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3.2 – COMPREENDENDO A POLÍTICA DE ACOMPANHAMENTO AO PRESO E AO EGRESSO NO ESTADO DE MINAS GERAIS

No documento rosaurarodriguestoledo (páginas 89-95)

Em âmbito nacional, portanto, o governo brasileiro situa institucionalmente as políticas de segurança pública como atividade pertinente aos órgãos estatais e à comunidade

como um todo. E, dentro deste conjunto de políticas, define as ações de ‘reintegração social’60 como “conjunto de intervenções técnicas, políticas e gerenciais levadas a efeito durante e após o cumprimento de penas ou medidas de segurança, no intuito de criar interfaces de aproximação entre Estado, Comunidade e as Pessoas Beneficiárias, como forma de lhes ampliar a resiliência e reduzir a vulnerabilidade frente ao sistema penal”61

.

O Ministério da Justiça, através de órgãos como o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e a Secretaria de Reinserção Social, vinculada ao Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), objetiva promover ações que fomentem melhorias nas políticas de segurança pública e justiça criminal, tais como concessão de financiamento a projetos, incentivo a pesquisas relacionadas à área, abertura de diálogo e articulação com os órgãos que compõem o sistema de justiça e segurança pública, incentivo à criação e manutenção de programas de apoio aos egressos, estabelecimento de parcerias e convênios, com intuito de “promover a melhoria das condições do encarceramento brasileiro e apoiar os egressos do sistema para que os indicadores de vulnerabilidade e exclusão social sejam reduzidos”62.

Seguindo esta diretriz nacional, os programas de apoio ao preso e ao egresso vão ser desenvolvidos em âmbito estadual e municipal a partir da atuação dos poderes públicos, regionais e locais, e da sociedade civil, para efetivar as previsões da LEP (1984). Além das parcerias entre os poderes executivo e judiciário, a participação da sociedade civil organizada através de pastorais carcerárias, ONG´s, cooperativas, fundações, universidade, têm papel fundamental na construção de redes de apoio e implementação das ações de reintegração social.

Ainda segundo a orientação nacional, para alcance do bom “tratamento penal” não se trata apenas da abstenção da violência física ou da garantia de boas condições para a custódia do indivíduo em cumprimento de pena privativa de liberdade, “deve, antes disso, consistir em um processo de superação de uma história de conflitos, por meio da promoção dos seus direitos e da recomposição dos seus vínculos com a sociedade, visando criar condições para a sua autodeterminação responsável”63.

Ao analisar esses discursos do governo federal, no que diz respeito às diretrizes das políticas criminais, claro está o reconhecimento da sua incapacidade de gerir sozinho o problema da criminalidade e dos ciclos de violência, o que consubstancia na crise do Estado

60

Termo adotado pelo Ministério da Justiça, Brasil (2013).

61 Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/> Acesso em: 20 maio 2013. 62 Idem 60.

monopolizador e sua estrutura punitiva, e reconhece ainda que a clientela vulnerável ao sistema penal é marcada por um histórico duplo de conflitos e exclusão social, prévio e posterior à situação de privação da liberdade, carente de autorreconhecimento moral e social.

Dentro desta perspectiva humanística orientada para inserir direitos humanos e proteção social na esfera da justiça criminal e do sistema prisional, interessa apresentar aqui a atual política de prevenção à criminalidade do estado de Minas Gerais.

Em 2003 o estado de Minas Gerais criou a Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) com o objetivo de formular uma política de segurança pública que integre os órgãos de defesa social64 em um modelo de gestão estratégica, tendo em vista a constatação de um aumento progressivo nas taxas da criminalidade violenta65 e a situação deficitária do sistema prisional mineiro66. A SEDS passa a ser responsável pela administração penitenciária, medidas sócio educativas, integração do sistema de defesa social, prevenção social à criminalidade, avaliação e qualidade do sistema de defesa social, formulando diretrizes para a política de segurança pública consolidadas no Plano Estadual de Segurança Pública de 2003.

O plano é o marco estadual da criação de diretrizes voltadas à consolidação de uma política de segurança pública preocupada não só com o estabelecimento de estratégias de repressão qualificada, mas principalmente com a construção de estratégias e objetivos de prevenção social à criminalidade. Há com isso uma articulação entre as esferas do governo, federal, estadual e municipal, as instituições do sistema de defesa social e a comunidade local, pautada pelo respeito aos direitos humanos, os princípios da CF/88 e da LEP (1984).

O Governo de Minas (2009) elege como prioridade das ações a efetiva diminuição da criminalidade e violência urbanas, com consequente aumento da qualidade de vida da população. A nova concepção de atuação da política de segurança pública do estado de Minas Gerais é direcionada pelo conceito de “segurança cidadã”. O objetivo geral dessa política é:

Elaborar e coordenar planos, projetos e programas de prevenção à criminalidade nos níveis social e situacional mediante a construção de novas

64 Os órgão de defesa social integrados: Defensoria Pública, Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros e

SEDS (MINAS GERAIS, 2009).

