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5.2 A Comunicação Pública nos Cras

5.2.1 Comunicação na Assistência Social: totalidades que desafiam um todo

Na perspectiva da dialética, a Comunicação Pública no Cras tem relação com a totalidade da política de governo e com o sistema de gestão descentralizado e participativo da Assistência Social, que estão inseridos, por sua vez, no contexto do capitalismo monopolista, cuja dinâmica no Brasil contém particularidades, considerando- se o processo histórico de formação social e política desse país. A compreensão dos técnicos sobre a dinâmica da comunicação na Assistência Social a partir do cotidiano do trabalho apontou para algumas contradições existentes mesmo em se tratando de uma estrutura de gestão que assegura internamente espaços de debates, deliberações e pactos.

Entre 2012 a meados de 2015, observou-se que as informações postadas sobre a política de Assistência Social, no site do MDS, eram direcionadas explicitamente para gestores e para conselheiros. À época da pesquisa exploratória, a assessora de comunicação do MDS, Adriana Moraes, informou que o site tinha muitos problemas técnicos, dificultando a postagem das informações. Mesmo assim, na análise dos técnicos, a comunicação interna sobre a política, a partir do Suas (2004), melhorou significativamente em função da utilização dos recursos tecnológicos e da produção e distribuição de materiais impressos e capacitações, possibilitando a circulação das deliberações dos fóruns de discussões, bem como a compreensão das normativas, entre outros, como pode-se verificar pelo depoimento abaixo:

Na comunicação a nível nacional, estadual e municipal eu vejo que melhorou bastante. A gente tem acesso a todas as movimentações, a documentação, até mesmo porque a gente precisa porque a política de Assistência Social vem nas conferências com as deliberações. A gente tem que estar sempre atualizada e tentando colocar em prática [...] a gente tem o costume de entrar todo dia no site pra ver essa documentação, e-mails também do governo federal, do estadual em qualquer situação que ocorra. Reuniões da CIT, do Conselho Nacional. A gente está sempre informada dessas situações que acontecem. (Técnica do Cras Menino Jesus. São Gabriel/RS)

De 2005 pra cá muita coisa melhorou aqui porque hoje a descentralização de alguns programas e a questão do Cras. Nós podemos trabalhar de uma forma muito mais independente, mas também em conjunto, né? [...] Essa é a comunicação do MDS com a gente. Eles mandam o material impresso que ajuda muito. Tivemos o Capacita-Suas do dia 1º ao dia 4 de julho deste ano e todos os assistentes sociais que participaram receberam uma bolsa com bastante material. Tudo atualizado. NobRH 2012, esses prontuários Suas e alguns livros explicando a história do Suas, o estatuto da pessoa idosa, recebemos um bom material para estarmos trabalhando. (Técnica do Cras Ribeirinho. Santarém/PA)

Embora na atualidade o site esteja totalmente revisado, estando mais didático e acessível, inclusive com um acesso direto para a imprensa, é pouco provável que ele contribua sem haver um direcionamento para a superação de uma questão destacada pelos técnicos e que diz respeito à comunicação com outras áreas das políticas sociais, como Saúde e Educação. Os técnicos afirmam que os trabalhadores especializados de outras áreas não apreendem um entendimento acerca das especificidades da Assistência Social. Acreditam que por algum motivo que atribuem à gestão, mesmo aparecendo como deliberação nas conferências, a exemplo de Belo Horizonte, a comunicação não entra na agenda, dificultando o cotidiano dos serviços intersetoriais, como afirma uma técnica no depoimento abaixo.

Acho que a comunicação não entrou ainda nem na pauta. Por mais que eu veja nas conferências os usuários clamando e as deliberações, de dois em dois anos, mas, eu nunca vi ela se materializar como uma agenda da secretaria. [...] Acho que é uma questão que tem sido deixada pra segundo plano. Nós comunicamos muito mais pra dentro, para os trabalhadores, para os gestores e pouco pra fora. Aí falo da comunicação institucional. Nós não temos uma comunicação institucional nos serviços. não tem uma diretriz da comunicação com o usuário. A comunicação da política de Assistência Social ela ainda é endógena, ela é pra dentro. O tanto que eu ouço da Educação e Saúde o que é acompanhamento familiar mesmo? Anos participando de GT’s e reunião e desenhando e eles continuam perguntando o que é esse acompanhamento familiar? [...] A política de Assistência Social sempre aparece repetitiva, né? Ou é pra resolver um problema da população de rua ou BH Cidadania. Ela está sempre com uma máscara, mas não é a política de assistência social a oferta de um direito a esse usuário. Acho que isso fragiliza também esse recorte dessa política, hoje em dia é difícil falar de Suas. A gente tem tido essa dificuldade. (Técnica da Gerência de Coordenação da Proteção Social Básica de Belo Horizonte/MG)

