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Capítulo I Lixo: teoria, propriedades, fluxo espacial e gerenciamento

1.2 Propriedades

1.2.1 Conceito, classificação e impacto ambiental

O lixo tem várias designações e classificações, além de possuir a característica de gerar impactos ambientais. Berríos (1986) considerou o lixo como recurso fora de lugar que tem valor como energia e dinheiro. De acordo com Dashefsky (1995) a palavra lixo pode ser sinônimo de resíduo sólido municipal. A norma NBR nº 10.004, de 1987, ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, definiu o lixo como resíduo sólido domiciliar (ABNT, 1987). Leão (1997) explicou que resíduo tem potencial de utilização e o lixo é um material que não tem serventia e que deve ser destinado de modo a não causar poluição. Na opinião de Rodrigues (1998), lixo é uma mercadoria originada no processo produtivo. O vocábulo duplo resíduo / lixo também pode ser usado para nomear as partes que constituem o lixo, ou seja, a substância que se aproveita é resíduo e a que não tem condições de ser aproveitada é lixo (VIEIRA, 2002). Calderoni (2003) afirmou que resíduo ou lixo é todo material desperdiçado e lixo domiciliar é todo material sólido que não tem valor e que se deseja descartar.

A palavra lixo parece sinônima do termo rejeito, já que, de acordo com o dicionário Aurélio (FERREIRA,1999), rejeito tem significado de material que não se aproveita, objeto que se lança fora.

A palavra lixo também tem relação com o conceito de resíduo final, ou seja “o resíduo que resulta ou não do tratamento de outros resíduos e que não seja susceptível de tratamento nas condições técnicas e econômicas do momento, principalmente pela extração da parte valorizada e por redução do seu caráter poluente ou perigoso” (CAMPOS, 2002, p. 74).

Para Silva e Rocioli (1996), o termo lixo denominava as cinzas do processo em que o fogo destruía os resíduos que sobravam das atividades humanas, na Antigüidade.

Diante dessas considerações, evidenciou-se o inadequado uso do termo lixo para nomear a quantidade e diversidade, em massa, tamanho, forma, composição etc. dos objetos que diária e crescentemente são gerados no lar, no trabalho ou no usufruto do lazer.

Materiais popularmente chamados de lixo, como restos de alimentos, frutas, legumes e verduras, cascas de ovos, borra de café, folhas e aparas de grama etc., são recursos fora de lugar, pois podem se transformar em adubo orgânico de boa qualidade agronômica. Alumínio, papéis, plásticos, vidros, metais, utensílios domésticos, jornais, revistas, listas telefônicas, bisnagas de creme dental, roupas e calçados etc. são substâncias ou mercadorias que podem retornar ao processo produtivo. Ciscos, fraldas infantil e geriátrica descartáveis, absorventes femininos, remédios vencidos, seringas com agulha injetável, lâmpadas, pilhas energéticas, baterias etc. nesta pesquisa serão denominados rejeitos, em virtude de não terem serventia no momento.

Na literatura se verifica que somente as cinzas, no caso de incineração indevida dos recursos fora de lugar, das substâncias ou mercadorias que podem retornar ao processo produtivo e de materiais inservíveis no momento, poderiam ser denominadas de lixo.

Para as finalidades da pesquisa foi considerada a composição do lixo em três grupos: lixo úmido compostável, lixo seco reciclável e rejeito ou apenas lixo úmido, lixo seco e rejeito. O rejeito é o material que sobra da separação do lixo em razão de não despertar interesse comercial ou se constituir de material miúdo, de baixo valor, cuja separação requer muita mão-de-obra. É algo que de um momento para outro pode tornar-se mercadoria, visto que existem experiências de reciclagem no Brasil para produtos normalmente considerados rejeito, como pneus, baterias automotivas, isopor e lâmpadas fluorescentes.

