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2.3 A teoria dos Campos Conceituais de Gerard Vergnaud

2.3.1 Conceito e Campos Conceituais

“Um conceito não pode ser reduzido à sua definição, principalmente se nos interessarmos por sua aprendizagem e seu ensino. É através das situações e dos problemas a resolver que um conceito adquire sentido para a criança.” (VERGNAUD, 1993, p.1). Grossi (2001) comunga das ideias de Vergnaud quando salienta que “os conceitos que nós, humanos, usamos estão embebidos em situações de vida” (GROSSI, 2001, p. 15). Ainda para a autora, “os conceitos só adquirem sentido em situações ou conjunto de situações, sendo mobilizados no cotidiano para dar conta dos desafios da vida” (GROSSI, 2001, p. 17). Com base nestas ideias, é possível afirmar que a construção de objetos de aprendizagem, através da programação com o uso do software Scratch, é uma maneira de apresentar situações e propor problemas a resolver e, consequentemente, de permitir que os conceitos façam sentido para os alunos.

Evidencia-se aqui a importância de aproximar os conhecimentos científicos (torná-los “mais amigáveis”, nas palavras de Papert) às situações encontradas no “meio” onde o aluno está inserido para, por exemplo, entender conceitos da função, mais especificamente, os referentes às relações funcionais.

Vergnaud (1993) define conceito como uma trinca:

Conceito = ( S, I ,R ) Sendo:

S: Conjunto de situações que dão sentido ao conceito (referência).

I: Conjunto das invariantes em que se baseia a operacionalidade dos esquemas (significado).

R: Conjunto das formas de linguagem que permitem representar simbolicamente o conceito, suas propriedades, as situações e os procedimentos de tratamento (significante).

Sendo assim, esses três itens sinalizam, respectivamente, para:

1) um vasto repertório de situações que dá significado ao objeto (conceito) em questão. Isso implica em organizar várias atividades em que este conceito faça sentido para o aluno;

2) um conjunto de invariantes que trata das propriedades e procedimentos necessários para definir este objeto (conceito). Isso implica em esquemas que busquem soluções para o que está se propondo estudar e compreender;

3) um conjunto de representações simbólicas, as quais permitem relacionar o significado desse objeto (conceito) com as suas propriedades. Isso implica em formas de representação do conceito (verbal, gráfica, algébrica, etc.).

Para analisar o desenvolvimento de um conceito seja durante o processo da aprendizagem ou quando de sua utilização, é necessário considerar ao mesmo tempo esses três itens formalizados por Vergnaud. Portanto, cabe ao professor planejar e propor situações (aulas, atividades, tarefas) para que os seus alunos possam alcançar essas três dimensões.

Essas concepções de Vergnaud em relação ao que ele pensa sobre conceito nos remete a um aspecto muito importante da sua teoria definido como conjunto de situações, ou seja, situações que requerem uma adição, uma multiplicação, uma escrita e/ou uma leitura. Segundo Grossi (2001), “os conceitos só adquirem sentido em situações ou conjuntos de situações. São elas que vão construindo a referência do conceito.” (GROSSI, 2001, p. 16). Para Vergnaud, (1993, p. 12), os processos cognitivos e as respostas do aluno, são função das situações com que ele se confronta. Sendo assim, Vergnaud (1993) define campo conceitual como “um conjunto de situações” (VERGNAUD, 1993, p. 9), cujo domínio progressivo exige uma variedade de conceitos, de procedimentos e de representações simbólicas, em estreita conexão.

Vergnaud procura esclarecer esta definição trazendo exemplos no campo conceitual das estruturas aditivas e multiplicativas. Ao explorar e definir o campo conceitual das estruturas multiplicativas, Vergnaud (1993) descreve ser, ao mesmo tempo, um conjunto das situações cujo tratamento implica em uma ou em várias multiplicações ou divisões, e o conjunto de conceitos e teoremas que possibilitam analisar estas situações: proporção simples e proporção múltipla, função linear e n- linear, razão escalar direta e inversa, quociente e produto de dimensões, combinação linear e aplicação linear, fração, razão, número racional, múltiplo e divisor.

Analogamente, ao propor aos alunos a construção de um objeto de aprendizagem através de uma programação envolvendo o software Scratch e que

envolva um conceito matemático como, por exemplo, par ordenado, está se propondo uma situação ou conjunto de situações que exigirão do aluno o processo de construir conceitos (explícitos ou implícitos) para poder realizar tal tarefa e dar sentido ao conceito que se busca. Isso implica, por parte do aluno, lançar mão de uma gama de outros conceitos e teoremas que se correlacionem como par ordenado (número positivo, número negativo, deslocamento horizontal, deslocamento vertical, distância, etc.), além de utilizar as representações simbólicas e procedimentos inerentes ao software.

Os termos “procedimentos” e “representações simbólicas” utilizados por Vergnaud na definição de campo conceitual e “conhecimentos explícitos” descritos por Moreira (2002) e Magina (2005) estão bastantes presentes na linguagem de programação Scratch através de seus vários comandos, como mostra a figura 7:

Comandos “não encaixados” Comandos “encaixados”

Figura 7: Representação dos comandos do Scratch em duas situações distintas: “não encaixados” e “encaixados”

Na primeira situação mesmo os comandos não estando encaixados uns nos outros, representam certo sentido ou ideia, mas de forma restrita, pois são interpretados isoladamente. Já na outra situação onde os comandos estão encaixados por meio de uma programação, percebe-se uma clara intenção de expressar uma ideia (sentido) matemática mais ampla e lógica quando comparada com a primeira situação. “O sentido para um sujeito é o conjunto dos esquemas que ele pode acionar para tratar de situações com que venha confrontar-se.”

(VERGNAUD, 1993, p. 18). Sendo assim, esta situação só terá sentido para um sujeito em ação.

Uma das dimensões para a sistematização de um conceito como vimos, é a representação simbólica que permite relacionar o significado desse objeto (conceito) com as suas propriedades. Isso implica em formas de representação do conceito, que entre as já citadas (verbal, gráfica, algébrica), pode-se acrescentar a programação, que através da organização, pelos alunos, dos blocos de comandos, são capazes de expressarem suas ideias, pensamentos (esquemas) em uma dada situação.

Discutindo a definição de campo conceitual e trazendo as ideias de Moreira (2002, apud VERGNAUD, 1983a, p. 393), observam-se três argumentos para contribuir com esta definição:

1) um conceito não se forma dentro de um só tipo de situação; 2) uma situação não se analisa com um só conceito;

3) a construção e apropriação de todas as propriedades de um conceito ou de todos os aspectos de uma situação é um processo de muito fôlego que se estende ao longo dos anos, às vezes uma dezena de anos, com analogias e mal-entendidos entre situações, concepções, procedimentos e significantes.

Estas colocações reforçam a ideia de que para construir conceitos como o da função requer a utilização de um vasto repertório de situações, pois um conceito não se forma dentro de um só tipo de situação.

Segundo Vergnaud (1993), não se pode teorizar sobre a aprendizagem da matemática partindo apenas de simbolismos e situações. Deve-se considerar o sentido das situações e dos símbolos. Por isso, é fundamental considerar a ação do sujeito em situação e a organização de seu comportamento. Daí a importância que Vergnaud atribui ao conceito de esquema. Além disso, a definição de esquema é importante neste momento também para complementar a ideia de situação e para explicar alguns termos como conceito-em-ação e teorema-em-ação (invariantes operatórias), citados anteriormente.