Essa falta de compreensão da Assistência Social por técnicos de outras áreas e da sociedade de um modo em geral se justifica, para alguns técnicos, em função da inexistência de uma política de comunicação que dê à política uma visibilidade maior. Acreditam que um dos motivos decorre da dimensão do Programa Bolsa Família, em que pese a absorção de muitos Cras na atividade do cadastramento e da adesão total ao acompanhamento dos beneficiários. Ou seja, em virtude da visibilidade desse programa, não se investe na publicidade da Assistência Social enquanto uma política de governo, como afirmaram vários técnicos em entrevistas, podendo ser verificado no depoimento abaixo de uma técnica em Tobias Barreto/SE.

A gente ficou meio que refém na política de assistência do Bolsa Família. Mesmo nessa função que a gente tenta fazer de trazer o cadastro pra dentro do Cras para que o serviço seja valorizado com um todo. A gente ainda não conseguiu passar este programa como um programa que está inserido dentro de uma politica. A gente ficou meio do Bolsa Família porque é um programa de expressão enorme. Mundial, porque quantas pessoas o Bolsa Família não atinge? Então eu acho que a política tem que encontrar um meio termo de não desvalorizar o programa que é extremamente importante. (Técnica do Cras 2. Tobias Barreto/SE)

Outra questão que os técnicos destacaram foi a relação que os meios de comunicação comercial têm com a Assistência Social. Na opinião deles, a mídia compreende a pobreza com base na meritocracia e no clientelismo, não havendo um contraponto à altura que enfrente essa concepção. Alguns acreditam que a relação com a mídia se dá por questões de afinidade política entre o meio e a gestão. Outros consideram que as informações de utilidade pública, como inaugurações, horários de funcionamento e etc., é o que recebe adesão da mídia, como pode-se verificar abaixo.

Sobre a mídia, não existe o entendimento do nosso serviço. Acho que isso é pra todo lado. E aqui em Tobias Barreto tem o quarto poder que é violento. Um vereador aqui que é radialista que só Jesus na vida dele. Tudo é contra o prefeito e fora as opiniões. Os poucos que eu conheço eles têm a mesma visão. Porque nós estamos ali para dar cesta básica, pra fazer caridade. O que a gente fez foi uns foros que a gente faz de mesa redonda. A gente fala, solicita deles a presença, que eles estejam também para ouvir um pouco sobre o que é o nosso trabalho. Aqui a gente até tem uma relação legal. A gente tem que começar sempre porque eles mudam muito, mas a gente tem esse trabalho de ir lá, dizer, conversar. (Técnica do Cras 2. Tobias Barreto/SE). Numa sociedade de consumo a mídia reforça muito mais o campo das necessidades imediatas e a mídia não tem um entendimento claro sobre o que vem a ser a política de assistência social, então todas as vezes que a mídia trata a assistência social na maior parte das vezes não a trata como politica. Ela trata como ação. Tanto é que os aspectos que mais vemos são os aspectos do voluntariado, das benfeitorias do lado humano do que o direito humano de ter acesso a uma das politicas de seguridade social. [...] Nossa! Mídia e

assistência social balança. Constantemente estamos aqui no Balança88. População de rua então. A mídia não consegue entender dessa política. É uma mídia que está preparada para levantar os erros. Uma posição equivocada ainda da assistência não como direito, mas uma política assistencialista que protege, passa a mão na cabeça do pessoal. Recentemente fomos dar uma entrevista sobre o migrante e quando pegou o corte da reportagem só saiu um trechinho. Acho que ainda não conseguimos construir uma pauta geral na imprensa. A própria imprensa da prefeitura de assessoria de comunicação para divulgar a implantação eles não têm conteúdo. E isso dificulta o próprio usuário entender que ele está fazendo parte de uma política. (Técnicas da Gerência de Coordenação da Proteção Social Básica de Belo Horizonte/MG). No geral acho que somos privilegiados aqui em São Gabriel. Não vejo a assistência social aqui colocada em desprestigio não. Acho que aqui a gente é privilegiado nos meios de comunicação. O secretário participou hoje das entrevistas e coisas assim. Os meios de comunicação não tem esse meio de conhecimento suficiente ainda para tirar esse mito (do assistencialismo). (Técnica do Cras Menino Jesus. São Gabriel/RS)

