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Capítulo II: Ciência-Tecnologia-Sociedade, Comunicação pública da ciência,

2.2 Comunicação pública da ciência

Em recente artigo, Valério e Bazzo (2006) chamam a atenção sobre o importante papel da divulgação científica para a formação de uma sociedade mais participativa em questões de C&T. Trazendo o conceito de sociedade de risco e o referencial CTS, colocam a divulgação científica como um dos caminhos pelos quais é possível dar atualidade ao papel da sociedade como reguladora das questões de ciência e tecnologia.

Com base nessas considerações, vale aproximar os referenciais teóricos da área de comunicação pública da ciência com aqueles que sustentam a educação com enfoque CTS, em uma tentativa de teorizar sobre a complexa e dinâmica relação entre a ciência, a tecnologia e a sociedade.

Por defender uma aproximação entre ciência e tecnologia e população, e estudar caminhos para a participação dos cidadãos nas tomadas de decisão sobre C&T, apresentamos uma breve discussão sobre a mudança de paradigma dos modelos de comunicação pública da ciência, utilizando especialmente referenciais de Durant (1999, 2004), Lewenstein (2003) e Wynne (1995), entre outros.

No contexto de modelos unidirecionais de comunicação pública da ciência, encontramos o modelo de déficit fortemente associado à visão dominante da popularização da ciência (LEVÝ-LEBLOND, 1992; MYERS, 2003), onde os cientistas são considerados como os especialistas que “possuem” o conhecimento, e o público é visto como carente (ou com um déficit) de conhecimento de fatos relevantes de ciência e tecnologia (DURANT, 1999; LEWENSTEIN, 2003). Nesse modelo, o processo comunicativo acontece em uma única via, sendo os cientistas os emissores e o público, os receptores passivos, no qual a chave é a disseminação do conhecimento.

Com uma visão diferenciada de público, mas centrado ainda na linha de modelos unidirecionais, encontramos o modelo contextual que assume que os indivíduos não recebem a informação como recipientes vazios, pelo contrário, processam os conhecimentos de acordo com os próprios esquemas sociais e psicológicos (LEWENSTEIN; BROSSARD, 2006). Nessa perspectiva, esse modelo valoriza as experiências culturais e os saberes prévios, ao mesmo tempo em que reconhece que, quando os conhecimentos científicos ou tecnológicos fazem parte do contexto e do

entorno de quem está se aproximando deles, o processo de compreensão é facilitado (LEWENSTEIN, 2003).

As críticas geradas ao redor do modelo de déficit e imbuídas dentro das mudanças estruturais da sociedade democrática do século XX levaram ao surgimento de modelos mais democráticos de comunicação pública da ciência. Se antes os modelos ditos deficitários eram utilizados de maneira difundida e incondicional, hoje existe um número crescente de propostas e projetos que valorizam os modelos dialógicos, ou seja, aqueles que de alguma forma compreendem que a comunicação entre ciência e sociedade não é uma via de mão única, mas sim que a sociedade tem um papel determinante – e pode vir a ter ainda mais – nos rumos da ciência.

Sob a perspectiva de modelos dialógicos ou bidirecionais de comunicação, encontramos o modelo de experiência leiga, que valoriza os conhecimentos locais. Conhecimentos esses que podem ser tão relevantes para a resolução de problemas científicos e tecnológicos como os conhecimentos científicos (LEWENSTEIN, 2003). Cabe destacar que, nessa abordagem, saberes locais podem envolver desde experiências de uma comunidade até práticas tradicionalmente desenvolvidas (no âmbito, por exemplo, da agricultura) e conhecimentos herdados de geração para geração (LEWENSTEIN; BROSSARD, 2006).

Ainda dentro dos modelos dialógicos ou bidirecionais de comunicação, encontramos o modelo de participação pública, baseado no compromisso de democratização da ciência e da tecnologia (LEWENSTEIN; BROSSARD, 2006). No referido modelo, a participação do público e dos cientistas em assuntos de C&T e na formulação de políticas científicas e tecnológicas se dá nas mesmas condições e em espaços propícios para isso como fóruns, debates e conferências (DURANT, 1999; LEWENSTEIN; BROSSARD, 2006). Pressupõe-se como condição necessária para o desenvolvimento dessas atividades, a valorização do diálogo entre os cientistas e os não-cientistas.

É cada vez mais freqüente encontrarmos publicações que têm explorado a interface da comunicação pública da ciência e dos museus de ciências20. Para diversos autores, os museus de ciências são lugares naturais para a valorização do diálogo entre ciência e público.

Einsiedel e Einsiedel (2004, apud NAVAS, 2008) sugerem, quanto aos modelos de comunicação pública da ciência, a existência de um continuum que vai desde atividades mais passivas e ligadas ao papel mais tradicional dos museus de ciências, até abordagens mais participativas. Atividades como leituras estariam no extremo mais passivo, enquanto que fóruns e o contato com cientistas trabalhando estariam no meio e, no extremo participativo, estariam as conferências de consenso21, por exemplo.

É possível, através da análise da trajetória dos museus, perceber que, durante varias décadas, as atividades de divulgação científica, bem como os processos comunicativos nos museus foram baseados na disseminação da informação, portanto na idéia de um público mais passivo (NAVAS, 2008). Seguindo uma tendência mais atual de popularização e comunicação da ciência, os museus também têm tentado levar à prática modelos dialógicos, que dêem conta da participação ativa e crítica do público (NAVAS, 2008; NAVAS et al., 2008).

A discussão acerca da mudança de paradigma na comunicação pública da ciência é relevante no âmbito desta pesquisa, uma vez que os museus de ciências são consensualmente espaços onde ocorre comunicação científica, e que também alternam suas ações e suas abordagens entre modelos mais passivos e modelos mais participativos. As escolhas vão depender do objetivo da atividade, da época em que está sendo desenvolvida, da concepção acerca de ciências e tecnologia que possuem suas equipes, e de tantos outros fatores.

Apesar da inevitável coexistência dessas abordagens, vale destacar a importância na adoção de modelos mais participativos em atividades nas quais o objetivo for

20 O livro de CHITTENDEN, D.; FARMELO, G.; LEWENSTEIN, B. (Eds.). Creating Connections: Museums and the Public Understanding of Current Research. Oxford: Althamira Press, 2004 traz diversos artigos que discutem essa relação.

21 As conferências de consenso são encontros entre cidadãos e cientistas, abertos ao público, para debater algum tema previamente definido de interesse da sociedade.

possibilitar e promover o maior envolvimento do público em questões de C&T nos museus de ciências.