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O aumento das taxas de criminalidade violenta evidenciado no Brasil de forma sistêmica, especialmente a partir da década de 1990, exigiu respostas dos Governos. Em Minas Gerais a taxa de crimes violentos saltou de 100 pessoas no ano de 1986, para 500 pessoas no ano de 2003, para cada grupo de 100 mil habitantes. Restando verificada uma concentração deste fenômeno nos grandes centros urbanos: Belo Horizonte e Região Metropolitana e alguns municípios mais populosos do interior (MINAS GERAIS, 2009).

66 Segundo dados do Depen de 2002, o estado de Minas Gerais apresentava um déficit de 26,7% de vagas,

considerando a participação de Minas Gerais dentro do sistema penitenciário nacional (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2002).

relações entre a sociedade civil e os órgãos componentes do sistema de defesa social e justiça, visando à segurança pública e à garantia do exercício pleno da cidadania principalmente por pessoas, grupos e localidades mais afetados pelo fenômeno da violência e da criminalidade urbana (MINAS GERAIS, 2009, p.31).

Dentro da estrutura organizacional da SEDS foi criada a Superintendência de Prevenção à Criminalidade (SPEC), responsável por gerir a política de prevenção em todas as suas fases, inclusive no que tange a parcerias público/privadas e formação da rede social de atendimento a essa política.

A partir de uma série de estudos técnicos de levantamento de dados estatísticos sobre a distribuição dos índices de criminalidade e violência dentre os municípios que compõem o estado de Minas Gerais, sob análises de geoprocessamento e georeferenciamento de informações, os órgãos de defesa social integrados definem os municípios que receberão a política de prevenção. Com isso há a celebração de um convênio entre estado e município para distribuir as responsabilidades da gestão da política de prevenção que serão executadas na base local. Apesar da previsão da CF/88 de que a segurança pública é atribuição do governo estadual, a complexidade das ações e a necessidade de articulação das políticas sociais municipais tornam fundamental o convênio com o município para efetivação das políticas de prevenção67.

Uma vez definido o município que receberá a política de prevenção, passa-se ao mapeamento dos índices de criminalidade e violência do município dividindo-o por região e consolidando um diagnóstico municipal particular68, baseado nas características locais do crime e da violência, bem como os fatores e as causas que propiciam tais fenômenos. Além disso, dentre as ações integradas, a Polícia Militar implanta no município o Grupo Especializado em Policiamento de Áreas de Risco (GEPAR), composto por policiais capacitados para desenvolver ações sociais de polícia preventiva e repressiva qualificada, visando atender uma metodologia de policiamento comunitário preocupada com a efetivação

67 Em nível internacional, a ONU afirma a necessidade do poder público municipal desenvolver e incorporar

políticas sociais de prevenção. O governo federal desenvolveu o PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – que propõe ações de prevenção a serem executadas pelos municípios (MINAS GERAIS, 2009).

68 Minas Gerais (2009) segue orientação do guia para a prevenção do crime e das violências nos municípios

elaborado pela SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública – órgão do Ministério da Justiça, que preceitua a necessidade da elaboração concreta de políticas públicas em cada município, levando em conta os mapas georeferenciados que fornecem dados socioeconômicos, urbanos, demográficos, bem como as ações desenvolvidas pelos poderes públicos nas diversas áreas (saúde, esporte, lazer, cultura e etc), equipamentos públicos disponíveis, evidenciando se o Estado está presente nas áreas de incidência do crime e violências e em que condições.

dos valores trazidos na DUDH (1948) e CF/88, na busca pela mudança dos paradigmas da prática policial (MINAS GERAIS, 2009).

As diretrizes da política estadual de prevenção buscam suplantar a marca histórica de isolamento das instituições de segurança pública e justiça, que tornam as ações pontuais e precárias. Com isso são realizadas diversas ações de capacitação, qualificação e articulação dos atores das políticas de segurança pública e órgãos de defesa social integrados que atuam no município onde a política de prevenção será desenvolvida, tais como palestras e seminários integrados.

A política social de prevenção de Minas Gerais (2009), cujas estratégias de atuação estão focadas em reverter os fatores de risco69 que acentuam a probabilidade de incidência da violência ou os seus fatores negativos a fim de diminuir a criminalização e seus efeitos por meio de fatores de proteção, opera em três níveis: prevenção primária; prevenção secundária e prevenção terciária.

A prevenção primária busca intervir nas localidades identificadas como mais vulneráveis aos processos de criminalização e/ou vitimização, marcadas por contextos de maior incidência de violência e criminalidades. As ações, com foco no meio ambiente urbano, são orientadas para evitar que o crime ocorra. Na prevenção primária são desenvolvidas “campanhas educativas; formação qualificada; estímulo a iniciativas comunitárias e a práticas pessoais preventivas contra a violência; atividades coletivas de cidadania, esporte e cultura; ocupação dos espaços ociosos; atendimento ao público; propostas de educação e socialização”70. Há dois programas que integram este nível de prevenção: Programa Fica Vivo! e Programa Mediação de Conflitos.

