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Compreensão (estática e genética; racional e empática) e explicação causal

No documento Fenomenologia e psicanálise (páginas 118-121)

Jaspers distingue quatro tipos de compreensão: estática versus genética e racional versus empática ou psicológica.

Através da compreensão estática os estados mentais são representados, definidos, descritos com detalhe e ordenados (pensamentos, perceções, etc.). Por outro lado, através da compreensão genética são estabelecidas co- nexões entre os vários estados mentais (por exemplo, como as variações de humor se podem associar a determinadas experiências de vida).

Quer a compreensão estática quer a genética podem ser do tipo racional ou empático.

A compreensão racional é aquela que é utilizada para captar algumas manifestações objetivas que são acedidas através da racionalidade (como ideias delirantes ou outros conteúdos racionais que são compreendidos através do pensamento racional e não pela empatia) ou para estabelecer conexões lógicas entre os estados mentais sem ser necessária a empatia. Por outro lado, recorre-se à compreensão empática ou psicológica para aceder aos fenómenos verdadeiramente subjetivos, compreendidos com recurso à empatia, e para estabelecer conexões entre fenómenos subjetivos (por exem- plo, compreender o aparecimento de determinados pensamentos delirantes secundários a estados de humor).

Várias vezes ao longo da obra de Jaspers a fenomenologia é distinguida da psicologia compreensiva.

“A representação, definição, descrição dos estados psíquicos (com- preensão estática) é tarefa da fenomenologia; enquanto a compreensão das conexões psíquicas é matéria da psicologia compreensiva” (2). Pos- teriormente, recorre ao termo “psicopatologia compreensiva”, aparente- mente para designar a aplicação da psicologia compreensiva à psicopa- tologia (estados psíquicos considerados patológicos). Segundo Jaspers, “a psicopatologia compreensiva pretende estender a nossa compreensão a relações extraordinárias, muito longe de nós e que à primeira vista são inalcançáveis”.

Jaspers sublinha que “a fenomenologia não tem nada a ver com a com- preensão genética e deve ser tratada como algo completamente diferente. A fenomenologia deve ser restrita àquilo que é acedido através da com- preensão estática” (3).

Também é subentendida uma ordem para as duas, primeiro “descreve- mos em detalhe os estados psíquicos (pensamentos, perceções, etc.)”, depois

“podemos ir mais além e compreender as conexões psíquicas entre os vários estados” (4).

No fundo, de acordo com o que foi descrito, a fenomenologia envolve a compreensão estática e empática, e a psicologia e a psicopatologia com- preensiva a compreensão genética e empática.

Jaspers sublinha que compreensão psicológica ou empática é intuitiva e as conexões que através dela são estabelecidas são evidentes por si só e não obtidas por um método indutivo-racional. A compreensão seria uma “intui- ção do psíquico adquirida pelo interior do psíquico” (1), muito de encontro à definição de empatia que utiliza.

Compreensão Utilização

Estática Genética

Para a representação, definição, descrição e ordenação dos estados mentais

Para estabelecer conexões entre os vários estados mentais

Racional

Empática

Para aceder a sintomas objetivos através da racionalidade ou para estabelecer conexões lógicas entre os estados mentais

Para aceder aos fenómenos verdadeiramente subjetivos, compreendidos com recurso à

empatia, e estabelecer conexões entre fenómenos subjetivos

2. A empatia

As manifestações subjetivas são acedidas através da compreensão empá- tica. Para Dilthey a compreensão (Verstehen) requere empatia (Einfuhlen) e a coexperienciação (Mitfühlen). Estes termos são importados deste autor para a fenomenologia de Jaspers (5).

Segundo Jaspers, os sintomas subjetivos não são acedidos através dos sen- tidos mas sim por uma “transferência para a psique do outro” (Sichhineinver-

setzen) e por “uma participação nas suas experiências” (Mitfühlen), mas sem

O autor utiliza várias metáforas para descrever a empatia, que no fundo significa que através da empatia o fenomenologista consegue coexperien- ciar, com recurso à sua imaginação e à transposição para a mente do outro, as experiências atuais dos pacientes.

A compreensão e intuição

Em alemão o termo “anschauen” pode ser traduzido de várias formas, embora a mais correta seja traduzi-lo “intuição”. O significado atual de in- tuição corresponde à capacidade para entender, para identificar ou para pressupor coisas que não dependem de um conhecimento empírico ou de conceitos racionais. No entanto, este significado está longe daquele utiliza- do por Husserl ou Jaspers nas suas obras (6).

Husserl utiliza nos seus trabalhos o termo “intuição” no sentido de ex- perienciar diretamente algo. Ele defendia que através do seu método feno- menológico se podia aceder diretamente aos processos mentais de outros (observando-os diretamente). (7) Para ele, quando o objeto se apresenta (através da perceção) utiliza-se a intuição que o torna presente “em pessoa”. E assim, intuição, evidência e verdade coincidem.

Por outro lado, Jaspers, embora utilize também o termo intuição na sua obra como essencial para a fenomenologia, utiliza-o significando o acesso a um processo mental com todos os seus detalhes, não sendo para isso neces- sário que ele seja experienciado diretamente. Jaspers utiliza este termo mui- tas vezes conjugado com outro: Vergegenwärtigen. Este significa receber na nossa mente algo como se tivesse sido vivido diretamente por nós (embora não o seja). Provavelmente, para que o fenomenologista aceda às experiên- cias do doente, sem as experienciar diretamente, utilizará recursos como a imaginação.

Deste modo, podemos compreender o sentido do que Jaspers afirma quando refere: “A fenomenologia tem a tarefa de fazer que os estados mentais do paciente se tornem presentes intuitivamente (anschaulisch zu

vergenwärtigen) em nós” (6). Ele acrescenta que “como nunca conseguimos

perceber directamente a vida mental de outra pessoa temos de tentar torná- -la presente” (6, 8).

Assim, juntando as noções de compreensão e empatia de Dilthey, e de intuição de Husserl, Jaspers chega a uma metodologia sua, que exige haver por parte do fenomenologista, uma transposição para a mente do doen- te, coexperienciando as suas experiências (de forma o mais rigorosa pos- sível, gráfica e detalhadamente), com recurso à imaginação, e desta forma

tornando-as intuitivamente presentes. Estas experiências podem então ser descritas e organizadas como conceitos psicopatológicos.

Muitas vezes a compreensão traz aspetos que não estão acessíveis à cons- ciência (que passam despercebidas à consciência), mas que Jaspers resiste em chamar inconsciente (querendo manter-se distante da psicanálise), refe- rindo que não é claro onde começam os limites da consciência (3).

Também é muito crítico à psicanálise quando afirma que “a teoria de Freud é de compreensão e não de explicação causal, ao contrário do que ele advoga, havendo aqui uma confusão entre as conexões compreensivas e cau- sais”, e por ser compreensiva tem limites e não pode encontrar explicações causais para toda a vida psíquica, como pretende. Por outro lado, Freud par- te de conexões compreensivas para elaborar teorias gerais e universais, coisa que para Jaspers é impensável, uma vez que a compreensão se foca apenas em fenómenos psíquicos individuais. É também muito crítico em relação às conexões compreensivas de Freud que diz serem pouco convincentes e simplistas, reduzindo toda a vida psíquica a alguns fatores relacionados com a sexualidade (3).

Psicopatologia descritiva e Psicopatologia com o estabelecimento de relações em Jaspers

MANIF.

No documento Fenomenologia e psicanálise (páginas 118-121)