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Quando interrogamos os adolescentes entrevistados nos questionários (em resposta aberta) sobre quais eram as últimas três notícias que eles se lembravam, 91,2% dos estudantes do Rosário citaram a quantidade solicitada, 3,5% citaram duas, 3,5% uma e 1,8% nenhuma. No Parobé, a quantidade de pessoas que escreveu três notícias caiu para 80,7%, duas aumentou para 10,5% e nenhuma pessoa se lembrou de somente uma. A porcentagem, no entanto, de entrevistados que não respondeu nenhuma cresceu é de 8,8%. Porém o fato da maioria desses alunos ter mencionado alguma “notícia” não significa que eles tenham compreendido o acontecimento ou que ela seja recente, como iremos ver mais adiante.

A notícia mais mencionada pelos alunos dos dois colégios foi o derramamento de óleo nas praias brasileiras, com 15,4% das menções no Rosário e 12% no Parobé. A segunda mais citada, contudo, não foi a mesma nos dois colégios. No Rosário, o segundo acontecimento mais relatado pelos estudantes na manhã do dia

oito de novembro foi a possível soltura do Lula, com 13,6%, fato esse que acabou acontecendo durante o período da tarde. Isso ocorreu porque, no dia anterior, o Supremo Tribunal Federal havia proibido a prisão em segunda instância.

Figura 4: Notícias mais citadas pelos alunos do Rosário.

Fonte: Laura Berrutti (2019)

Já no colégio Parobé, cujas entrevistas foram aplicadas uma semana antes, o acontecimento que ocupou esta posição foi “as novas informações sobre o caso Marielle, que cita Bolsonaro”, com 6%. Eles estavam se referindo ao depoimento polêmico que o porteiro do condomínio do Bolsonaro deu à polícia. À investigação, ele afirmou que o atual presidente, na época deputado federal, havia autorizado um dos acusados de ter matado a vereadora carioca Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes a entrar no condomínio que o político e um suspeito moravam, momentos antes do crime no dia 14 de março de 2018. Com os dados adquiridos neste trabalho, fica difícil analisar o real conhecimento desses estudantes sobre este acontecimento; mas nenhum deles conseguiu explicar resumidamente o protagonismo da declaração do porteiro nesta notícia, somente que havia atualizações do caso e que elas estavam relacionadas ao atual presidente. Patterson (2007) já havia identificado que as gerações mais novas tinham dificuldade em identificar o elemento factual das notícias, principalmente nas hard news.

Figura 5: Notícias mais citadas pelos alunos do Parobé.

Fonte: Laura Berrutti (2019)

Por mais que as duas primeiras notícias mais lembradas pelos adolescentes entrevistados tenham sido sobre eventos políticos, ao longo dos questionários foram escritos outros tipos de acontecimentos, os quais iremos analisar agora. Para isso, selecionamos as diferentes 65 “notícias” mencionadas pelos estudantes do Rosário e as 95 citadas pelos do Parobé e dividimos em cinco grupos. Denominamos esses grupos da seguinte forma: os acontecimentos “factuais”, os “factuais segmentados”, os “antigos”, os “maus compreendidos” e os “vagos”.

Nos “factuais”, separamos os acontecimentos políticos, econômicos e policiais que apresentavam o mínimo de informação para que o acontecimento fosse identificado. Nos “factuais segmentados”, selecionamos as “notícias” temáticas e dividimos em outros seis subgrupos: ENEM, famosos, mídia e cultura, esporte e games, previsão do tempo, fenômeno das redes sociais e proximidade do adolescente. Esta última se refere aos acontecimentos que ocorreram próximos aos alunos e que, muitas vezes, nem veiculadas foram. Na categoria “antigos”, estão as publicações que eles citaram de mais de dois meses atrás que o questionário foi aplicado. Os “maus compreendidos” são aqueles acontecimentos que os entrevistados não entenderam e os “vagos” foram as “notícias” muito amplas, que faltaram identificar o acontecimento.

