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3.1 A pessoa com deficiência

3.1.1 Compreendendo a deficiência

O fenômeno da deficiência tem sido discutido e entendido de duas maneiras: como uma desvantagem natural (modelo médico) e/ou como uma desvantagem social (modelo social). Assim, por meio do modelo médico, é compreendido como um problema individual, sendo alvo de estudos e tratamentos biomédicos com vistas a alcançar a cura. Já o modelo social, ao entender a deficiência como um tipo de desigualdade social experimentada pelo corpo que apresenta diferenças, discute a relação da deficiência com a sociedade e a existência de ambientes sociais opressivos, buscando o reconhecimento da diversidade corporal e a eliminação das desigualdades.

O entendimento da deficiência como uma desvantagem natural surge a partir do século XIX, por meio do modelo médico, que a percebe como resultado de um corpo com lesão. Desse modo, a pessoa com deficiência é vista como uma pessoa doente, que precisa ser tratada e reabilitada para se adequar a sociedade. Sendo assim,

localiza a deficiência no corpo do indivíduo, como resultado inevitável dos impedimentos físicos, cognitivos ou sensoriais. Nessa perspectiva, o corpo com impedimentos deve ser alvo de intervenção e medicalização, a fim de adequar-se aos ambientes em uma expectativa de normalidade (BARBOSA, DINIZ, SANTOS, 2009, p. 386).

No entanto, este modelo, “tem sido responsável, em parte, pela resistência da sociedade em aceitar a necessidade de mudar suas estruturas e atitudes” (SASSAKI, 1997,

p.29), compreendendo a questão da deficiência como um problema apenas da pessoa que a apresenta.

A partir dos anos 60, as Ciências Sociais introduzem novas explicações sobre a questão da deficiência. Paul Hunt, um dos precursores do modelo social da deficiência no Reino Unido, propôs, nesse período, a formação de um grupo de pessoas com deficiência, para que estas expusessem suas vivências nas instituições. Destarte, foi criado, em 1976, a Liga dos Deficientes Físicos contra a Segregação (UPIAS), que foi na verdade uma instituição diferente das outras existentes, uma vez que não objetivava retirar as pessoas do convívio social ou normalizá-las, mas, sim, questionar a compreensão tradicional de deficiência, entendendo a como uma questão social (DINIZ, 2007).

Este movimento político de crítica, estabelecido pela UPIAS, ganhou força na década de 80 e afetou o discurso do modelo biomédico, uma vez que não atribuía valor à questão da lesão como causa da deficiência, mas sim à discriminação social. Assim, propôs a construção de uma nova concepção de deficiência em termos sociológicos, ligada à questão da opressão social, ou seja, os primeiros defensores do modelo social consideravam a deficiência como uma experiência de opressão.

A ideia era simplesmente ir além da medicalização da lesão e atingir as políticas públicas para a deficiência. O resultado foi a separação radical entre lesão e deficiência: a primeira seria o objeto das ações biomédicas no corpo, ao passo que a segunda seria entendida como uma questão da ordem dos direitos, da justiça social e das políticas de bem-estar (DINIZ, 2007, p. 20).

Este novo olhar, aos poucos, foi sendo introduzido na academia, propiciando um contínuo debate em torno da questão. Cabe, ressaltar que outras questões foram introduzidas na discussão do modelo social por meio da perspectiva culturalista e feminista. Dessa maneira, transformações e aprimoramentos foram ocorrendo na forma de compreender a experiência da deficiência, evidenciando deste modo, um processo em construção e em constante disputa.

Os teóricos do modelo social, ao compreenderem a deficiência como uma desvantagem social, discutem a relação da deficiência com a sociedade, entendendo que a exclusão, a desigualdade e a opressão não são resultantes apenas dos impedimentos corporais, mas, principalmente, das barreiras presentes no ambiente social e que a lesão tem também origem social, podendo advir do trabalho social produtivo.

