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Compreensão das teorias relacionadas ao mínimo existencial e à reserva do

2 CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DA IDENTIDADE CONSTITUCIONAL

5.2 Compreensão das teorias relacionadas ao mínimo existencial e à reserva do

As teorias do mínimo existencial e da reserva do possível se encontram ligadas, no cenário brasileiro, com o estudo dos direitos fundamentais sociais, porque ora são consagrados em virtude de uma necessidade de garantia ampla de uma existência digna, ora deixam de ser perfectibilizados pela função estatal competente em decorrência de uma pretensa ausência de recursos financeiros.

De acordo com os ensinamentos de Andreas Krell300, o mínimo existencial surge no contexto alemão do pós-guerra, devido ao fato de a Lei Fundamental de Bonn de 1949, diferentemente do atual discurso constitucional pátrio, não ter apresentado expressamente qualquer direito social. Assim, existe um direito mínimo de existência extraído da dignidade da pessoa humana que inclui as prestações relacionadas, sobretudo, ao atendimento básico e eficiente de saúde, vestimentas adequadas, educação e moradia. Procura ser reconhecida a universalidade dos direitos fundamentais, já que o exercício completo do direito à vida está atrelado às condições mínimas de saúde.

Para Eurico Bitencourt Neto301, o direito ao mínimo existencial, além de ter fundamento na dignidade humana, está alicerçado na igualdade material e solidariedade social, porque é direito autônomo, mas sem conteúdo próprio, pois é “um direito ao cumprimento do mínimo de outros direitos302”. Trata-se, ainda, de um direito adscrito, por ser decorrente de normas de direitos fundamentais previamente estatuídas e sem expressa previsão nos discursos constitucionais hodiernos303.

Tal teoria, no Brasil, ainda carece de maiores fundamentações dogmático- jurídicas, tendo em vista que o mínimo existencial em determinadas situações está ligado ao direito à vida, e em outras, a um pretenso núcleo essencial dos direitos sociais.

Em relação à reserva do possível, esta, por sua vez, relaciona-se com o fato de que todos os direitos geram, inevitavelmente, custos comunitários. A partir do instante no qual há a realização de um núcleo dos direitos e deveres econômicos, sociais e culturais, na União

300

KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de uma direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 59-65.

301

BITENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 99-113.

302

Id. Ibid., p. 173.

303

Id. Ibid., p. 164-165. No mesmo sentido, Ricardo Lobo Torres, (2008, p. 313), expõe que “o mínimo existencial não tem dicção constitucional própria. Deve-se procurá-lo na ideia de liberdade, nos princípios constitucionais da dignidade humana, da igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa, na Declaração dos Direitos Humanos e nas imunidades e privilégios dos cidadãos”.

Européia, o qual ficou conhecido como modelo social europeu, acentuou-se, cada vez mais, o cumprimento do dever fundamental de pagar impostos304.

Explica Andreas Krell305 que essa ideia também surgiu na Alemanha, no intuito de demonstrar que o Estado somente poderá ser demandado de forma racional para o custeio dos anseios sociais. Esse limite básico social não comportaria, por exemplo, que o Estado estivesse obrigado a criar quantidade suficiente de vagas nas universidades públicas para atender a todos os candidatos.

Logicamente que a teoria da reserva do possível, em países em desenvolvimento, como o Brasil, essa menção às questões orçamentárias principalmente acaba por constituir uma das grandes justificativas para a falta de justiciabilidade dos direitos sociais.

Contudo, o limite do financeiramente possível não poderá ser utilizado como escudo para a existência da omissão total ou parcial perante critérios de política monetária, estabilidade, contenções de gastos com o serviço público, exigências financeiras dos mais variados órgãos que compõe o Estado, desde que esses motivos não estejam alicerçados em uma certa confiabiliadade306.

Assim, constitui uma das hipóteses de intervenção, seja federal ou estadual, e princípio constitucional sensível, segundo o art. 34, VII c/c art. 35, III, CF, a aplicação do mínimo exigido de receita dos impostos na educação e saúde como maneira de concretização desses postulados referentes à dignidade humana. Trata-se de modalidade de intervenção perpetrada pelo Procurador-Geral da República (art. 36, III, CF), perante o STF, que, casa seja dado provimento à ação de inconstitucionalidade para fins interventivos, vinculará o chefe do Poder Executivo a perpetrar a intervenção307.

Portanto, adianta-se, desde já, que o Poder Judiciário deverá, em consonância com o art. 2º, CF, a fim de garantir a harmonia das funções estatais, intervir, quando se tratar de atuação defeituosa dos demais poderes constitucionais. É plenamente aceitável, nesse

304

NABAIS, José Casalta. Reflexões sobre quem paga a conta do estado fiscal. Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Casalta2008.pdf>. Acesso em: 12.ago.2012. Hugo de Brito Machado Segundo, (2010, p. 198-199), expõe, nesse contexto de pagamento de tributos, que “deve-se afastar a ideia de que um aumento na arrecadação de tributos está, necessariamente, ligado a uma redução das desigualdades sociais. Conquanto evidente seu desacerto, muitos usam essa ideia para justificar a majoração de tributos ou, o que é pior, para justificar, ou tentar justificar, a cobrança de tributos em termos incompatíveis com as leis ou a Constituição, esquecendo que a existência de recursos financeiros é tão necessária quanto insuficiente para a promoção dos direitos sociais e para a redução das desigualdades sociais. No caso, os recursos, além de disponíveis, devem efetivamente ser aplicados nessas finalidades, sendo este o principal problema”.

305

KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de uma direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 51-56.

306

Id. Ibid., p. 53.

307

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 858.

contexto, o ativismo judicial, ao se estar diante, com base na classificação de Virgílio Afonso, de uma omissão infundada, porque:

restrição fundamentada é restrição possível; restrição não fundamentada é violação. (...) A partir desse pressuposto nem a simples inação do Poder Judiciário, como acaba se ser visto, nem o ativismo incontrolado. Ou seja: para dar ensejo a alguma intervenção do Judiciário nesse âmbito, não basta que se verifique uma ação que poderia eventualmente realizar um direito fundamental não tenha sido realizada – por exemplo, a compra de remédios para combater determinada doença; é necessário, além dessa verificação, que se analise se há, ou não há, fundamentação jurídico-constitucional para a omissão. Somente nos casos de omissão infundada é que se poderia imaginar alguma margem de ação para os juízes nesse âmbito308. (grifos no original)

Não se compactua, certamente, com o ativismo judicial descontrolado para a garantia dos direitos sociais, porque haveria clara ofensa à discricionariedade legislativa e executiva.

Finalmente, para Luís Roberto Barroso309, no contexto da concessão de medicamentos pelo Poder Judiciário, ante a procedência integral de uma grande parte dessas ações judiciais, o autor esclarece que há uma judicialização excessiva do direito fundamental à saúde, por isso ser imprescindível a compreensão da inconstitucionalidade por omissão e a atuação da função jurisdicional no tocante à dignidade coletiva, a ser feito no tópico seguinte.