No colégio Rosário, foram citadas 30,8% de publicações “factuais”, 32,3% “factuais segmentadas”, 3,1% “antigas”, 4,6% “más compreendidas”, e 29,2% “vagas”. Dos assuntos “factuais”, além do “vazamento de óleo nas praias

brasileiras” e da “possível soltura do ex-presidente Lula”, destacamos a notícia de que o “Supremo Tribunal Federal proibiu a prisão em 2ª Instância”, os “protestos no Chile” e a “ameaça do Eduardo Bolsonaro de ocorrer um novo AI 5”, na ordem das mais citadas.

Figura 6: Tipos de “notícias” que mais apareceram nos questionários do Rosário

Fonte: Laura Berrutti (2019)

Nas “factuais segmentadas”, dentre as 21 “notícias” dessa categoria, 55% são de esporte, 35% sobre famosos, mídia e cultura e 10% sobre o ENEM. Respectivamente, exemplificamos os seguintes acontecimentos: “Tiago Nunes anunciado no Corinthians”, “Nascimento da filha da Tatá Werneck” e as “mudanças na forma de aplicação” da prova. As duas publicações consideradas “antigas” são o “extermínio de abelhas por agrotóxico”, que foi veiculada entre outubro do ano passado e em março deste ano, e a “criação de sapatilhas de ballet para quem tem pele negra”, sendo esta notícia de 2017. Acreditamos que essa notícia tenha sido citada porque no dia 4 de novembro a Huffpost publicou uma reportagem de uma bailarina brasileira negra que dança em Nova York e que ganhou esses sapatos recentemente.

A nossa pesquisa identificou duas manchetes má compreendidas. A primeira foi sobre o “envolvimento do Bolsonaro no caso Marielle”. A notícia que a Rede Globo veiculou e que acabou sendo compartilhada em outros veículos era de que o porteiro disse que Bolsonaro teria autorizado a entrada de um dos suspeitos do assassinato de Marielle no condomínio. A investigação ainda estava em andamento

e não havia nenhuma decisão judicial, nem provas concretas. A segunda foi sobre a “prisão da Dilma”. O fato divulgado pela mídia foi de que, no dia 5 de novembro, o ministro do STF Edson Fachin negou um pedido da Polícia Federal para prender Dilma Rousseff em uma operação deflagrada para coletar provas de corrupção e lavagem. A investigação indicou que senadores do MDB teriam recebido da JBS mais de R$ 40 milhões para apoiar a sua reeleição em 2014. A terceira informação que avaliamos estar errada foi a de que havia a “suspeita de navio venezuelano” derramando petróleo no Brasil, mas na verdade no dia da aplicação do questionário já havia a informação de que a suspeita era de que um navio grego com petróleo venezuelano que estaria envolvido no fato.

Por fim, exemplificamos as 19 “notícias” que consideramos vagas, ou seja, que só citavam um assunto. Exemplos delas são “julgamento ex presidente Lula”, “situação do governo dos EUA”, “variação do dólar”, “Brexit”, “Produtos ilegais camelódromo”.

Na escola Parobé, foram lembradas 21,1% de publicações “factuais”, 34,7% “factuais segmentadas”, 10,5% “antigas”, 6,3% “más compreendidas” e 27,4% “vagas”. Na categoria “factual”, além do “vazamento de óleo no mar do nordeste” e das “novas informações sobre o caso Marielle, que citam Bolsonaro”, destacamos notícias como as queimadas na Amazônia, os protestos no Chile e a viagem do Bolsonaro à Arábia Saudita, por ordem das mais citadas. Nessa categoria, incluímos também a informação de que “2019 foi o primeiro ano desde 2006 que não cai ditadura militar no Brasil no ENEM”, por mais que a informação correta é que isso não acontecia desde 2009, porém julgamos que este equívoco não modificou o contexto da notícia.

