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2 A LEITURA COMO EXPERIÊNCIA E COMO PRÁTICA

2.4 Compreensão leitora

Imanente à concepção de leitura como construção de sentidos, como experiência, está o princípio de que ler envolve a compreensão, pois do contrário a leitura não se completa. Não existe encontro, quando não há compreensão. A ausência da compreensão indicia que um dos interlocutores não conseguiu alcançar a palavra do outro, preencher os espaços vazios presentes no texto. Larrosa (2004, p.178), ao tratar da compreensão, refere-se ao “sujeito da compreensão”, aquele que capta o sentido presente nas palavras. Sobre esse ponto, é relevante ressaltar que “o corpo das palavras não se limita a con-ter um significado, mas mostra esse significado: assim a materialidade que dá corpo ao sentido está constitutivamente enlaçada à literalidade do texto” (LARROSA, 2004, p. 180).

Assim, entendemos a compreensão como parte constitutiva da leitura. Apresentá-la aqui como tópico específico justifica-se pelo fato de que, ao tematizarmos a leitura, colocando-a, neste trabalho de pesquisa, como um objeto de ensino-aprendizagem, partimos do princípio de que é necessário criar estratégias para que os alunos consigam encontra-se com o texto, no sentido que vimos dando a essa expressão ao longo desta abordagem. Como adverte Geraldi (2013, p.25), “ninguém aprende a ler sem debruçar-se sobre textos”. Nessa perspectiva, o trabalho voltado para o ensino de estratégias de leitura, proposto por Solé (1998), nos ajuda a favorecer a captação do sentido das palavras e o debruçar-se sobre os textos, uma vez que o uso de estratégias de leitura possibilita ao leitor aproximar-se da literalidade do texto.

Solé (1998) discute sobre a relação ler, compreender e aprender. Para a autora, quando alguém compreende um texto não quer dizer que extraiu ou deduziu seu significado, mas o construiu. A autora afirma que, nessa construção, intervém o texto, que se espera ter uma estrutura lógica, uma coerência no conteúdo e uma organização capaz de possibilitar essa construção. No entanto, ela deixa claro que essas condições não são suficientes para conseguir esse propósito.

Segundo a autora, alguém pode compreender um texto por que realiza um importante esforço cognitivo durante a leitura e é esse esforço que se permite que se fale em leitor ativo, “que processa e atribui significado àquilo que está escrito em uma página” (SOLÉ, 1998, p. 40). Ela explica que “realizamos essa atribuição a partir dos nossos conhecimentos prévios, a

partir daquilo que já sabemos, do que já fazia parte da nossa bagagem experiencial” (SOLÉ, 1998, p. 40). Em outras palavras, compreendemos um texto porque temos algum conhecimento sobre o assunto desse texto, as nossas palavras o alcançam.

Solé (1998) não espera que todos tenham a mesma compreensão, pois, para ela, a compreensão de cada um depende do texto lido, assim também como depende de outros aspectos referentes ao leitor. A autora ressalta três aspectos importantes: o conhecimento prévio para abordar a leitura, os objetivos e a motivação com respeito a essa leitura.

O conhecimento prévio diz respeito à representação da realidade que temos, aos elementos constitutivos da nossa cultura: valores conceituais, ideologia, sistema de comunicação, procedimentos etc. Os objetivos são as intenções que temos quando vamos ler um texto.

nossa atividade de leitura está dirigida pelos objetivos que pretendemos mediante ela; não é a mesma coisa ler para ver se interessa continuar lendo e ler quando procuramos uma informação determinada, ou quando precisamos formar uma ideia global do conteúdo para transmiti-la a outra pessoa (SOLÉ, 1998, p. 41).

De acordo com a autora, os objetivos que o leitor quer alcançar com a leitura é importante, porque determina tanto as estratégias responsáveis pela compreensão, quanto o controle que exercemos sobre ela, a medida que lemos. Além disso, para ela, o fato de saber o porquê lemos determinado texto, que objetivos pretendemos alcançar, permite a atribuição de sentido ao que estamos lendo. Ao tratar do ensino de estratégias, a estudiosa acrescenta que é necessário que os alunos aprendam a ler com diferentes intenções para alcançar objetivos diversos. Ela conclui: “Dessa forma, além de aprenderem a ativar um grande número de estratégias, aprendem que a leitura pode ser útil para muitas coisas” (SOLÉ, 1998, p.42).