Os pneus podem ser empregados para gerar calor nos altos fornos de fábricas de cimento, misturados na composição do asfalto, na produção de tapetes, solados de calçados e pisos industriais. Também estão disponíveis processos industriais que recuperam suas matérias-primas: aço, nylon e borracha granulada.

No caso das baterias automotivas, que contêm plástico, chumbo, e ácido, as empresas de reciclagem aproveitam esses componentes na produção de novos produtos.

O isopor pode ser aplicado em trabalhos escolares, no enchimento de objetos, como calço de produtos no interior das embalagens e na confecção de adornos e peças decorativas, entre outros usos.

As lâmpadas fluorescentes permitem o aproveitamento do vidro e dos metais.

Com relação às fraldas descartáveis, as indústrias do ramo, nos Estados Unidos, estão pesquisando novos tipos de fraldas que pudessem ser biodegradáveis e se submeter a processos de compostagem (DASHEFSKY, 1997).

D’Almeida e Vilhena (2000, p. 29-30) afirmaram que existem formas de classificar o lixo:

1) Por sua natureza física: seco e molhado;

2) Por sua composição química: matéria orgânica e matéria inorgânica;

3) Pelos riscos potenciais ao meio ambiente: perigoso e não-perigoso (não-inerte e inerte), conforme o Quadro 1.

Quadro 1 - Categorias e propriedades que classificam o potencial de impacto

socioespacial ou ambiental do lixo

Categorias Propriedades que pode ter

Classe I - perigoso Corrosividade, inflamabilidade, patogenicidade, reatividade,

toxicidade e apresentando riscos à saúde pública e ao meio ambiente (baterias, produtos químicos etc.)

Classe II - não perigoso Não-inerte:Biodegradabilidade, combustibilidade ou solubilidade Inerte: é decomposto prontamente

(certos plásticos e borrachas, rochas, tijolos, vidros etc.)

Fonte: adaptado da ABNT, citado por Cempre (2006a) Org.: VIEIRA, Elias A. (2006)

4) Quanto à origem:

a) domiciliar, originado nas residências (restos de alimentos, produtos deteriorados, embalagens em geral etc.);

b) comercial, gerado em lojas, escritórios, bares, bancos e supermercados, entre outros (papel, plásticos, embalagens, resíduos de asseio etc.);

c) público, descartado pelas pessoas nos logradouros e coletados pelos serviços de limpeza urbana (varrição de vias públicas, limpeza de córregos, terrenos, galerias, podas de árvores, cadáveres de animais etc.).

Quanto a classificação do item 1, citado anteriormente, vale destacar que, na presente investigação, optou-se pela classificação física do lixo em seco e úmido. O vocábulo úmido, e não molhado, assinala melhor a situação do lixo no momento da coleta e da separação para compostagem.

Também é importante salientar que o lixo é classificado pelo potencial de causar impacto ambiental ou socioespacial, mas não quanto ao potencial de reciclagem, compostagem e reutilização. Trata-se de uma lacuna que, sendo preenchida, poderia incentivar ações para sua valorização.

Os autores também registraram a classificação do lixo originado em outras fontes geradoras, cujas tipologias não serão tratadas nesta pesquisa, exceto um tipo de lixo industrial (serragem) e rural (esterco animal), utilizados no processo de compostagem citado mais adiante. Feita a ressalva, às outras fontes, o lixo por elas gerado é:

a) produzido nas clínicas de humanos e animais, farmácias, hospitais, laboratórios e postos de saúde, podendo ser séptico, ou seja, conter germes patogênicos (agulhas, seringas com agulhas injetáveis, gazes, órgãos e tecidos removidos, luvas de uso médico-hospitalar, remédio com prazo de validade vencido etc.), e asséptico, isto é, isento de germes patogênicos (papéis, invólucros, embalagens, lixo de limpezas gerais etc.);

b) gerado em portos, aeroportos, terminais rodoviários e ferroviários: o lixo pode ser séptico (contaminado), geralmente constituído por materiais com potencial para transmitir doenças, e asséptico (não contaminado), semelhante ao lixo domiciliar;