Nesse tempo que estivemos aqui sempre veio pessoas da mídia e pediram que falássemos sobre serviços para eles fazerem divulgação. Para trazerem mais famílias para os Cras e para saber para que público estamos voltados. Depois da inauguração do Cras aqui aumentou bastante o número de cadastros de pessoas procurando o Cras aqui. (Técnica do Cras Ribeirinho. Santarém/PA) O representante dos usuários no CMAS de Belo Horizonte aponta a necessidade de se investir na comunicação de massa, para divulgar a política de Assistência Social, por ser a melhor forma de falar com o usuário.

a divulgação deveria ser mais no nível de jornal, rádio, televisão que atinge mais a massa. O governo deveria divulgar mais o que é o Cras. Muitas vezes o Cras é instalado em uma região e os moradores em si não conhecem o Cras. Sempre levo folhetos informativos. Fica difícil divulgar uma coisa que as pessoas não sabem o que é [...] a comunicação tem que ser constante. A distribuição impressa é muito importante, mas o mais é o boca a boca. É isso que divulga mais. Você levar a pessoa lá, ele vai ver o que é e transmitir ao outro. Apesar de que o rádio e a televisão falando já vão associar e quando você fala com a pessoa ela diz: já ouvi isso na rádio. No caso do rádio seria essa comunicação do boca a boca e aí entra o conselheiro, o Cras, as comissões locais divulgarem os equipamentos, o que é a assistente social que na verdade nós ainda pensamos que assistente social é para dar cesta básica, vale transporte. (Representante dos usuários no CMAS. Belo Horizonte/MG) O usuário compreende que “o Suas veio para dar uma nova visão para a população. A população ainda não está entendendo e misturam o Sus com o Suas”. Na opinião dele, um dos motivos que geram essa confusão é que as siglas são quase idênticas e confundem o usuário. Acredita ainda que o trabalho do Cras altera as relações políticas porque discute a respeito dos direitos, e isso não agrada aos políticos.

O Cras tira muito isso do político. O político não gosta muito quando você começa a aprender e vai num equipamento desse aí e começa a aprender seus direitos. Então um lado é Cras, é vamos discutir, vamos conversar e fazer

reuniões. Daí você começa a reconhecer que você é um cidadão e como cidadão tem alguns deveres, mas também têm direitos. Isso cria na pessoa a cidadania e a pessoa começa a participar mais da sociedade. Onde é implantado o Cras as pessoas participam mais. (Representante dos usuários no CMAS. Belo Horizonte/MG)

De acordo com as análises dos entrevistados, observa-se que a Comunicação Pública, no que tange os tipos de mensagens institucional e de gestão recebeu algum investimento, mas ainda está aquém dos desafios impostos pela lógica liberal, no contexto de hegemonia neoliberal.

A ausência de uma comunicação de governo direcionada ao cidadão que faz uso da Assistência Social ficou engolida pelo programa de transferência de renda Bolsa Família, em decorrência do alcance, e, por ser uma novidade, tem impactado nas ações e na dinâmica do sistema, uma vez que é função da comunicação de governo “a busca de legitimação da gestão estatal”, como afirmaram Gil e Matos (2013, p. 100).

A incapacidade do Estado em “trabalhar com a informação voltada para a cidadania” (Matos, 2009; Brandão, 2009) realizando contrapontos, inclusive aos programas sensacionalistas que usam das manifestações da expressão da questão social para aprofundar o preconceito sobre a pobreza, remete para a necessidade da democratização da comunicação no país. A ausência de vontade política das últimas gestões federais, em que pese alguns movimentos no governo Lula em enfrentar o monopólio das comunicações, tem afetado o direito à comunicação da sociedade em geral e em especial dos usuários da Assistência Social, permitindo que a mídia, como expressou a ex-assessora de comunicação do MDS, Adriana Moraes, atue como um partido político sem o ônus deste.

A comunicação de governo é uma aliada da Comunicação Pública na medida em que esta organiza e publiciza a informação sobre a política, dando ciência e prestando contas à sociedade em geral sobre as ações realizadas, além de evidenciar uma posição política inerente a uma sociedade democrática. A partir desse posicionamento que gera transparência, abrem-se as possibilidades para que a Comunicação Pública atue com o objetivo de reduzir as diferenças de compreensão da realidade, uma vez que é de sua natureza o diálogo pedagógico mediado pelo interesse de fortalecer a democracia e a cidadania. Esse cenário remete à relação dos técnicos com a comunicação junto aos usuários, que de acordo com eles representa na atualidade o maior desafio da Assistência Social.