A autora acredita que para uma pessoa se envolver em uma atividade de leitura é necessário que sinta que é capaz de ler, de compreender o texto que tem em mãos, caso contrário pode provocar o desânimo, o abandono e a desmotivação. Isso, em relação aos leitores iniciantes. Os experientes sabem os motivos pelos quais não conseguem compreender um texto que pode ser devido ao texto possuir uma estrutura complexa ou densa, porque o leitor não tem o conhecimento prévio necessário ou porque o nível de conteúdo do texto não se ajusta as possibilidades do leitor.

No entanto, gostaria de chamar a atenção para o que acontece como os leitores principiantes, crianças e adultos que estão começando a ler e que por alguma razão não conseguem ler no mesmo nível que seus colegas ou no nível

esperado pelo professor. Nestes casos, nos quais vai se gerando uma expectativa de fracasso, é muito difícil o leitor poder assumir o desafio que a leitura significa, se não se intervém de forma tal que aquela expectativa se transforme em um sentido positivo (SOLÉ, 1998, p. 42-43).

Em relação à motivação, a autora afirma que para uma atividade de leitura ser motivadora é necessário que o conteúdo tenha relação com os interesses da pessoa que vai ler, ou seja, o texto deve ser interessante para o leitor, ter algo que desperte a vontade de ler. Solé também explica que o interesse se cria, se suscita e que em vários momentos depende do entusiasmo e da apresentação que o professor faz de uma determinada leitura. Além disso, para ela:

A leitura ‘de verdade’, aquela que realizam os leitores experientes e que nos motiva, é a leitura na qual nós mesmos mandamos; relendo, parando para saboreá-la ou para refletir sobre ela, pulando parágrafos... uma leitura íntima, e por isso individual (SOLÉ, 1998, p. 43).

Outro ponto importante discutido pela autora é a importância dos materiais oferecidos como suporte para a leitura. Eles devem ser atraentes. Os textos oferecidos aos alunos devem ser textos desconhecidos, além disso, é necessário que o professor observe se os alunos possuem conhecimentos necessários para abordá-los, quer dizer que o conteúdo não seja tão distante de suas expectativas e conhecimentos a ponto de impossibilitar a compreensão.

Como vimos, o conhecimento prévio, o objetivo e a motivação permitem a compreensão leitora, pois é, a partir desses aspectos, que o leitor constrói o significado do texto.

Marcuschi (2008, p. 228), que também debruçou-se sobre o tema da compreensão em leitura, adverte que trabalhar a compreensão textual é muito complicado, pois há várias posições teóricas sobre esse tema. O autor defende a ideia de que ler não é um ato simples de identificação de sentidos e que também não pode ser considerado um ato individual. Nessa perspectiva, “compreender o outro é uma aventura, e nesse terreno não há garantias absolutas ou completas”.

O autor explica que “compreender bem um texto não é uma atividade natural nem uma herança genética; nem uma atividade individual isolada do meio da sociedade em que se vive. Compreender exige habilidade, interação e trabalho” (MARCUSHI, 2008, p.229-230). Para ele, compreender não é um processo apenas linguístico ou cognitivo, é sim uma forma de inserir-se e atuar no mundo, na interação com o outro dentro de uma cultura.

Segundo o autor, sempre que alguém produz um enunciado deseja que seja entendido, porém não é possível ter um controle total sobre a compreensão que esse enunciado possa vir a ter, embora exista condicionantes linguísticos que impedem o leitor de atribuir qualquer sentido.

Além disso, a compreensão é consequência de um trabalho e não uma simples extração de informações objetivas.

Pelo que foi exposto, é possível perceber que a compreensão leitora necessita de interação, de trabalho, de conhecimento do contexto em que o texto está inserido, da função que ele tem, dos objetivos do autor e do leitor, enfim uma série de fatores que contribuem para a compreensão leitora. É preciso que o leitor alcance o texto. Fazer isso na EJA, significa iniciar o trabalho com textos que falem sobre temas próximos da realidade do aluno, ou seja, textos significativos, para que eles possam, a partir dos conhecimentos prévios, inferir, levantar hipóteses.