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0 compromissos e as direções que as pessoas escolheram para recuperarem suas

vidas da influência do problema.

White trabalha com o que ele chama de “desconstrução”, termo que, distante do sentido derridariano e mais aproximado do burkiniano (White, 1994, p. 29), é empregado para conotar “procedimentos que subvertem realidades e práticas que são tidas como certas” – as chamadas verdades – apartadas do contexto de sua produção. A desconstrução das histórias/narrativas dominantes – dadas como verdades e mantidas vivas pelas pessoas – é proposta por White (1994), como forma de objetivação dos problemas, compreendida a partir da externalização do problema.

Introduzida no campo da Terapia Familiar no início da década de 80, a externalização foi, a princípio, desenvolvida no trabalho com crianças, estando assim, associada com o bom humor, tanto quanto com uma prática cuidadosa e séria. Conforme exposto por Carey e Russel (2007, p.11), uma forma sintetizada de compreender objetivamente a prática de externalização está no pressuposto de que “a pessoa não é o problema, o problema é o problema”, o que permite a percepção de que a pessoa, a família ou o casal e o problema não são a mesma coisa. Ao se objetivar o problema, este passa a ser entendido não mais como uma construção de caráter intrapessoal, mas como produto da cultura e da história ou, dito de outra forma, como tendo sido socialmente construído e criado no tempo, condição que abre possibilidades para ações não disponibilizadas “quando os problemas são colocados dentro do indivíduo” (p. 13). Assim, a Terapia Narrativa, consonante com o pensamento pós-moderno, abandona o dogma que “sustenta a objetivação das pessoas, construção segundo a qual, os indivíduos estão no centro e são a origem de tudo” (Dickerson & Zimmerman, 1998, p. 259) e, questionando essa visão tradicional de indivíduo social, cujo caráter é autocontido e aistórico, entendido como essencialista (Guanaes, 2006; Rasera, 2007), “no lugar de um self4 interno, estável e

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único, propõe compreendê-lo como um processo em aberto, construído dentro dos espaços relacionais” como sugerem Grandesso (2000, p. 220) e Carey e Russel (2007).

As conversas de externalização (White, 1994; White & Episton, 1990) propiciam a personificação do problema e, assim, o descentraliza, criando um espaço entre as pessoas, o casal ou o grupo familiar e aquilo que os perturba. A partir disso, o centro das conversações volta-se para o conhecimento da vida da pessoa e a experiência de viver, dimensões essas relevantes para a solução do problema, uma vez que o problema e o significado atribuído a ele é uma narrativa desenvolvida por alguém, é realidade criada socialmente ou, em outras palavras, é um produto de descrições, um produto de construção social sustentada por ações reciprocamente coordenadas na linguagem.

Com efeito, as características atribuídas aos problemas ou aos padrões patológicos não são propriamente do problema ou do sistema no qual está inserido, mas características conferidas a eles que se tornam autoconfirmatórias mediante suas definições, descrições e explicações. Existentes portanto apenas nas conceituações de seu observador (aquele que os enfrentam ou os diagnosticam), estão em constante transformação, pois que são peculiarmente definidas pelos componentes do sistema envolvidos uns com os outros ao redor do problema. Neste sentido, Anderson (2009), chama a atenção para uma constante revisão sobre qualquer ação e sua descrição.

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O casal, sob o ponto de vista pós-moderno, poderia ser descrito como uma estrutura microssocial que, co-habitada por duas pessoas compartilhantes de suas

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histórias e suas culturas próprias, é constituída mediante ação conjunta (Shotter, 2010), a partir da qual negociam sentidos de si e da relação.

Em Bakhtin (2010, p. xv), temos que “(...) toda linguagem humana ‘está impregnada de relações dialógicas’”, sendo por meio delas que as pessoas mantêm descrições de si, as quais dão acesso a determinadas interações conversacionais e restringem outras e, mais que isso, geram consequências imediatas para o fluxo conversacional (Guanaes, 2008). Ou, de outra forma, por meio da linguagem, criam e sustentam, entre si mesmas, determinados modos de interação conversacional, a partir dos quais, constroem sentidos sobre seu meio relacional.

Porém, na ação comunicacional não está implícita a garantia de entendimento daquilo que se intenciona comunicar, ou seja, não tem em si uma intencionalidade, dado que, as palavras não trazem um sentido inerente, não têm significado em si mesmas. O sentido é criado nos momentos interativos com o outro, como um produto do diálogo entre interlocutores. Nesta perspectiva, o discurso não pode ser investigado a partir da palavra isolada, mas sim das enunciações – unidades mínimas de significação – construídas na relação dialógica, onde adquirem sentido. Momento este realizado na ação conjunta de uso corporificado da linguagem (Guanaes, 2009; Guanaes, 2006; Guanaes & Japur, 2008).

