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Composição metodológica

No documento filipegabrielribeirofranca (páginas 61-72)

1. O ENCONTRO COM A REVISTA JUNIOR

2.1 Composição metodológica

Neste momento, após uma breve apresentação da revista Junior, descrevo a composição metodológica que foi se desenhando ao longo da pesquisa. Composição que se desdobra na reunião de instrumentos que me auxiliaram nos caminhos da pesquisa. Uma composição que diz de um certo modo de perguntar, de interrogar e de formular questões. Um modo de pesquisar que me permitiu diferentes movimentos: para lá e para cá, de um lado para o outro, dos lados para o centro, fazendo contornos e curvas, afastando-me daquilo que é rígido, das convicções universais, investindo em conceitos que ajudaram a construir pensamentos problematizadores que me aproximaram dos discursos acerca dos corpos e das masculinidades homossexuais presentes na revista Junior.

Assim, compreendo que o caminho metodológico

é o de alquimia mesmo, resultando daí uma bricolagem diferenciada, estratégica e subvertedora das misturas homogêneas típicas da modernidade. Alquimia que rompe com as orientações metodológicas formalizadas na e pela academia (particularmente nos cursos de pós-graduação), cuja direção costuma ser a das abordagens classificatórias, [...] em que cada método vem apresentado em estado puro (CORAZZA, 2007, p. 118).

Nesta pesquisa não trabalhei com os efeitos da revista Junior sobre os leitores. Exploro a revista enquanto documento. Isso implica em analisá-la como um documento que, aliado ao contexto histórico do período de circulação da revista, foi se constituindo enquanto monumento que veiculava e disseminava saberes acerca da constituição dos sujeitos homossexuais masculinos jovens e de classe média. Michel Foucault (2013a) define o monumento como um modo de perceber os discursos, enquanto práticas que obedecem a certas regras. Nessa perspectiva, não pretendo ver o que está por trás dos discursos veiculados pela revista Junior, mas sim problematizar as suas condições de emergência, o que os tornaram possíveis de existir e os seus desdobramentos quando pensamos nos processos educativos e na constituição dos sujeitos.

Também dedico-me a problematizar os endereçamentos que ela faz aos sujeitos. Desse modo, analiso os textos das seções da Junior que abordam a beleza,

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saúde, bem-estar, (homo)sexualidades e os investimentos sobre o corpo buscando explorar nos seus discursos os enunciados que sustentam uma determinada configuração de corpo e de masculinidade homossexual. A partir das leituras de Michel Foucault (1996), compreendo que um enunciado é composto por duas vertentes, uma visível e outra dizível. Assim, analiso também as imagens sobre os corpos e os sujeitos que frequentemente constituem os textos da Junior. Uma análise que não vê essas imagens apenas como peças ilustrativas, mas como práticas discursivas, dotadas de caráter produtivo e educativo. É importante destacar que as matérias, imagens e trechos que são problematizados nesta tese são resultados de escolhas. Escolhas feitas por mim, que buscaram contemplar os investimentos educativos constantes feitos pela revista Junior direcionados aos corpos jovens, homossexuais masculinos, brancos, de classe média e de uma regionalidade centro-sul brasileira.

Assumir a imagem como potente campo de investigação em uma pesquisa acadêmica não é algo fácil, mesmo fazendo parte de uma cultura que produz e está imersa em imagens. Seguindo nesta linha, Boris Kossoy (2001) nos aponta que temos um aprisionamento histórico da expressão escrita como sendo mais “legítima”, mais “científica” e mais “verdadeira”, o que contribui para que as imagens sejam vistas como ilustrativas ou simples “apêndices” de um texto. O autor ainda chama a atenção para os obstáculos que o/a pesquisador/a vivencia na academia para vencer a “resistência em aceitar, analisar e compreender a informação quando esta não está transmitida segundo um sistema codificado em conformidade com os cânones tradicionais da comunicação escrita” (KOSSOY, 2001, p. 30).

Podemos dizer que hoje vivemos em um mundo recheado de imagens. Lucia Santaella (1983, p. 2) nos fala que “as imagens invadem a nossa casa e chegam mais ou menos do mesmo modo que a água, o gás ou a luz”. Assim, as imagens vão produzindo e veiculando em suas formas concepções políticas, sociais e estéticas.