Nas “factuais segmentadas”, dentre as 21 “notícias” dessa categoria, 6,1% são de esporte e games, 42,4% são sobre famosos, mídia e cultura, 30,3% falam sobre o ENEM, 6,1% sobre previsão do tempo e 3% sobre fenômeno das redes sociais. Respectivamente, exemplificamos os seguintes acontecimentos: “Mudança de técnico no Corinthians”, “Briga da Anitta com a Ludmilla”, “Análise das médias dos candidatos do ENEM”, “Temporal em Porto Alegre” e “Vídeo ‘caneta azul, azul caneta’”.

Fonte: Laura Berrutti (2019)

Identificamos seis notícias má compreendidas pelos alunos do Parobé, oito a mais que no Rosário. As primeiras que destacamos são: “ligação de Bolsonaro com o suspeito da morte de Marielle” e “envolvimento do Bolsonaro na morte de Marielle”. Como vimos anteriormente, não é possível fazer essas afirmações antes da polícia apurar os fatos. Ainda sobre episódio, um dos alunos teve uma compreensão totalmente errônea do caso e disse que houve “um assassinato no condomínio do Bolsonaro”. Assim como outro estudante, que disse que o chefe de Estado brasileiro “estava envolvido em um assassinato”, sem saber de qual caso pertencia a investigação.

Ainda sobre o atual presidente, outra “notícia” que citaram foi que “Bolsonaro consultou o ENEM antes, para autorizar”: o que foi divulgado na mídia sobre esse assunto foi que, em novembro do ano passado, o atual presidente disse, depois de não concordar com uma questão do ENEM, que iria “tomar conhecimento” da prova antes dela ser aplicada. Em julho, o ministro da educação, Abraham Weintraub, afirmou que Bolsonaro não leu e nem iria ler a prova.

Ainda sobre os questionários do Parobé, detectamos 10 notícias “antigas”. Os alunos citaram o “aperto de mãos entre presidentes das Coreias do Sul e do Norte”, que ocorreu em abril de 2018, a Tragédia de Mariana, que foi em novembro de 2015 e a “foto do buraco negro que pode ter implicações na Teoria da relatividade”, que foi tirada em abril deste ano. Além disso, foi citado o “desaparecimento do Mota”, ocorrido em abril de 2015, a “morte de Marielle” - que podemos considerar um assassinato - que aconteceu em março de 2019 e a “menina que perdeu o cabelo

andando de Kart”, ocorrido em 11 de agosto. Por fim, a última notícia que identificamos como “antiga” foi a “influência militar nas escolas públicas”: essa notícia se refere ao decreto publicado em janeiro, publicado no Diário Oficial, que determina o fomento à criação de escolas cívico-militares.

Por fim, encontramos 21 “notícias” que consideramos vagas. Exemplos delas são “Presidente se posiciona sobre o derramamento de óleo nas praias do Brasil”, “Sobre cosplay de anime” e “Reportagens sobre abuso sexual”.

A partir desses resultados, percebemos que esses adolescentes têm ciência do que está acontecendo politicamente pelo país, mas grande parte dos acontecimentos não são aprofundados. Além disso, eles buscam saber o que está acontecendo próximo ao dia a dia deles, como podemos observar pelas notícias do ENEM, previsão do tempo e notícias da escola. As notícias “softs”, como esporte, games, cinema e famosos também são bastante consumidas.

O grande percentual de notícias “vagas”, “antigas” e “mal compreendidas” também nos faz perceber que a assimilação dos adolescentes dos acontecimentos pode ser limitada. Porém seria necessário um estudo mais aprofundado para identificar exatamente que tipo de informações são assimiladas. De acordo com Van Dijk (2005), para uma notícia ser compreendida, é necessário que o consumidor possua um conhecimento prévio, seja ele linguístico, de gênero, de aprendizagem, ou social do assunto. Os jornalistas muitas vezes constroem as notícias partindo de informações que o público ainda não possui; ou seja, as notícias podem ser incompletas porque os profissionais da imprensa às vezes presumem que os leitores já possuem essas informações (VAN DIJK, 2005). Ainda segundo o autor, a leitura das notícias ajuda na construção de “modelos mentais” dos acontecimentos. Ou seja, quanto mais se consume notícias, mais fácil será compreendê-las.

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