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CAPÍTULO III A COMPETÊNCIA COMUNICATIVA E A SÍNDROME DE

3.1 Comunicação

Na nossa língua materna, manifestamos ideias, sentimentos e desejos. Construímos sonhos e projetamos ideias, exprimimos dúvidas e alicerçamos saberes. Através da língua temos uma identidade cultural, com a qual nos afirmamos e identificamos. Com a nossa língua materna, comunicamos com os outros e identificamos o que nos rodeia. Para Chomsky (1965), as línguas são muito parecidas entre si, e são como são porque mobilizam uma capacidade inata que é a mesma para todos os indivíduos da espécie humana, e isso tem importantes reflexos para o processo da aquisição da língua. Mas é necessário além da língua materna, que o indivíduo tenha competência comunicativa ou seja a capacidade de usar a língua de forma adequada às situações de comunicação em que se encontra. Para além da competência linguística, o falante tem de dominar conhecimentos extralinguísticos e contextuais, adequados a diferentes situações comunicativas. Esta refere-se então à capacidade de quem fala ou escreve de selecionar as formas linguísticas adequadas ou apropriadas a cada situação: quando falar, sobre o que falar, com quem, onde e de que modo. Chomsky considerou competência o conhecimento da língua, das suas regras e estrutura, considerando o desempenho o uso real da língua em situações concretas, sem haver uma preocupação com a função social da mesma. Ou seja, considerou que não é suficiente o indivíduo saber usar a sintaxe e o léxico da língua para o considerar como competente.

É importante que saiba usar as regras do discurso. O indivíduo usa essa competência quando sabe quando deve falar, quando não o deve fazer, com quem, onde e como. Hymes (1979) concebeu esta noção de competência como a ideia de “capacidade para usar” e aglomerou os conceitos de desempenho e de competência que, até à altura, estavam separados na

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proposta de Chomsky. Mais tarde, Canale&Swain (1980) apresentam quatro componentes da competência comunicativa: a gramatical (pressupõe o domínio do código linguístico e a habilidade de reconhecer e usar esse código para expressar-se); a competência sociolinguística (implica a compreensão das regras sociais que determinam o uso da língua com adequação aos contextos sociais), a competência discursiva (realiza-se pela coesão entre palavras e orações de modo a formar um todo coerente) e a competência estratégica (composta por estratégias de confrontação e de compensação por imperfeições ou desconhecimento das regras). Posteriormente, Chomsky defende duas teorias a " pobreza do estímulo", onde afirma que as crianças encontram a

"língua certa" a partir de estímulos muito pequenos; e a da "hipótese do bioprograma" onde diz que essa aprendizagem se dá na primeira infância.

Juntas, essas duas teorias parecem explicar algumas coisas que todos sabemos por experiência: numa idade bastante precoce, as crianças já dominam com grande mestria a sua língua materna (talvez não todo o léxico da língua, talvez não algumas construções sintáticas de uso literário ou arcaizante), e as crianças aprendem qualquer língua estrangeira com uma facilidade que não será mais a mesma no adulto. Os aspetos mencionados sobre a língua e as suas respetivas competências, revestem-se de uma importância peculiar no que diz respeito à competência comunicativa da criança com Síndrome de Asperger. Muito embora a fonologia e a sintaxe sejam adquiridas dentro de padrões idênticos aos das outras crianças, as diferenças verificam-se em áreas específicas da pragmática, isto é, no uso da linguagem em contexto social, da semântica e da prosódia que vão revelar a necessidade da criança «aprender a arte de falar» (Attwood, 1998). E são estas competências, que estão em défice nas crianças com Síndrome Asperger, ou seja os conhecimentos extralinguísticos e contextuais. E são precisamente nestes conhecimentos, que podemos intervir enquanto professores, de modo a desenvolver a competência comunicativa da criança ou jovem com Síndrome de Asperger, utilizando entre outras coisas especificamente o desenho como determinante desta comunicação. Isto porque, normalmente as crianças com Síndrome de Asperger, costumam ter boas capacidades linguísticas, incluindo

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um bom vocabulário e o domínio de estruturas gramaticais complexas. No entanto, estas capacidades são superficiais e disfarçam as dificuldades de comunicação efetivas, como a utilização social da linguagem (pragmática) e a capacidade de transmitir e compreender o significado (semântica).

Neste caso, uma das razões que leva a criança ou jovem com SA a falar de um só tema sistematicamente é compreensível, “prende-se com o melhor domínio,

compreensão e fluência que sente ao abordá-lo, o que lhe dá mais segurança”

(Attwood, 1998:79). As suas dificuldades em apreciar os sentimentos dos outros e o entendimento de sinais sociais e o comportamento social e emocional inadequado, são os critérios mais consensuais que apontam para limitações na linguagem. Segundo Cummine et al (1998), a intervenção deve começar ao nível da comunicação da criança - e não a nível da linguagem. O objetivo da intervenção é criar um ambiente que ajude as crianças a desenvolverem a intenção comunicativa tanto verbal como não-verbal, a capacidade para iniciar e manter uma conversa e aperfeiçoar a compreensão do significado por parte da mesma. Curiosamente, Carol Gray (1994) a partir da criação, das Conversas em Banda Desenhada (forma de representação pictórica dos diferentes níveis de comunicação que ocorrem durante uma conversa) descobriu que:

«as crianças partem frequentemente do princípio de que a outra pessoa está a pensar exatamente o que elas estão a pensar ou que a outra pessoa está a pensar exatamente aquilo que elas disseram» (Attwood, 1988:81).

As conversas de banda desenhada de Carol Gray, constituem uma forma de representação gráfica que podem ajudar a promover a competência comunicativa da criança com Síndrome de Asperger. Curiosamente a B. a jovem deste estudo, desenha, pinta, e gosta que os seus desenhos sejam vistos pelos pares e não só. No sentido de aproveitar o seu talento natural para o desenho, esta pode ser uma estratégia para incentivar a sua competência comunicativa e social. Ao valorizar a B. como detentora de um modo próprio de se expressar, o desenho, assume-se como o seu meio de expressão peculiar. Os seus desenhos indicam a sua visão do mundo, correspondendo a um modo de expressão dos seus sentimentos, emoções e sensações. Então, partindo do princípio de que todas as crianças, de um modo geral, possuem um poder inato

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de criar, caberá à escola aproveitar esse poder e potenciá-lo, não esquecendo que a Arte, e nesta se incluiu o desenho podem e devem ser vistas como desempenhando

«um papel instrumental para a aprendizagem de outras disciplinas, quer para melhorar a compreensão dos respetivos conteúdos através da utilização de elementos visuais, da música, ou das artes performativas, quer para contribuir para uma melhor adaptação a diferentes estilos de aprendizagem.» (Matos, 2008:28)

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