Tenho compreendido a imagem como produto e produtora do nosso cotidiano na contemporaneidade, presente no contexto da comunicação pós- moderna, fixando-se como importante e emergente objeto de pesquisa na área educacional. Nesse sentido, analiso as imagens presentes na Junior a partir das

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contribuições do campo da Cultura Visual e de seus/suas autores/as como Fernando Hernández e Raimundo Martins.

A partir do aporte da Cultura Visual podemos considerar que as imagens nos formam e nos informam. Nas páginas da revista Junior, em grande parte das reportagens e dos ensaios, as imagens são fundamentais para gerar atenção e produzir significação. Elas são produtoras de uma dada sensibilidade e instauradoras de dada forma de ver e dizer a verdade (GOELLNER, 2003). Considero as imagens como um registro, uma linguagem, “uma comunicação sem palavras, mas repleta de ideias e memórias trazidas por elas” (BARTHES, 1990, p. 41). Roland Barthes (1990) também nos ensina a ver que as imagens são recortadas, ou seja, elas são resultado de uma escolha; as imagens são manipuladas.

Nesse sentido que vejo como produtiva a combinação entre os textos escritos e as imagens presentes na revista Junior, uma relação entre o dizível e o visível. Desse modo, penso as imagens assim como Maria Simone Schwengber (2012), quando ela nos diz que “a imagem, mais do que apenas ilustrar, ornar um texto, representa, descreve, narra, simboliza, expressa, brinca, persuade, normatiza, pontua e educa, além de enfatizar sua própria configuração e chamar a atenção para o seu suporte – a linguagem visual” (p. 266). Investindo neste caminho, acredito que as imagens podem “perturbar” os textos escritos, iluminam outros caminhos e organizam experiências.

Ao problematizar os textos e as imagens busquei

escapar da fácil interpretação daquilo que está “por trás” dos documentos, procurando explorar ao máximo os materiais, na medida em que eles são uma produção histórica, política; na medida em que as palavras são também construções; na medida em que a linguagem é também constitutiva de práticas (FISCHER, 2001, p. 199).

Desse modo, fui me constituindo enquanto um pesquisador que exercitou constantemente o verbo problematizar e se permitiu experienciar a curiosidade sobre os textos, as imagens e os conceitos trabalhados ao longo da pesquisa. Deborah Britzman nos fala que “na verdade, tudo o que temos que fazer é imaginar”, pois “sem curiosidade o ser humano não seria capaz de aprender”

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(2010, p. 89). Uma curiosidade que me provocou a desconfiar das verdades absolutas e das práticas hegemônicas de produção de sujeitos. Isso implica em um envolvimento com o que é pesquisado, colocando a fonte de pesquisa sob suspeita.

Para a escrita desta tese analisei todas as 66 edições que foram publicadas da revista Junior. Porém, adquirir todas essas edições não foi algo simples de ser realizado. Eu já possuía 15 edições da revista Junior que fui comprando e colecionando ao longo dos anos. Após a minha aprovação no processo seletivo do doutorado, eu comecei a buscar as demais edições que eu ainda não tinha. O primeiro passo na busca pelas revistas foi entrar em contato com a editora da revista, a editora MixBrasil. Com esse contato eu consegui adquirir as oito primeiras edições da revista. Por meio de um amigo que tinha um conhecido que possuía algumas revistas eu consegui outras 17 edições da Junior. Outras 3 edições eu adquiri em um sebo na internet e uma edição eu encontrei em um sebo de Juiz de Fora. Outras duas edições eu consegui em uma sauna de Juiz de Fora por meio de uma indicação de um amigo. Mais 19 revistas eu adquiri no site Mercado Livre na internet. E a última revista que faltava para completar o acervo eu também consegui adquirir no site Mercado Livre. No quadro a seguir fiz uma organização temporal do período em que a revista Junior foi publicada na perspectiva de facilitar a compreensão do contextos social, econômico e histórico de cada edição publicada. Nesse quadro estão presentes as 66 edições da Junior e as suas respectivas datas de publicação:

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Edição Capa Data de

publicação Edição Capa

Data de publicação 1 Setembro de 2007 34 Novembro de 2011 2 Novembro de 2007 35 Dezembro de 2011 3 Janeiro de 2008 36 Fevereiro de 2012 4 Abril de 2008 37 Março de 2012 5 Junho de 2008 38 Abril de 2012 6 Agosto de 2008 39 Maio de 2012

