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Compreendendo o conceito de minoria

No documento tamaralisreisumbelino (páginas 45-49)

Para compreender como se organizam os grupos formados pelos jovens rappers de classe média e também da periferia, recorremos a Muniz Sodré (2005) e nos vemos obrigados a reavaliar a noção contemporânea de minoria - assim

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compreendida como aqueles que pouco têm voz ativa ou capacidade de intervir nas ações tomadas pelas instâncias de poder, sendo menos representados, por exemplo, pelos veículos de comunicação de massa, questão abordada neste estudo. Neste caso, comumente se enquadram os grupos atuantes em questão de gênero e cor.

Mas, ao contrário de ser ponto pacífico, este lugar ocupado pelas minorias pode ser visto como “topos polarizador de turbulências, conflitos, fermentação social” (p. 1). Embora haja o reconhecimento por parte do grupo da sua posição menos favorecida representativamente em diretos na organização social da qual faz parte, este não é um lugar onde se pretende ficar. E deixar de ocupá-lo passa, necessariamente, por uma reconfiguração das relações de poder. Empoderar-se exige transformação de identidades pelo conflito constante causado pela negociação entre as partes. Razão pela qual Sodré (2005) afirma, por exemplo, que “o negro no Brasil é mais um lugar do que o indivíduo definido pura e simplesmente pela cor da pele” (p. 1). É considerado mais ou menos negro de acordo com sua posição social e grau de instrução, dentre outros fatores. Acreditar que todo individuo que possa etnicamente ser classificado como negro, enfrenta os mesmos problemas de representação seria um erro.

Ao levar em consideração esta forma de avaliar o dilema, minoria já não pode ser compreendida como uma massa uniforme, mas sim como um “dispositivo simbólico com uma intencionalidade ético-política dentro da luta contra hegemônica” (SODRÉ, 2005, p. 1) que pretende atuar de forma a garantir a redistribuição dos privilégios e espaços de visibilidade social, buscando serem reconhecidos como instâncias de poder capazes de atuar, por exemplo, na tomada de decisões por parte de governos e instituições de apelo social. O que se pretende cada vez mais é a garantia de redistribuição de oportunidades e direito a fala (FRASER, 2001), a representação social e com esta garantia de espaço e visibilidade o alcance de reconhecimento.

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Sodré (2005) elenca alguns fatores que permitiram o reconhecimento de determinado extrato social como minoria. Um deles seria a vivência de uma situação de vulnerabilidade jurídico-social, com frágil legitimidade institucional diante das políticas públicas. A dificuldade de acesso aos direitos básicos e o não reconhecimento de seus representantes como atores com legitimidade social são marcantes neste caso, o que faz com que seja cada vez mais crescente a luta por direito ao reconhecimento de seu discurso, seja através dos canais tradicionais de comunicação ou através da criação de novas possibilidades mais democráticas, como os jornais e rádios comunitárias, por exemplo. As posses de hip-hop também surgem principalmente para preencher esta lacuna e se firmarem como grupo constituído e autorizado oficialmente a falar em nome de determinado grupo de jovens rappers.

O autor destaca ainda a situação de constante recomeço e formação experimentada por estes grupos que se apresentam sempre in statu nascendi na luta contra a redução do poder hegemônico. Luta travada cada vez mais no terreno da mídia, principalmente nas tecnodemocracias ocidentais, onde o espaço ocupado pelos meios de comunicação se tornou arena fundamental para legitimação de poder, ocasionando, inclusive diversas ações empreendidas pelos grupos minoritários apenas para causar grande repercussão midiática, dando origem a uma possível ação no nível das instituições da sociedade global.

Trata-se da teoria já bastante discutida por estudiosos da comunicação social, da “agenda setting” ou “teoria do agendamento”. Este conceito surgiu pela primeira vez em um estudo de McCombs e Shaw, EUA (1972) ao analisarem os efeitos da mídia no eleitorado durante campanhas políticas. Sendo o agendamento compreendido como a valorização de determinadas temáticas através do uso de estratégias comunicativas. Segundo Cohen (1963) “a imprensa pode, na maior parte das vezes, não conseguir dizer às pessoas como pensar, mas tem, no entanto, uma capacidade espantosa para dizer aos seus próprios leitores sobre o que pensar”. Desta forma a agenda diária de cobertura dos fatos pelos noticiários muitas vezes terminaria por se confundir com a agenda pública,

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tornando de fato noticia “o que sai no jornal” e não mais o contrário. E, quando há uma cobertura parcial ou preconceituosa de determinado assunto, incorre-se no erro de permitir que a parte represente o todo fazendo com que, por exemplo, a cobertura policial ligando a criminalidade à população jovem, negra e pobre, termine por tonar esta relação quase obrigatória e definitiva.

Este processo de agendamento ocorre contando com a participação ativa dos chamados “promotores de notícias”, capazes de proporem a agenda. Na maioria das vezes formada por grupos com poder financeiro e/ou político e que concentram em suas mãos importantes e numerosos veículos de comunicação de massa. Grande parte das mobilizações dos grupos sociais é feita neste sentido: se tornar um promotor de notícias capaz de interferir na agenda da sociedade trazendo suas questões para serem debatidas no espaço público.

Há ainda a importante participação dos comunicadores, responsáveis neste processo por transformar um perceptível conjunto de ocorrências em notícias para que estas cheguem altamente “palatáveis” aos consumidores. Ação que só é possível através de competentes estratégias de discurso e de ações demonstrativas (passeatas, invasões episódicas, gestos simbólicos, manifestos, revistas, jornais, programas de televisão, campanhas pela internet) principais recursos de luta atualmente.

Sodré (2005) destaca que esta noção de minoria tem florescido à sombra da crise contemporânea do espaço público, cada vez mais desidentificado com a esfera estatal, na mesma medida em que a sociedade (as instituições oficiais articuladas com o Estado) se afasta do social, isto é, das relações concretas gerais e abertas da população. Na lacuna deixada pela atuação do poder público cresce a força de agendamento por parte das chamadas minorias que cada vez mais se recusam a consentir com o discurso convencionado pelo senso comum, se apresentando como uma voz de dissenso reivindicando uma postura contra hegemônica por parte dos agentes de poder nas sociedades.

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No documento tamaralisreisumbelino (páginas 45-49)

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