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4. Composição química do vinho espumante

4.2. Compostos azotados

Na sua maioria, os compostos azotados que compõem o vinho espumante são peptídeos e aminoácidos livres. No início da fermentação os peptídeos são assimilados pelas leveduras juntamente com os aminoácidos livres. No entanto, no final da fermentação há uma libertação para o vinho de aminoácidos livres e de pequenos peptídeos por parte das leveduras. Este processo ocorre de novo com o decorrer da segunda fermentação (71). Os peptídeos são importantes para o vinho pelas suas propriedades surfactantes, sendo também responsáveis tanto pelo gosto doce como pelo amargo. A concentração total de azoto num vinho espumante varia entre 150 e 600 mg/L. A maioria das proteínas têm pesos moleculares entre 20 e 30 kDa, mas há proteínas que apresentam 62 kDa. O ponto isoeléctrico das proteínas encontra-se entre 2,5 e 6,5 (28). No entanto, a maioria das proteínas dos vinhos espumantes apresenta pontos isoeléctricos entre 3,5 e 4,4, próximos do pH do vinho e, por isso, em condições de solubilidade mínima (72). Para muitos autores este fenómeno é considerado um factor positivo pelo facto da espumabilidade e estabilidade da espuma de uma solução de proteínas aumentar para pHs próximos do ponto isoeléctrico.

Tanto o vinho base como o espumante apresentam como α-amino ácidos livres maioritários a prolina, a alanina, a arginina e o ácido glutámico, que ocorrem por ordem decrescente entre 400 e 35 mg/L (Tabela 1) (56). Dos amino ácidos livres, a glutamina e a fenilalanina são referidas como podendo estar relacionadas com o favorecimento da formação de espuma mas não com a sua estabilidade (56).

Tabela 1 – Concentração de α-amino ácidos livres, β-alanina e GABA (ácido γ-aminobutírico) no vinho base e no espumante (56).

Amino ácidos Vinho base (mg/L) Vinho espumante (mg/L)

Asp 15.00±6.45 12.6±12.8 Glu 34.4±19.6 19.5±15.8 Asn 15.7±10.0 25.2±20.8 Ser 8.45±6.52 7.74±10.0 Gln 4.56±3.95 0.66±0.60 His 13.8±6.27 12.0±11.6 Gly 9.72±4.11 11.6±7.17 Thr 5.21±3.94 8.68±8.42 Arg 38.2±41.4 49.3±72.4 β-Ala 3.30±2.58 3.76±4.30 α-Ala 47.3±58.5 52.8±80.6 GABA 40.0±44.7 45.0±64.0 Tyr 12.3±6.27 12.1±10.7 Met 3.44±1.45 1.41±1.76 Val 6.60±4.47 6.83±7.42 Trp 0.00±0.00 0.00±0.00 Phe 11.2±4.72 9.29±7.28 Ile 3.06±1.55 2.09±2.28 Leu 14.7±6.46 12.2±9.05 Orn 11.4±6.14 9.74±0.74 Lys 17.3±7.29 23.3±12.6 Pro 389±306 324±250 4.3. Polissacarídeos

Os polissacarídeos presentes nos vinhos podem ter origem em duas fontes: as uvas ou as leveduras. Os principais polissacarídeos presentes nos vinhos são as arabinogalactanas ligadas a proteínas (AGP), que possuem características neutras, fracamente acídicas ou mesmo acídicas, e as ramnogalacturonanas do tipo II (RG-II), que apresentam características acídicas. Quer as AGPs quer as RG-II são polissacarídeos provenientes das uvas. As manoproteínas são polissacarídeos neutros provenientes das paredes celulares das leveduras (73). Tanto nos vinhos base como nos vinhos espumantes, a concentração de polissacarídeos neutros é superior à concentração de polissacarídeos ácidos. Para os polissacarídeos neutros a gama situa-se entre 107,5 e 736,3 mg/L. No caso dos polissacarídeos ácidos estes tanto podem não ser detectados como atingir a concentração de 91,6 mg/L (56). Por vezes os vinhos provenientes de uvas infectadas por

Botrytis cinerea podem também apresentar glucanas (28), apesar das glucanas também

terem origem na autólise das leveduras (74).

As arabinogalactanas (AGs) e as AGPs são compostas por uma cadeia principal de galactose em ligação β-(1→3), ramificada com cadeias laterais de galactose em ligação β- (1→6) substituídas por resíduos de α-arabinofuranose (Fig. 10). O ácido glucurónico também pode ser encontrado como terminal não redutor e em ligação (1→4). As AGPs têm uma estrutura similar às AGs, possuindo uma parte proteica (< 10%) ligada covalentemente à parte glicosídica. Existe uma grande heterogeneidade nas AGPs, tanto nas percentagens de proteína (tipicamente 1-4%) como nas de ácido urónico (3-20%) (73,

75).

Figura 11 – Representação da estrutura de uma arabinogalactana do tipo II isolada do vinho (76).

