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Conceito, características e objeto da investigação criminal

3 INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

3.2 Conceito, características e objeto da investigação criminal

A compreensão do presente estudo envolve a análise da investigação criminal sob três ângulos distintos e complementares: como fato social, como repressão estatal e como ciência, devidamente sistematizada.

Conforme o Dicionário Houaiss (2001, p. 1.644), o termo “investigar” provém do latim “investigáre”. Dessa análise etimológica infere-se que a palavra significava “seguir o rastro de; procurar, indagar com cuidado, perscrutar, pesquisar, inquirir”. Assim é que o escopo fundamental de qualquer investigação é desvelar um fato cujas circunstâncias encontram-se obscuras. Trata-se da investigação em seu sentido amplo, aplicável para esclarecer qualquer ordem de acontecimento sobre o qual se tenha curiosidade.

No âmbito jurídico, e mais especificamente no do Direito Processual Penal, tal termo adquire acepção mais restrita. Nessa seara, o instituto da investigação criminal representa uma das bases sobre as quais se sustenta o sistema processual.

Com efeito, a toda atividade criminosa desenvolvida no seio da sociedade deve corresponder uma ação positiva do Estado, titular do ius puniendi, no sentido de reprimir tal conduta, o que ocorre por meio da persecutio criminis in judicio, que apresenta dois momentos: o de investigação e o da ação penal.

Destarte, para que haja instauração de ação penal e consequente persecução criminal em juízo, a ensejar punição, faz-se necessário esclarecer o contexto no qual se deu o fato criminoso12. Tal mister é instrumentalizado pela investigação criminal. Tourinho Filho (2013, p. 225) discorre com propriedade sobre o tema:

O fenômeno é idêntico ao que se passa com a atividade persecutória do Estado. Como titular do direito de punir, quando alguém infringe a norma penal, deverá o Estado, para fazer valer o seu direito, procurar os elementos comprobatórios do fato infringente da norma e de quem tenha sido o seu autor, entregando-os, a seguir, ao órgão do Ministério Público para promover a competente ação penal.

Convém trazer à baila o escólio de Lopes Junior (2013, p. 256) acerca do conceito do indigitado instituto:

Chamaremos de investigação/instrução preliminar o conjunto de atividades desenvolvidas concatenadamente por órgãos do Estado, a partir de uma notícia- crime, com caráter prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal,

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Nesse sentido leciona LOPES JUNIOR (2013, p. 254), senão vejamos: “Não se deve começar um processo penal de forma imediata. Em primeiro lugar, deve-se preparar, investigar e reunir elementos que justifiquem o processo ou o não processo. É um grave equívoco que primeiro se acuse, para depois investigar e ao final julgar. O processo penal encerra um conjunto de “penas processuais” que fazem com que o ponto nevrálgico seja saber se deve ou não acusar.”.

e que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delituoso com o fim de justificar o processo ou o não processo.

Assim, tem-se que a investigação criminal está compreendida ainda em uma fase pré-processual13, anterior à formação da relação processual triangular entre autor, juiz e réu, consistindo em etapa capital a oportunizar uma futura ação penal, ou em caso de imputação improcedente, fornecer suporte a seu arquivamento. Em outras palavras, na lição de Marques (1997, p. 139), a investigação apresenta “caráter preparatório e informativo, visto que seu objetivo é o de levar aos órgãos da ação penal os elementos necessários para a dedução da pretensão punitiva em juízo: inquisitio nhil est quam informatio delicti”.

Ainda segundo a doutrina de Marques (1997, p. 139), reside no caráter informativo da investigação preliminar o ponto nevrálgico de sua diferenciação frente à instrução verificada na ação penal. Naquela cuida-se, em regra, unicamente de fornecer ao órgão acusador elementos aptos a constatar a viabilidade ou não de propositura da ação penal. Em contrapartida, na instrução realizada na fase processual objetiva-se angariar provas para fundamentar a justeza ou não da pretensão punitiva estatal.

Explorados os conceitos formulados pela doutrina pátria para a investigação criminal, passaremos, em um segundo momento, a analisar as suas características primordiais. Nesse âmbito, a instrumentalidade e a autonomia despontam como as características mais abordadas pela comunidade jurídica nacional.

Inicialmente, seu caráter instrumental revela-se pelo fato de que, em regra, é apenas por seu meio que se torna viável a ação penal. Como já exposto, a investigação visa a angariar elementos aptos a concluir pela sustentabilidade ou não de uma eventual propositura de ação penal14, a qual, de maneira geral, não deve existir sem aquela, sob pena de ferir de morte as garantias fundamentais do acusado, que figuraria no pólo passivo processual arbitrariamente, sem que houvesse, para tanto, qualquer suporte probatório que prenunciasse a sua participação no evento criminoso ou, ainda mais grave, a própria existência do evento.

Lopes Junior (2013, p. 256-257) reporta-se à citada característica como uma instrumentalidade qualificada, elevada ao quadrado, uma vez que a investigação serve ao

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Conforme LOPES JUNIOR (2014, p. 254), “Apesar dos problemas que possam ter, a fase pré-processual

(inquérito, sumário, diligência prévias, investigação etc.) é absolutamente imprescindível, pois um processo penal sem a investigação preliminar é um processo irracional, uma figura inconcebível segundo a razão e os postulados básicos do processo penal constitucional.”.

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Ainda sobre o tema, Lopes Jr. (2013, p. 257) aduz que “considerando que a investigação preliminar serve - lato sensu - ao processo, entendemos que seu objeto estará cumprido tanto quando se produzir a acusação como

processo penal que, por sua vez, possui também uma instrumentalidade constitucional, haja vista prestar-se à efetivação da pena e, principalmente, a propiciar a máxima efetividade dos direitos e garantias previstos na Constituição.15

Consoante Machado (2009, p. 9), a característica da instrumentalidade revela para a doutrina majoritária as duas funções basilares do instituto da investigação criminal, quais sejam: preservadora e preparatória. Esta última porque resguarda meios de prova que poderiam perecer ante o decurso do tempo. Já a função preservadora concerne à sua aptidão para evitar a instauração de uma ação penal inconsistente, inibindo, outrossim, o comprometimento da liberdade do indivíduo, bem como gastos desnecessários com o deslinde de um processo que, invariavelmente, restaria frustrado.

Por outro lado, a investigação criminal é identificada por sua autonomia, haja vista que, a despeito de prestar-se a oportunizar o processo penal, sua existência independe desse. Ora, é certo que, não raras vezes, a investigação pode ser arquivada antes mesmo de implicar instauração de uma ação penal, notadamente quando não há indícios suficientes de autoria e materialidade a suportá-la (MACHADO, 2009, p. 9).

Conforme Lopes Junior (2013, p. 256), a autonomia revela-se nos três planos da investigação: sujeito, objeto e atos. Quanto aos sujeitos, aduz que na investigação preliminar não há partes, de maneira que as pessoas e órgãos que atuam na instrução não coincidem com as atuantes no processo. Com relação ao objeto, ensina que na investigação cuida-se de apurar o contexto em que seu deu o fato narrado na notitia criminis, enquanto no processo trata-se da pretensão acusatória e de sua resistência pelo acusado. Por último, no que toca aos atos, salienta a distinção formal, pois no procedimento pré-processual predomina a forma escrita e sigilosa, havendo também limitação no contraditório e na ampla defesa.