65 7 Outubro de 2008 40 Junho de 2012 8 Dezembro de 2008 41 Julho de 2012 9 Fevereiro de 2009 42 Agosto de 2012 10 Abril de 2009 43 Setembro de 2012 11 Junho de 2009 44 Outubro de 2012 12 Agosto de 2009 45 Novembro de 2012 13 Outubro de 2009 46 Dezembro de 2012

66 14 Janeiro de 2010 47 Janeiro de 2013 15 Fevereiro de 2010 48 Fevereiro de 2013 16 Abril de 2010 49 Março de 2013 17 Maio de 2010 50 Abril de 2013 18 Junho de 2010 51 Maio de 2013 19 Julho de 2010 52 Junho de 2013 20 Agosto de 2010 53 Agosto de 2013

67 21 Setembro de 2010 54 Setembro de 2013 22 Outubro de 2010 55 Outubro de 2013 23 Novembro de 2010 56 Novembro de 2013 24 Janeiro de 2011 57 Dezembro de 2013 25 Fevereiro de 2011 58 Janeiro de 2014 26 Março de 2011 59 Março de 2014 27 Abril de 2011 60 Abril de 2014

68 28 Maio de 2011 61 Junho de 2014 29 Junho de 2011 62 Agosto de 2014 30 Julho de 2011 63 Setembro de 2014 31 Agosto de 2011 64 Novembro de 2014 32 Setembro de 2011 65 Janeiro de 2015 33 Outubro de 2011 66 Junho de 2015

Tabela 1: Datas de publicação de todas as edições da revista Junior.

Após ter em mãos todas as edições da revista Junior, meu próximo passo foi analisar cada edição da revista e registrar em um arquivo os assuntos tratados nelas. Assim, ao final desse levantamento eu dispunha das discussões propostas

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pela Junior em todas as suas edições durante o período em que ela circulou, entre os anos de 2007 e 2015.

Esse primeiro registro geral foi importante, pois a partir dele pude agrupar as matérias publicadas pela revista por temáticas a serem problematizadas. Agrupei essas matérias classificando-as em temáticas tais como corpo, saúde, beleza, bem-estar, fitness, masculinidades, amor, (homo)sexualidades, HIV, direitos e homofobia. Tal processo considerou as edições da revista como um todo desde as capas, reportagens, imagens e publicidades e dizem de um processo de recorte que levou em consideração a questão central da pesquisa com foco na investigação dos discursos veiculados e disseminados pela Junior acerca dos corpos, dos sujeitos e das masculinidades homossexuais.

Com esses arquivos temáticos, ficou mais fácil ter acesso às reportagens, uma vez que nesses arquivos estavam presentes os assuntos discutidos e as suas referências de edição, o que facilitaria o acesso à paginação de interesse. Assim, ao escrever cada capítulo, já tinha em mãos, por meio desses arquivos, a relação de temáticas e suas respectivas matérias publicadas na revista, ficando mais fácil e rápido acessá-las durante os processos de pesquisa e escrita. No entanto, acredito ser importante deixar clara a impossibilidade de problematizar a totalidade das matérias que presentes nesses arquivos devido ao grande volume de material37.

Por isso, as chamadas, reportagens e imagens que são analisadas nesta tese também dizem de escolhas minhas enquanto pesquisador. Busquei, a partir de cada arquivo temático, trazer passagens potentes de serem problematizadas, que provocassem o pensamento e que contribuíssem com a questão da pesquisa focando nas publicações acerca dos corpos, dos sujeitos e das masculinidades homossexuais.

Entre caminhos, descaminhos, páginas, textos e imagens... Composição de ideias, de sujeitos, de corpos, de masculinidades e de vidas! São rastros de uma composição metodológica que foi sendo construída e adotada para o desenvolvimento da pesquisa. Por isso, penso neste trabalho como sendo aquilo destacado por Roney Polato de Castro (2014) como sendo uma pesquisaexperiência . Uma forma de pesquisar em que “qualquer possibilidade de

37 A titulo de exemplo identifiquei durante a pesquisa em todas as 66 edições da revista

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“neutralidade” ou “separação” entre eu – pesquisador – e o “campo de pesquisa” se anulam” (CASTRO, 2014, p. 16). Assim, fui vivendo a experiência proporcionada pela imersão nas leituras e escritas, correndo os riscos de possíveis mudanças e transformações tanto na pesquisa quanto no sujeito que a realizou.

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3. ENCONTRANDO DIFERENTES MODOS DE PESQUISAR EM REVISTAS: UM

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