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2. Sociedade civil, relações com o Estado e a formação de uma base de

2.2. Comunidade Solidária

O programa Comunidade Solidária foi instituído como um dos quatro principais eixos da política do governo FHC. Criado através de Decreto, em 1995, primeiro ano do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, “destinava-se a ser o segmento do aparelho do Estado responsável pela promoção de políticas sociais ditas

emergenciais, visando ações estratégicas eficientes de combate à fome e à miséria para a redução das disparidades regionais e sociais” (PERES, 2005, p. 113). Era conduzido por um Conselho (CCS) e por uma Secretaria Executiva. O CCS, conforme Peliano (1995, p. 25) era consultivo à Presidência da República, nomeado pelo presidente e vinculado à Casa Civil e tinha por finalidade “promover o diálogo político e parcerias entre governo e sociedade para o enfrentamento da pobreza e da exclusão, por intermédio de iniciativas inovadoras de desenvolvimento social” (BRASIL, 1999). Integravam-no dez ministros de Estado, a Secretaria Executiva do Comunidade Solidária e 21 membros da sociedade civil. Estes, na primeira composição, eram: Ruth Cardoso (Presidente), André Roberto Spitz, Arzemiro Hoffmann, Augusto César Franco, Denise Dourado Dora, Éfrem de Aguiar Maranhão, Gilberto Gil, Hélio de Souza Santos, Hebert José de Souza, Joaquim de Arruda Falcão Neto, Jorge Eduardo Saavedra Durão, Dom Luciano Mendes de Almeida, Maria do Carmo Brandt de Carvalho, Miguel Darcy de Oliveira, Ney Bittencourt de Araújo, Pedro Moreira Salles, Regina Duarte, Renato Aragão, Romeu Padilha de Figueiredo, Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça e Sonia Mirian Draibe. Algumas das críticas relacionadas ao Programa referem-se ao fato de que partiam da premissa da impossibilidade da universalização de direitos. Para a socióloga Thais Helena de Alcântara Peres, as ações sinalizavam “a escolha feita pelo governo FHC para as políticas sociais: frente à impossibilidade da universalização do atendimento, algumas políticas seriam universais (a saúde, por exemplo); outras, focalizadas (o combate ao analfabetismo, por exemplo) (PERES, 2005, p. 115, grifo da autora).

No mesmo sentido, Seleprin pontua que a criação do Comunidade Solidária foi uma estratégia de, mediante o enxugamento do Estado e da crescente demanda por direitos sociais, tencionar um programa “onde a sociedade civil acaba assumindo a responsabilidade de executar as tarefas que seriam de responsabilidade do Estado” (SELEPRIN, 2012, p. 2). Ruth Cardoso, assinalava que o objetivo do programa era trabalhar com a parceria, “estabelecer contatos entre agências governamentais, terceiro setor, ampliar a área do terceiro setor e fortalecer a sociedade civil” (CARDOSO, 2001, p. 1). Para ela, ainda, a estratégia se materializou após a identificação de “elementos distintivos desse novo padrão de relação Estado/Sociedade, que não é estadista” (CARDOSO, 2001, p. 8).

A Comunidade Solidária é criada, conforme Martins (2009, p. 189), após a extinção da Legião Brasileira de Assistência e do Conselho Nacional de Segurança

Alimentar (Consea). O CS acaba sendo um órgão mais flexível que incorporava atribuições mais amplas: “opinar sobre ações governamentais na área social, propor novas estratégias, incentivar iniciativas não governamentais e promover meios para o fortalecimento do terceiro setor” (FALCONER, 1999, p. 6).

Em relação à extinção do Consea, Almeida (2006, p. 104) salienta que este órgão possuía uma visão mais ampla das políticas públicas. Já o Comunidade Solidária as setorizou. Ela também avalia que, ao inserir membros da sociedade civil na condução do programa, o governo de FHC dá vazão a alguns anseios evidenciados nas lutas pela redemocratização no Brasil. No entanto, o programa não contemplava de fato uma partilha do poder:

[A comunidade Solidária] canalizou, em certa medida, as aspirações que vinham se afirmando desde as lutas pela democratização, porém, subtraiu delas seus elementos constitutivos mais importantes, como a partilha do poder entre sociedade civil e Estado e a formulação de intervenções sociais voltadas a garantir direitos. Foi por retirar a dimensão propriamente política do novo campo de relações entre Estado e sociedade civil então aberto, optando por relações pontuais e isentas de um debate mais substantivo sobre princípios de políticas públicas, que o sentido mais profundo das parcerias e do programas desenvolvidos pelo CCS foi analisado por Telles (2001) como o de erodir os espaços políticos construídos e esvaziar a tessitura democrática que vinha sendo armada, no Brasil, nos anos anteriores (ALMEIDA, 2006, p. 100). Outro ponto levantado pela autora é a estratégia política do CCS visando uma amenização de conflitos:

É significativo notar que determinadas concepções de Estado, sociedade civil e partidos nutridas por membros do CCS, particularmente por alguns que exerciam liderança no seu interior, se afinaram com essa estratégia de FHC, que era a de controlar o aparecimento de conflitos na esfera pública, promover espaços participativos destituídos de caráter deliberativo e circunscrever a tomada de decisões nos centros do poder do Estado (ALMEIDA, 2006, p. 104).

O programa Comunidade Solidária, ainda, parece ter sido decisivo para consolidar o modelo de parcerias. Os municípios eram seu locus de atuação e, a partir de demandas específicas, se formavam redes com parceiros estratégicos, fora do âmbito estatal. Em 1999, esse tipo de parceria passou a ganhar um instrumento específico, com a aprovação da Lei das OSCIPs, possibilitando juridicamente o modelo de gestão propagado pela Comunidade Solidária. Assinalado como um novo modelo de governança que supera a burocracia governamental, tal qual Goldsmith e Eggs (2006, p. 21), os autores do livro Governar em rede: o novo formato do setor

público, apontam, o Comunidade Solidária, e mais tarde a Comunitas, alinham-se a

governo em redes. Segundo este viés, as parcerias público-privadas e as parcerias organizações sem fins lucrativos são vitais para a superação dos limites organizacionais do que chamam de um “modelo hierárquico de governo” (Goldsmith e Eggs, 2006, p. 22), e o Estado transforma-se de prestador a facilitador de serviços. Para compreender o marco legal que consolida esta visão no Brasil, descrevo a seguir o processo de formulação e consolidação da Lei das OSCIPS, centrado no modelo das parcerias com entidades privadas sem fins lucrativos.