c) originado em sistemas de produção industrial: constituído de cinzas, lodos, óleos, substâncias alcalinas, ácidos, papéis, madeiras, fibras, metais, plásticos, escórias etc.;

d) produzido na atividade agrícola: embalagens de fertilizantes e de agrotóxicos, rações, restos de colheita e esterco animal, entre outros;

e) gerado na construção civil ou reformas também conhecido por resíduo de construção e demolição - RCD: restos de obras e demolições, solo de escavações, entre outros, É importante lembrar que entre seus componentes pode haver materiais agressivos à saúde, se manipulados incorretamente.

Cumpre destacar que o sistema econômico passou, mais recentemente, a produzir outras tipologias de lixo. O lixo tecnológico oferece riscos potenciais aos espaços tanto do subsolo, da superfície, como da órbita da Terra por meio de sucatas de aparelhos, componentes eletrônicos, satélites, etc. armazenadas incorretamente ou abandonadas. O radioativo se refere a restos de insumos ou instrumentos técnicos, embalagens, recipientes, equipamentos de proteção, etc., utilizados em usinas nucleares, laboratórios e serviços de saúde. Para evitar danos da radiatividade esses materiais são destinados em caixas de chumbo e concreto. E, por último, o lixo tóxico se constitui de pilhas e baterias energéticas, lâmpadas fluorescentes, seringas com agulhas injetáveis etc., fabricadas com substâncias tóxicas ou contaminadas por doenças (MATOS et al.,1999).

Com relação às pilhas e baterias, o artigo 1º da Resolução nº 257/99, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, determinou que:

As [...] que contenham [...] chumbo, cádmio, mercúrio e seus compostos necessários ao funcionamento de quaisquer tipos de aparelhos, veículos ou sistemas, móveis ou fixos, bem como os produtos eletroeletrônicos que os contenham [...] após seu esgotamento energético, serão entregues [...] aos estabelecimentos que as comercializam ou à rede e assistência técnica autorizada [...] para repasse aos fabricantes ou importadores, para que estes adotem [...] os procedimentos [...] adequados. [...] (D’ALMEIDA; VILHENA, 2000, p. 196).

No que diz respeito aos impactos ambientais ou socioespaciais causados pelo lixo também se constatou que:

A [...] maioria dos municípios coloca os resíduos [...] a céu aberto desrespeitando as normas [...] lançam diretamente o lixo em rios, mangues, lagos ou oceano por considerar estas áreas de baixo valor comercial ou sem utilidade prática [...] métodos que [...] são os mais agressivos em termos ambientais (BERRÍOS, 1991, p. 121).

Além disso, o artigo 1º da Resolução 001/86, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, considerou-o como “qualquer alteração das propriedades [...] do meio ambiente” (CONAMA, 1988, p. 33-34).

Sendo assim, a amostragem de 9 tipologias (Quadro 2) apontou que produtos industrializados transformados em lixo, inclusive inertes têm decomposição lenta e, por esse motivo, podem alterar as propriedades do meio ambiente e provocar impacto ambiental. A fonte não citou a metodologia usada para determinar o tempo de decomposição dos diferentes materiais citados.

Quadro 2

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Tempo aproximado de decomposição de componentes do lixo

Componente Tempo de decomposição

Chiclete 5 anos

Filtro de cigarro 1 a 2 anos

Fralda infantil ou geriátrica 600 anos

Lata de alumínio 200 a 500 anos

Lata de alimentos em conserva 100 anos

Papel 3 meses

Plástico aproximadamente 450 anos

Tecido de algodão 1 a 5 meses

Vidro 4.000 anos

Fonte: Matos et al. (1999); SLU / BH, citado por Minas Gerais [2001?] Org.: VIEIRA, Elias A. (2005)

Para Berríos (1997), o comportamento errado no manejo e na destinação do lixo provoca impactos de inúmeras ordens, como:

Impactos sobre o solo: [...] A deposição de resíduos, em áreas sujeitas à erosão, mal drenadas, provoca a perda de solo. Essas áreas, uma vez saturadas e encerradas, terão seu uso restrito, além de ficarem impedidas de receber edificações de qualquer tipo. O solo local fica suscetível de recalques e rachaduras, originadas na movimentação da massa de resíduo / lixo [...] cuja intensidade depende das condições geomorfológicas e geológicas do local.