O entendimento da deficiência como opressão ou como desigualdade envolve processos discriminatórios e de rejeição da sociedade, que percebe as pessoas com deficiência com menoridade de condições. Portanto, estes processos evidenciam-se em toda a estrutura

social, assim como, no processo produtivo. “A compreensão da deficiência como uma

desvantagem social transfere do indivíduo para a estrutura e as atitudes sociais a causalidade

da desigualdade criada a partir de um corpo com impedimentos” (SANTOS, 2009, p. 31)

Nesse sentido,

o modelo social da deficiência reconhece as limitações dos impedimentos corporais, mas afirma que as desvantagens não são uma natural consequência do corpo, e sim uma condição imposta por ambientes sociais pouco sensíveis à diversidade corporal. Nesse modelo, a deficiência é uma questão de justiça social e tanto os saberes biomédicos devem atuar para melhorar as condições de vida da população com deficiência quanto os ambientes devem ser modificados e tornados acessíveis a todas as pessoas (BARBOSA, DINIZ, SANTOS, 2009, p. 386 -387).

Enquanto o modelo médico percebe a deficiência como resultado de um corpo que apresenta determinada lesão, o modelo social entende a deficiência como uma desigualdade sofrida pelo corpo que apresenta diferenças tendo em vista a existência de ambientes sociais opressivos. Entretanto, os dois modelos apresentam um aspecto em comum, isto é, concordam que a lesão é uma questão que necessita e depende de cuidados biomédicos (DINIZ, 2007).

Com a publicação da Classificação de Lesão, Deficiência e Handicap (ICDH), em 1980, criada para unificar a linguagem biomédica no que se refere a lesão e deficiência, ocorreu, de certa forma, uma reafirmação do modelo médico, uma vez que, este foi a referência para sua a construção. O documento evidencia a questão da deficiência como consequência de uma lesão e ainda traz presente em seus conceitos o aspecto da normalidade, o que implicitamente pressupõe a existência de pessoas anormais. Dessa forma, aborda a deficiência apenas como uma desvantagem natural e individual, não reconhecendo a existência das desvantagens existentes na sociedade.

Em vista disso, a ICDH foi alvo de diversas críticas, tendo como resultado a sua revisão21 e, consequentemente, a aprovação - em 2001 - da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que entende a deficiência relacionada à saúde e não à doença, considerando três domínios, os quais compreendem: o corpo, o indivíduo e a sociedade.

A CIF apresenta uma grande inovação em relação à deficiência, posto abranger importantes aspectos contextuais que se referem aos fatores ambientais e pessoais, aproximando-se, dessa forma, também das desvantagens proporcionadas pela estrutura social. Dessa modo, busca-se integrar aspectos do modelo médico e do social ao levar em consideração as funções do corpo e as barreiras sociais.

Mesmo tendo ocorrido uma mudança na forma de perceber e de compreender a deficiência com a introdução do modelo social, as pessoas com deficiência, até então, continuam a experimentar a desigualdade e a discriminação, considerando a presença das diversas barreiras na sociedade. Os ideais defendidos pelo modelo social, ainda principiantes no Brasil, precisam fazer parte das discussões no campo social e ser introduzidos na

formulação das políticas sociais brasileiras de modo a considerar “além de condições de

saúde, as condições sociais e ambientais que influenciam na determinação da desigualdade

pela deficiência” (SANTOS, 2010, p.189).

Portanto, a alteração na forma de compreender a deficiência, evidenciada na CIF, contribuiu, entre outros fatores, para a modificação na legislação que regulamenta o BPC, de modo a introduzir uma nova visão sobre a questão. Sendo assim, cabe discutir a relação entre BPC e deficiência, apontando a compreensão de deficiência presente nas regulamentações do benefício, a maneira como foi realizada essa avaliação, as alterações que ocorrem na legislação e a introdução do novo modelo de avaliação médico e social da deficiência.