As RG-II pertencem ao grupo definido como polissacarídeos pécticos, que são polissacarídeos constituídos por resíduos de ácido galacturónico em ligação α-(1→4). Nas moléculas de polissacarídeos pécticos é possível identificar zonas designadas por homogalacturonanas (compostas apenas por resíduos de ácido galacturónico), ramnogalacturonanas do tipo I (RG-I, em que os resíduos de ácido galacturónico estão intercalados com resíduos de ramnose em ligação α-(1→2) e em que parte deste resíduos de ramnose são pontos de ramificação de cadeias de resíduos de galactose e/ou arabinose)

Homogalacturonanas Homogalacturonanas

Figura 11 – Representação esquemática da estrutura primária de um polissacarídeo péctico (77).

As RG-II são um polissacarídeo de baixo peso molecular (5-10 kDa), que ocorrem no vinho na forma de monómeros (mRG-II) ou na forma de dímeros (dRG-II) e estão ligados pelo diéster 1:2 borato-diol pela apiose. São compostos por uma cadeia principal similar às homogalacturonanas, mas com várias cadeias laterais (A-D) (Fig. 12). As RG-II são compostas por 12 resíduos de açúcares diferentes, incluindo alguns açúcares raros: 2-

O-metil-D-xilose, D-apiose, ácido acérico, ácido 3-desoxi-D-lixo-2-heptulosárico (DHA),

ácido 3-desoxi-D-mano-2-octulosónico (KDO) (77, 78). As RG-II são conservadas no vinho pelo facto destas ligações glicosídicas não serem hidrolisáveis pelas enzimas da uva e das leveduras.

Figura 12 – Representação esquemática da estrutura primária de uma mRG-II, indicando as possíveis cadeias de ramificação, de A a E (77).

As manoproteínas são polímeros produzidos pelas leveduras durante a fermentação alcoólica, sendo constituídas por resíduos de manose ligados a uma parte proteica que pode variar entre 2-36% (73, 79-81). A componente polissacarídica tem uma estrutura bastante ramificada com uma cadeia principal de resíduos de manose em ligação α-(1→6) ramificada na posição 2 e 3 (73, 79).

Os polissacarídeos contribuem para as propriedades organolépticas e para a formação da espuma (82). Os polissacarídeos são também considerados “colóides protectores” dos vinhos, responsáveis por prevenir ou limitar fenómenos de agregação e floculação, ou seja, a turvação dos vinhos e/ou precipitação das proteínas (83). Pensa-se que esta acção protectora se deve em parte à presença de polissacarídeos pécticos e arabinogalactanas, que aumentam a intensidade da turbidez e favorecem a clarificação, enquanto que os polissacarídeos neutros não apresentam este efeito. Estas mesmas substâncias também parecem ter um efeito positivo nas qualidades organolépticas dos

vinhos, sendo demonstrado pelas diferenças observadas antes e depois de uma filtração fina (84).

Em geral, os polissacarídeos inibem o aumento do tamanho dos agregados de taninos (83, 85), nomeadamente, as manoproteínas e as AGPs ácidas. No entanto, as dRG- II promovem a agregação, possivelmente por co-agregação das dRG-II com as partículas de taninos (83).

4.4. Lípidos

Os vinhos espumantes sofrem grandes alterações no conteúdo lipídico devido à libertação de triacilgliceróis pelas leveduras durante a segunda fermentação. Estes são subsequentemente transformados em diacilgliceróis, e estes em ácidos gordos livres (86). Outra fase em que há libertação de lípidos é durante a autólise das leveduras. Nesta fase, os lípidos que são libertados são nomeadamente triacilgliceróis, 1,3-diacilgliceróis, 2- monoacilgliceróis, ácidos gordos livres, ésteres de esteróis e esteróis livres (57). A concentração destas diferentes classes de lípidos varia consideravelmente no autolisato, sendo os ésteres de esteróis e os triacilgliceróis as maiores fracções de lípidos presentes (1- 5 mg/L, cada). Os valores para os ácidos gordos livres, esteróis livres, diacilgliceróis e monoacilgliceróis são bastante inferiores (entre 100-600 μg/L, cada) (57). Nos vinhos base, a concentração de cada um dos ácidos gordos livres presentes (C6-C16) pode variar entre 0,024 e 10,3 mg/L, sendo o ácido octanóico o maioritário, e o tetradecanóico o minoritário. Os ácidos gordos também se encontram esterificados com etanol, variando a sua concentração individual entre 0,021 e 2,0 mg/L (87). Estudos em vinhos Champagne mostraram que os ácidos gordos livres e respectivos ésteres etílicos existem em maior concentração na interface gás-líquido do que na fase líquida, sendo libertados nos aerossóis provenientes do colapso das bolhas, nomeadamente os ácidos gordos saturados (C10:0- C24:0) e insaturados (C14:1, C16:1, C18:1 e C18:2) (70).

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