Entende-se, portanto, que nesse momento interacional, outras linguagens são possíveis de se presentificarem como mobilizadoras de novas narrativas. Sendo a comunicação humana constituída dos enunciados verbais tanto quanto dos não- verbais, a natureza gestual, facial e tonal desta, prenunciam aquela. Shotter (2008) descreve essa natureza não verbalizada como manifestação pré-linguística e espontânea das relações responsivas, e cujo movimento antecipatório é corporificado na linguagem verbal. No contexto da terapia de casal, tais linguagens, concebidas como ações criativas, podem ser articuladas como recursos significativos sustentadores da prática terapêutica.

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Para Epston, Freeman e Lobovits (2001, p. 209), “o mapa da descrição verbal não representa totalmente o território da experiência vivida, incluindo a riqueza dos processos simbólicos visuais, os sentimentos, as emoções e as sensações”. Estes autores propõem as terapias das artes expressivas como alternativa capaz de incorporar espontaneamente os sentidos visual, auditivo e cinestésico, bem como as emoções. Ainda, conforme os mesmos autores, atender às indicações não-verbais e facilitar sua manifestação mediante a produção criativa5, estimuladora dos diferentes

sentidos, possibilita a percepção de novas dimensões da experiência, as quais são esteticamente gratificantes tanto quanto efetivas nas conversações.

Logo, os enunciados não-verbais devem ser incorporados à ‘escuta’ atenta do terapeuta, não como objetos interpretativos sobre os seus significados ‘reais’ subjacentes, mas como recursos linguísticos disponíveis e comprometidos com a ampliação do entendimento da narrativa do casal. Para usar os termos de Andersen (1995), o terapeuta não deve apenas ouvir e discutir todas as histórias narradas, mas, para além disso, ele precisa ‘ver’ a forma como estas são narradas, pois que “ouvir é também ver” (p. 23), afirma.

Buscando aproximações, propõe-se que as práticas narrativas dedicam-se a ‘ouvir as histórias saturadas/dominantes e buscam ‘ver’ as histórias alternativas/preferidas. Sob essa perspectiva, observa-se que tais práticas não são um modelo fixo de atuação terapêutica, podendo ser convertidas em estratégias concebidas como não-verbais, facilitadoras da efetivação desse processo. A integração dessas estratégias pode ser realizada por meio de recursos criativos, tais como o desenho, conforme esclarecem Epston, Freeman e Lobovits (2001, p. 213) a respeito do caráter multimodal ou intermodal das terapias expressivas, que convidam o cliente “a mover-se com flexibilidade entre os diversos meios, seguindo seus

5 Expressão adotada por este autor para referir-se ao resultado e/ou confecção do desenho, bem como para denominar genericamente as várias possibilidades dos recursos artísticos utilizados em contexto terapêutico, dentre os quais se inclui o desenho, que também poderá ser associado a 'linguagem gráfico-criativa'.

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instintos e interesses criativos”, modelo este, que pode ser “livremente aplicado no contexto da terapia narrativa”.

Conforme sugere Rober (2002, 2004), é possível trabalhar com a comunicação não-verbal na Terapia Familiar de forma a contribuir ricamente na construção de novos e úteis significados. Neste caso, as manifestações não-verbais devem constituir-se em convites dialógicos, mediante os quais, potenciais podem ser ativados para o processo de entendimento criativo, configurando-se em um empenho conjunto da família/casal e terapeuta na construção de sentidos.

Rober (2002), comumente, trabalha com as expressões não-verbais dos clientes, observadas como sendo hesitações em prosseguir com a conversa, usando- as “como um ponto de partida para um diálogo respeitoso com a família sobre as boas razões que possam ter para não falar” (p.187). A hesitação é entendida como “um compromisso entre dois movimentos: o movimento em direção à fala e o movimento que retém as palavras” (p. 189), portanto uma expressão não-verbal é o ‘compromisso’, que pode não apenas abrir espaço para histórias consideradas como- ainda não ditas, mas para ajudar o terapeuta a estabelecer uma relação terapêutica colaborativa com a familia/casal.

Em seus escritos, o autor citado, discute a questão de que na prática terapêutica da familia a importância da comunicação não-verbal parece obscurecida, a partir de um paradigma narrativo, cuja atenção tende a orientar-se para o comportamento verbal, referido como a “história que os clientes narram” (p.191), e a subestimar o comportamento não-verbal, referente à “história que os clientes mostram” (p. 191), o que, conforme explica, evidencia-se pela ausência do assunto na literatura das terapias colaborativas.

Consonante a essas colocações, Andersen (1995) sugere que à medida que o terapeuta abre-se à percepção de como as histórias são narradas por ocasião das conversas terapêuticas, ele se compromete com a tarefa atenta e respeitosa acerca

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