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2.3.3 – Comportamento termotrópico e efeito da temperatura sobre a solubilidade

Conforme relatado na introdução deste trabalho, um dos interesses no estudo dos compostos cataniônicos reside na compreensão de sua capacidade de formação de mesofases em misturas binária com água, característica essencial de um surfatante e que está relacionado a algumas possibilidades de aplicação.

Laughlin 6 utiliza alguns critérios relevantes para a caracterização de um composto surfatante, como a existência de fases organizadas e a existência de ponto Kraft menor que o ponto de fusão de um composto em mistura binária aquosa, com conseqüente existência de fases organizadas acima da linha de Kraft.

Avaliamos o composto cataniônico pela técnica de DSC, calorimetria diferencial de varredura, (TA Instruments, Modelo 2910) em atmosfera de ar e taxa de

aquecimento de 1°C.min-1 até a temperatura de 250°C. Observamos dois eventos endotérmicos, o primeiro com início (onset ‡‡‡) em 68°C e mínimo em 73°C, e o

segundo evento, de magnitude bastante inferior (área do pico), com início em 113°C e mínimo em 117°C. (Figura 13)

‡‡‡ Consideramos na análise destes experimentos a temperatura de início do evento, denominado onset, e que representa melhor aproximação para a temperatura de transição de fase.

Figura 13 – Curva de DSC do composto cataniônico

Nesta curva de DSC observamos também evento exotérmico iniciado em aproximadamente 190°C e máximo em 238°C, possivelmente oriundo da

decomposição do composto, hipótese reforçada pelo estudo da amostra por análise termogravimétrica, TGA (TA Instruments, Modelo 2050), onde observamos a perda de massa a partir da temperatura de 150°C. (Figura 14).

Figura 14 – Curva de TGA com taxa de aquecimento de 10°C.min-1

O ponto de fusão foi avaliado por outra técnica, a observação visual do material em capilar submetido à taxa de aquecimento de 0,5°C.min-1 Neste experimento

observamos o aparente início da fusão (aparecimento de fase líquida) em temperatura de 90,4°C. O experimento foi repetido algumas vezes com boa concordância dos resultados, a diferença máxima entre medidas foi de 1°C.

Avaliamos também a amostra do composto cataniônico em mistura com água (0,5% p/v), em incrementos de aproximadamente 5°C mantendo a mistura em cada

temperatura por aproximadamente 24 horas. Neste experimento observamos que a partir de 50°C há dispersão parcial do composto na solução, e não observamos

aparente dissolução significativa (desaparecimento total do sólido no tubo) em temperatura de até 100°C.

Os resultados obtidos indicam um evento endotérmico em 68°C, em temperatura inferior ao ponto de fusão de 90,4°C observado visualmente no capilar. A avaliação da temperatura de dissolução, também visual, demonstrou alguma dissolução em temperatura da ordem de 50°C, evidenciado pela turvação da mistura e formação de uma dispersão com boa estabilidade, porém sem dissolução total até a temperatura de 100°C.

Entendemos que estas diferenças podem ser devidas a uma transição de fase do material em 68°C para alguma fase líquido-cristalina com a mesma aparência de sólido branco. Transições semelhantes foram descritas por Marques na referência 22. Smirnova et al, 8 promoveu estudos sobre a temperatura de solubilização de mistura de SDS e C12DAO sob variadas concentrações de ácido clorídrico. A temperatura de solubilização obtida na condição estequiométrica SDS / C12DAO e com excesso molar de HCl sobre o C12DAO foi da ordem de 50°C, valor bastante inferior ao determinado para o composto cataniônico isolado neste trabalho (>100°C).

O sistema estudado na referência 8 é bastante diferente do sistema em estudo, uma vez que a quantidade molar de HCl utilizada, apesar de em excesso molar sobre o óxido de amina, promoveu a protonação de cerca de 80% deste surfatante, como pode ser verificado na curva de pH x fração molar de HCl sobre C12DAO nesta mesma referência. Nesta situação temos uma composição de 3 espécies surfatantes além dos contra-íons presentes na preparação.

Esperávamos para o composto cataniônico uma temperatura de Kraft superior ao reportado no sistema estudado na referência 8, que apesar de quimicamente similar,

apresenta diferenças significativas, o composto cataniônico foi preparado em estequiometria exata 1/1 e sem a presença de saís dos contra-íons.

A avaliação do composto por Calorimetria Diferencial de Varredura demonstrou eventos endotérmicos abaixo do ponto de fusão observado na avaliação em tubo capilar, e sugere a ocorrências de transições de fase abaixo da temperatura de fusão do material.

Avaliamos a amostra do composto cataniônico objeto deste trabalho por

microscopia de luz polarizada nas temperaturas de 25, 80 e 120°C, sendo que na temperatura de 80°C estamos acima da temperatura observada no DSC para o primeiro pico endotérmico do DSC (onset em 68°C) e abaixo do ponto de fusão observado na determinação em tubo capilar de, 90,4°C.

O objetivo do estudo com microscopia óptica de luz polarizada é a identificação de fases birrefringentes, que apresentam desvio do plano da luz polarizada e brilho na imagem do microscópio.

A amostra foi então moída em cadinho, depositada em placa de vidro e

acondicionada em estufa por 3 horas na temperatura desejada. As imagens no microscópio foram tomadas rapidamente após transferência da amostra da estufa para o equipamento (Olympus BX – 51).

Na figura 15 estão as imagens do microscópio com polarizadores cruzados na temperatura de 25°C e ampliação de 100 vezes, nesta imagem observamos pequeno brilho na amostra e o material apresentava-se como um sólido em pó, sem qualquer deformação quando pressionado entre as placas, ou aderência a esta.

Na figura 16 a mesma amostra é submetida ao microscópio na temperatura de 80°C e ampliação de 25 vezes, observamos maior brilho sob a luz polarizada e

consistência bastante diferente da amostra a 25°C, em termos de apresentar as partículas do pó com certa adesão à placa de vidro e deformáveis quando pressionadas entre as placas.

Na temperatura de 120°C a amostra apresentou-se líquida e sem qualquer brilho sob observação no microscópio de luz polarizada.

Figura 15 – Imagens de microscópio com polarizadores cruzados, temperatura de 25°C (ampliação 100 X)

Figura 16 – Imagens de microscópio com polarizadores cruzados, temperatura de 80°C (ampliação 25 X)

Os resultados observados nestes experimentos reforçam a hipótese de transição de fases em temperatura inferior ao ponto de fusão. As imagens na temperatura de 80°C apresentam maior brilho que na temperatura de 25°C, e conseqüente maior birrefringência, além da aparente alteração da consistência do material, de sólido cristalino para um material deformável. Importante notar que nas duas temperaturas a aparência branca do material é a mesma, portanto não detectável no experimento de determinação do ponto de fusão com tubo capilar.

Na referência 22 Silva e Marques apresentam estudos por calorimetria diferencial de varredura (DSC) e microscopia de luz polarizada para alguns surfatantes

cataniônicos e discutem a ocorrência de comportamento termotrópico. Os

compostos estudados apresentam variadas fases líquido-cristalinas entre a sua fase cristalina e a fase líquida isotrópica, e os autores correlacionam a ocorrência deste comportamento à natureza dos grupos polares e às configurações das cadeias hidrocarbônicas dos compostos cataniônicos objetos daquele estudo.