Na prevenção secundária o foco é a interrupção de processos de criminalização e violência e a minimização dos danos oriundos do envolvimento nestes contextos sociais. Atende a pessoas que experimentaram o crime, vindo a cumprir pena ou medida alternativa à prisão, acompanhando e direcionando-as para instituições com finalidade social, com caráter educativo, objetivando a redução de vulnerabilidades e a inclusão como forma de diminuição da reincidência criminal. O programa desenvolvido neste nível da prevenção é o Programa CEAPA (Central de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas).

E, por fim, a prevenção terciária, cujas ações são direcionadas a pessoas que cometeram crimes ou delitos e vivenciaram processos de criminalização e privação de

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Segundo a definição adotada pelo governo de Minas Gerais (2009), os fatores de risco aumentam, porém não necessariamente determinam a incidência de crimes e violências, e os fatores de proteção são aqueles que reduzem a probabilidade de incidência desses efeitos.

liberdade, os egressos do sistema prisional, com objetivo de minimizar os efeitos desses processos e vivências a partir da “desconstrução das vulnerabilidades, estigmas, violências exercidas e sofridas pela sua vivência” (MINAS GERAIS, 2009, p.24). O programa que atende este nível da política de prevenção é o PRESP (Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional), objeto da presente análise.

Atualmente 13 (treze) municípios mineiros recebem algum dos programas de prevenção social à criminalidade: Belo Horizonte, Contagem, Betim, Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Sabará, Vespasiano, Montes Claros, Governador Valadares, Ipatinga, Juiz de Fora, Uberlândia e Uberaba. Dentre esses, o PRESP está presente em 11 municípios71, não atendendo a Sabará e Vespasiano.

Os programas são desenvolvidos nos municípios através da implantação dos Núcleos de Prevenção à Criminalidade (NPC´s)72, de base local e municipal, com equipes técnicas próprias, e vinculados à Superintendência Estadual – SPEC.

Para viabilizar as ações dos NPC´s no cumprimento da política de prevenção e desenvolvimento dos programas é necessário estabelecer parcerias e articular a rede de proteção social de modo a consolidar a execução dos seus objetivos. Neste sentido, visando a aproximação e a participação efetiva da sociedade civil na política de prevenção, a SEDS celebra termos de parceria com ONG´s que atendem aos requisitos para obtenção de certificado emitido pelo poder público que lhes confere o status de OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.

Destaca-se o papel das OSCIP´s Instituto ELO e APRECIA. O Instituto ELO é parceiro da SEDS desde 2005 e desenvolve ações como a implantação, desenvolvimento e consolidação dos NPC´s de base local e municipal; divulgação e comunicação dos trabalhos desenvolvidos pelos programas nos municípios atendidos; composição e capacitação das equipes técnicas, através da realização de seleções e avaliações de desempenho. A APRECIA é responsável pelo desenvolvimento de projetos de inclusão produtiva, para os programas de Belo Horizonte e Região Metropolitana, buscando promover capacitação e qualificação dos beneficiários da política, com objetivo de geração de trabalho e renda autossustentáveis.

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Dados extraídos da fonte Minas Gerais, 2009, confirmados no site <http://www.seds.mg.gov.br/> e mantidos sem alteração até agosto de 2013, segundo informações do Núcleo de Prevenção à Criminalidade de Juiz de Fora – MG.

72 Os NPC´s de base local abrigam os programas de prevenção primária, Programa Fica Vivo e Programa de

Mediação de Conflitos, executados em localidades marcadas de forma determinante pela criminalidade e violência, segundo estudos técnicos orientados. Já os NPC´s de base municipal abrigam os programas de prevenção secundária e terciária, Programa CEAPA e PRESP, e são implantados em regiões centrais dos municípios, a fim de facilitar o acesso do público e a proximidade com os órgãos do sistema penal.

A partir desta compreensão geral do discurso oficial da política de segurança pública do estado de Minas Gerais, em coerência com as diretrizes propostas pela política nacional, notadamente no que se refere à contextualização dos arranjos institucionais da política de prevenção social, é possível situar o programa objeto deste estudo, o PRESP, responsável pelo trabalho de atenção aos egressos do sistema prisional.

No próximo título será apresentada detalhadamente a dinâmica funcional do PRESP, a fim de inserir o leitor no ambiente interacional analisado e possibilitar as reflexões aqui propostas em torno dos usos e significados envolvidos nas práticas de ressocialização imanentes às interações cotidianas dos egressos do sistema prisional.

3.3 – O PROGRAMA DE INCLUSÃO SOCIAL DE EGRESSOS DO SISTEMA

No documento rosaurarodriguestoledo (páginas 89-95)