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3 O REGRAMENTO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA: FORMAS JURÍDICAS DE

3.1 Comprovação da Propriedade: as normas de registros públicos

Como visto, a propriedade da terra foi privatizada no Brasil por meio da Lei de Terras, de 1850. Em 1916, o Código Civil regulou o registro e a transmissão da propriedade imobiliária por meio do mecanismo da transcrição:

Art. 530. Adquire-se a propriedade imóvel:

I - Pela transcrição do título de transferência no registro do imóvel. II - Pela acessão.

III - Pelo usucapião.

IV - Pelo direito hereditário. (BRASIL, 1916).

A legislação brasileira de registros públicos, neste período, permitia a transcrição de transmissões sem comprovação de aprovação da subdivisão pelos entes municipais (LEONELLI, 2010).

A transcrição, regulamentada pelo Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939 (BRASIL, 1939), constituía uma espécie de registro público que não individualizava os imóveis. A transcrição atinha-se mais à descrição dos proprietários, de maneira que, com a alteração do titular da propriedade, a transcrição era finalizada, com a abertura de uma nova.

Os parcelamentos de solo (urbanos ou rurais) eram transcritos como venda de uma parte menor dentro de uma parte maior, sem maiores preocupações com a caracterização e especificação dos imóveis resultantes destes processos de divisão:

O método de transcrições gerava inúmeras dificuldades, principalmente em termos de apresentação da situação imobiliária, na medida em que os registros acusavam um novo ato a cada nova transferência, a cada nova alienação, a cada novo negócio. O levantamento filiatório sempre se mostrava confuso, complexo e, portanto, inseguro. As dificuldades se avolumavam em razão das correções necessárias ou anotações que eram feitas por averbações à margem das transcrições. (SALLES, 2012, p. 18).

Em 1973, foi publicada uma nova Lei dos Registros Públicos, Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (BRASIL, 1973b), que instituiu o sistema de matrículas dos imóveis. Neste sistema, cada imóvel é individualizado e registrado em uma matrícula própria, na qual são assentadas as alterações jurídicas que vierem a ocorrer em relação a ele. A legislação entrou em vigor em 1976 e alterou profundamente os registros públicos de propriedade imobiliária. O artigo 227 previu os requisitos das matrículas:

Art. 227. São requisitos da matrícula: 1º o número de ordem;

2° a data;

3º a identificação do imóvel, feita mediante indicação de suas características e confrontações, localização e denominação, se rural ou logradouro e número, se urbano;

4º nome, domicílio, nacionalidade, profissão e estado civil do proprietário, bem como o seu número do Cadastro Individual do Contribuinte ou da cédula de Identidade ou, à falta deles, a sua filiação;

5º número do registro anterior. (BRASIL, 1973b).

Portanto, passou a ser fundamental, sempre que realizado um parcelamento do solo, a descrição individualizada (memorial descritivo) de cada imóvel resultante, a fim de instruir a abertura das novas matrículas. O novo sistema registral, mais adequado à realidade urbana, exigia medições precisas:

O confronto entre o chão público e o privado se tornou, dessa fase para cá, mais intenso e, conseqüentemente, mais crucial a definição de sua fronteira. Se os limites de um lote com seus vizinhos, laterais e de fundo, passaram a ser um problema mais delicado, gerando a necessidade de sua precisão em escrituras, de seu delineamento nas plantas de loteamentos e cadastrais e de medições e demarcações no local, de outra parte, a testada do lote, em que o vizinho é o patrimônio público, através do solo de domínio e uso comum do povo, impôs também a exatidão. (MARX, 1991, p. 113).

O Código Civil vigente, Lei nº 10.406/2002 (BRASIL, 2002), no tocante à transmissão da propriedade, manteve a necessidade de registro do título junto ao ofício de registro de imóveis:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

§ 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel. (BRASIL, 2002).

O título registrado, neste contexto, é instrumento de relevância, pois é o único documento hábil a comprovar a condição de proprietário. O sistema registral utilizado atualmente no Brasil visa a garantir segurança jurídica, certificando que cada imóvel terá uma única matrícula e, ordinariamente, um único dono. Por isso, para a expansão urbana, é relevante que seja possível a abertura de novas matrículas, ou seja, a individualização de novas propriedades, atendendo-se às exigências da Lei de Registros Públicos e das regulamentações dos tribunais de justiça de cada Unidade da Federação.

Desta forma, quando uma gleba é loteada, ou quando se edifica um condomínio sobre um imóvel, a matrícula original deste imóvel (denominada matrícula-mãe) é encerrada, sendo substituída pelas novas matrículas abertas a partir do empreendimento imobiliário. Assim, as atividades que têm o condão de criar novas propriedades para o mercado de imóveis são o loteamento, a instituição

de condomínio e o desmembramento.

Todas estas três atividades são realizadas mediante licenciamento do Município12. A licença – e o subsequente reconhecimento, pelo Município, de que as obras devidas foram concluídas, nos casos de condomínio e loteamento – é que, levada ao ofício de registro de imóveis, permite a abertura de novas matrículas e o encerramento da matrícula-mãe.

A atividade de licenciamento, contudo, é um exemplo típico de ato administrativo vinculado. Neste tipo de ato, o agente público tem pouca discricionariedade:

[...] esse regramento pode atingir os vários aspectos de uma atividade determinada; neste caso se diz que o poder da Administração é vinculado, porque a lei não deixou opções; ela estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração deve agir de tal ou qual forma. (DI PIETRO, 2013).

O licenciamento é um ato administrativo do poder público municipal que reconhece que determinada situação fática está de acordo com as normas aplicáveis: “Licença é o ato administrativo unilateral e vinculado pelo qual a Administração faculta àquele que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade. [...] a licença é ato declaratório de direito preexistente.” (DI PIETRO, 2013).

Assim, a norma (no caso, a lei municipal) estabelece os requisitos que devem ser cumpridos para obtenção da licença e, uma vez que o particular satisfaça todos os requisitos, o agente público não pode negá-la. Veja-se, de outro lado, que ampliar a discricionariedade do agente público pode facilitar violações ao princípio da impessoalidade.

Portanto, a atividade de licenciamento urbanístico, por sua relevância na transformação do direito de propriedade, precisa ser um ato administrativo vinculado. Contudo, deve-se pensar em criar mais regras que visem à efetivação do princípio da função social da propriedade. A Lei Federal nº 6.766/1979, cujo histórico já foi apresentado no Capítulo 2, é um exemplo de como a atividade de

12

Em sentido contrário, Pinto (2005) entende que a aprovação de loteamento não se trata de licença, pois o loteamento não seria um direito do proprietário. Defende este autor que, no caso, se trata de uma autorização, ato constitutivo de direitos para o proprietário. Entretanto, é um entendimento minoritário que certamente não encontra guarda na jurisprudência.

licenciamento pode ser regulamentada tendo em mira o interesse público.