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4. M ATERIAL E MÉTODOS

4.2. Comunidades estudadas

4.2.1. Localização geográfica e extensão das manchas de TPI

Foram estudadas três comunidades localizadas sobre manchas de TPI: Água Azul, Barreira do Capanã e Terra Preta do Atininga (Figura 1). A comunidade Água Azul (5° 49’ 57’’; 61° 33’ 56’’ W) está localizada na margem esquerda do Rio Madeira, cerca de 35 km à montante da cidade de Manicoré. Água Azul se encontra sobre um barranco de cerca de 25 m de altura em relação ao nível médio do rio, que separa a planície de inundação (várzea) da terra firme. Vivem na comunidade 42 famílias (~207 habitantes), ao longo de uma faixa de dois quilômetros paralela ao rio. A mancha de solo antrópico sobre a qual parte da comunidade está localizada tem cerca de 15 hectares, sendo que na margem do rio o solo antrópico é mais escuro, com artefatos cerâmicos abundantes (Terra Preta stricto sensu), e à medida que se distancia do rio o solo fica mais claro e com raros artefatos cerâmicos (Terra Mulata).

A comunidade Barreira do Capanã (5° 50’ 51’’ S; 61° 40’ 11’’ W) está localizada cerca de 50 km à montante da cidade de Manicoré. Barreira do Capanã também está localizada sobre um barranco de frente para a várzea, no entanto uma mudança de curso no Rio Madeira há cerca de 30 anos isolou o Lago da Barreira, que hoje separa a comunidade da margem esquerda do Rio Madeira por cerca de dois quilômetros (Figura 1). Vivem na

comunidade 38 famílias (~190 habitantes). Existem duas manchas de solo antrópico na comunidade: uma com cerca de dez hectares e outra com cerca de 40 hectares. Assim como na comunidade Água Azul, ambas as manchas de solo antrópico são compostas por Terra Preta e Terra Mulata, sendo que a Terra Preta sempre ocorre mais próxima à margem do Rio Madeira.

A comunidade Terra Preta do Atininga (5° 38’ 19’’ S; 61° 3’ 6’’ W) está localizada na margem direita do Rio Atininga, afluente da margem direita do Rio Madeira, a cerca de sete quilômetros de sua foz. A foz do Rio Atininga está a cerca de 50 km a jusante da cidade de Manicoré. Vivem na comunidade 36 famílias (~180 habitantes). Ocorrem duas manchas de solo antrópico na comunidade, uma com cerca de quinze hectares ao longo da margem do Rio Atininga e outra de cerca de dez hectares na margem do igarapé Terra Preta, a cerca de 1,7 km da margem do Rio Atininga. Ambas são compostas por Terra Preta e Terra Mulata.

4.2.2. Histórico de ocupação e uso atual da terra

Assim como diversas regiões do baixo Amazonas, o Rio Madeira foi repovoado durante o ciclo da borracha, e as relações sociais e de parentesco que hoje se observam são resultado das grandes transformações econômicas e sociais que ocorreram neste período (Fraser et al. 2008). Essas transformações foram fundamentais na construção da identidade dos caboclos, definidos por Parker (1989) como “resultado da miscigenação entre indígenas com colonizadores portugueses e, em menor grau, com nordestinos de descendência africana”. De fato, a grande parte da população que hoje habita o Rio Madeira resulta do contato entre os imigrantes que chegaram ao final do século XIX com indígenas que já habitavam a região, em diversos graus de miscigenação.

As três comunidades estudadas existem há cerca de 100-120 anos, e possuem histórias de ocupação semelhantes. Todas surgiram a partir da posse da terra por patrões vindos do nordeste, atraídos pela alta concentração de seringais e castanhais na região. Era comum os patrões trazerem de sua terra de origem parte de seus fregueses, trabalhadores que, num regime de semi-escravidão, trocavam sua produção por mercadorias, num sistema conhecido como aviamento. Moradores mais antigos mencionam a existência de aldeias indígenas nos locais onde hoje se encontram as comunidades. Hoje, a população que vive nas comunidades

descende, em sua maioria, dos patrões, da sua freguesia e da miscigenação entre eles e os habitantes nativos da região.