Impactos sobre as águas: há perigo não só do lixo em si, mas da geração de líquidos que percolam da massa de lixo. Dependendo das condições operacionais, pluviométricas e geológicas, esse subproduto pode atingir águas superficiais ou subterrâneas e contaminá-las. O lixo também gera a poluição física (assoreamento de rios e lagos, aumenta a turbidez da água, afetando a vida orgânica) e bioquímica (introdução de detergentes não biodegradáveis, tintas, herbicidas, além de bactérias, germens, vírus etc.).

Impactos na atmosfera: um fator de poluição é o mau cheiro provocado pela emissão de gases emanados dos processos de transformação aeróbia (com presença de oxigênio) e anaeróbia (sem presença de oxigênio) da matéria orgânica contida na massa de resíduo / lixo. O outro é o lançamento de fumaça, gases e fuligem, em conseqüência dos incêndios a que são, freqüentemente, submetidos os lixões.

Impactos sobre organismos vivos: o chorume e os gases emanados da deposição errada de lixo podem afetar a microfauna bacteriana. O aumento da turbidez da água [...] pode comprometer a vida da aqui-fauna. Os animais, as aves e os insetos, atraídos ou repelidos pelos odores, gases, ou fumaça da combustão dos materiais podem danificar a flora do entorno. Muitos desses seres vivos são transmissores de doenças como leptospirose, salmonelose, hepatite etc. A descrição dessas doenças foge aos propósitos desta investigação.

A poluição ocasionada por lixo depende da maneira como a população o manuseia e das estratégias de gerenciamento utilizadas pelos municípios. Nesse sentido, Berríos (1997a, p. 130) distinguiu 3 maneiras diferentes de os indivíduos se posicionarem ante o lixo:

Irresponsável - indivíduo que quer seu lixo longe, não importam os meios: desvencilhar-se dele de qualquer forma. Para este tipo de pessoa, seu lixo residencial é mal acondicionado, antes do horário da coleta é colocado na rua ou jogado em terrenos vazios ou vias públicas; seu lixo pessoal é jogado no local em que é gerado: na rua, na escola, nos bancos, e até nas igrejas. O lixo de sua construção (ou reforma) é levado aonde 'ninguém veja', de carrocinha ou veículo próprio. O lixo especial (móveis velhos, eletrodomésticos etc.) é jogado na porta de outrem, na esquina, nas estradas, no mato, nos córregos etc.

Formal - pessoa que pertence ao grupo majoritário de respeitosos das normas sobre o lixo. Ele coloca o lixo domiciliar em sacos plásticos, normalmente, em lugar alto, na hora certa. Pode ser indiferente com seus restos pessoais, joga-os no chão, em lixeiras ou guarda- os. Para o entulho, contrata caçambas; o lixo especial (por exemplo: móveis velhos) é vendido ou colocado [...] para ser levado pelo caminhão coletor especial ou pelos catadores de rua.

Ecologicamente corretos - são as pessoas que procuram dar destinação certa aos resíduos. O residencial é separado para gerar adubo ou disposto para ser levado pelos

coletores. O reciclável é vendido ou dado aos catadores. O lixo pessoal é jogado em lixeiras. Evitam os objetos com embalagens poluentes e consomem com moderação.

A análise dessas considerações permite inferir que a disseminação de modernas técnicas de manejo de gerenciamento de lixo, aliadas às estratégias de Educação Ambiental, deve constituir uma premissa fundamental das políticas públicas municipais orientadas para a prevenção da poluição, pela redução da destinação de lixo bruto no solo.