamentos verticais, o mesmo não acontece. A elevada rigidez da laje não permite que os deslocamentos verticais sejam iguais entre a laje e o enrocamento, criando vazios entre os dois materiais. Os autores notaram que os deslocamentos verticais são os responsáveis pelo deslocamento da face quando esta é construída ainda durante a fase construtiva do aterro.

Os recalques na laje após o enchimento do reservatório podem chegar a valores que variam entre 1,3 e 3,0 m, dependendo das características do enrocamento e da forma do vale. O CBDB (2004) propõe uma relação de 2 a 5 vezes o recalque da crista para a deflexão máxima da laje. A Figura 2.8 ilustra de que forma se processam as deformações na face após o enchimento do reservatório.

CR 18-38 CR 13-33 CR 7-27 CR 1-21 El. 748,00m El. 588,00m CR 1 - 21 7 - 27 13 - 33 18 - 38 N.A. 21,8 22,8 12,6 - 702,50 50,1 64,8 69,2 56,6 739,00 27,7 30,9 20,7 8,7 714,00 44,0 55,8 50,4 35,6 735,80 47,4 61,4 61,2 47,0 739,50 52,5 70,0 77,5 68,9 743,60 52,5 68,1 72,8 62,1 742,00 05/80 06/80 07/80 08/80 11/80 10/82 03/84-85 DATA (Mês/Ano) DEFLEXÃO (cm)

Figura 2.8 – Deflexões na laje da Barragem de Foz do Areia após o enchimento do reservatório (Pinto et al. em 1985, citado por Gaioto, 1997).

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