Hoje o extrativismo ainda é uma atividade econômica importante (principalmente a extração de castanha, borracha e madeira), mas a agricultura é a principal atividade econômica e de subsistência para as comunidades estudadas. A agricultura é praticada na várzea (exceto na comunidade Terra Preta do Atininga, que é afastada da várzea do Rio Madeira), e na terra firme, tanto em solos não-antrópicos quanto na TPI. O principal cultivo é a mandioca, tanto em termos de subsistência quanto econômicos (Fraser et al. 2008), e esta é cultivada amplamente na várzea e na terra firme. A TPI, devido à sua alta fertilidade, é utilizada para o plantio de espécies mais exigentes em termos nutricionais que geralmente só são cultivadas na várzea, como feijão (Phaseolus spp.), banana (Musa spp.), jerimum (Cucurbita spp.), tabaco (Nicotiana tabacum L.), milho (Zea mays L.) e melancia [Citrullus lanatus (Thunb.) Mansf.]. É comum também o plantio de sítios (agroflorestas) na TPI com uma alta concentração de espécies arbóreas úteis [e.g., castanha (Bertholletia excelsa Bonpl.), seringa (Hevea brasiliensis (Willd. ex A. Juss.) Müll. Arg., açaí (Euterpe precatoria Mart. e Euterpe oleracea Mart., manga (Mangifera indica L.), etc.].

Diversas áreas das comunidades são recobertas por vegetação secundária em diversos estágios de regeneração, tanto sobre TPI quanto sobre solos não-antrópicos. Áreas de floresta madura raramente são abertas para o cultivo, sendo muito mais freqüente a derrubada de florestas secundárias. A forma de uso das áreas de TPI varia bastante: em alguns casos, a mesma área é cultivada por diversos ciclos sucessivos, sem pousio; em outros, o tempo de pousio é menor do que em solos não-antrópicos; em outros, a duração da fase de cultivo e pousio é semelhante à de solos não-antrópicos.

4.2.3. Aspectos éticos da pesquisa

Devido ao envolvimento de comunidades tradicionais e ao acesso ao Conhecimento Tradicional Associado1 (CTA), alguns aspectos éticos foram observados durante a execução da pesquisa. Em cada comunidade, foram contatados inicialmente os representantes locais, aos quais foi apresentado o projeto de pesquisa e, posteriormente, solicitada uma reunião para

1 O Conhecimento Tradicional Associado (CTA) é definido pela Medida Provisória nº 2.186-16 de 23 de Agosto de 2001 como “informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético”.

a apresentação da proposta do Termo de Anuência Prévia (TAP), conforme a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de Agosto de 2001 e a Resolução do Ministério do Meio Ambiente (MMA) nº 5, de 26 de Junho de 2003. Durante a reunião, foram apresentados os diversos aspectos do projeto de pesquisa (objetivos, metodologia, financiamento, pesquisadores envolvidos, resultados esperados, etc), esclarecendo os moradores sobre a legislação vigente em relação ao CTA e, em particular, sobre o direito da comunidade de negar o acesso ao CTA em qualquer fase do processo de obtenção do TAP. Estando as comunidades de acordo com a realização da pesquisa, os TAPs foram assinados e enviados para avaliação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), juntamente com o restante da documentação exigida, sob número de processo 02000.001202/207-89. O acesso ao CTA foi autorizado pelo CGEN pela Autorização nº 024/2007.

Conforme disposto no Artigo 2º da Deliberação no. 212, de 6 de Dezembro de 2007, cabe informar que os Conhecimentos Tradicionais Associados acessados durante a execução deste trabalho são de origem das três comunidades estudadas (Água Azul, Barreira do Capanã e Terra Preta do Atininga), e que o acesso às informações disponibilizadas para as finalidades de bioprospecção e desenvolvimento tecnológico dependem de Anuência Prévia específica, Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios junto às comunidades envolvidas e de autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN).

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos do INPA (CEP-INPA), sob número de protocolo 079/2006. Conforme exigido pelo CEP-INPA, todas as pessoas entrevistadas durante a execução da pesquisa assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que reconhece os direitos de propriedade intelectual das comunidades sobre as informações fornecidas, garante o sigilo da identidade dos envolvidos e reafirma a voluntariedade de participação, os métodos e objetivos da pesquisa.

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