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O conceito de “coincidência criativa”

2. CAPÍTULO I: DESIGN, PUBLICIDADE E PROPAGANDA

3.1 A Classificação dos Direitos da Propriedade Intelectual e a definição de

3.2.2 O conceito de “coincidência criativa”

Amplamente utilizado para justificar apropriação de obra alheia, principalmente no que tange ao Design na Publicidade, o conceito de coincidência criativa merece especial atenção por tratar-se de questão delicada e subjetiva.

Apesar de parecer que o desenvolvimento das ideias dá-se por geração espontânea, toda ideia origina-se de um ponto de partida que se traduz em algo concreto (SANT'ANNA; ROCHA JÚNIOR; GARCIA, 2010).

Nenhuma ideia nasce sem referência. Este fato serve para definir o papel do criador o qual, ao invés de concretizar-se na geração de ideias exóticas para serem posteriormente enquadradas em produtos ou serviços, revela-se na atuação a partir de um pedido explícito, de um problema a ser enfrentado ou de uma oportunidade a ser aproveitada. O criador trabalha, então, sob encomenda (SANT'ANNA; ROCHA JÚNIOR; GARCIA, 2010).

Sant'anna, Rocha Júnior e Garcia (2010, p. 135) também expõem que, “por sinal, criadores excelentes muitas vezes não se dão bem em Propaganda por causa da criação com hora marcada”.

Neste sentido, torna-se interessante abordar a ideia de inconsciente coletivo. Segundo Jung (2000) o inconsciente pode ser classificado em camadas, entre as quais há a chamada camada pessoal (menos superficial) e uma camada mais profunda denominada inconsciente coletivo, que já não tem sua origem em experiências ou aquisições pessoais, tornando-se inata.

Há uma teoria que considera todas as formas já existentes na natureza, ainda que por meio de arquétipos, de maneira que todas as infinitas possibilidades de combinações também coexistiriam na natureza e, por consequência, no inconsciente coletivo da humanidade. Assim, a manifestação de uma forma original dar-se-ia somente por meio da capacidade intelectual de combinar essas formas objetivando a produção de resultados diferentes em suas configurações (CUNHA, 2003).

Apesar das ideias serem consideradas um diferencial competitivo em matéria de desenvolvimento de produtos, como vimos, elas não são passíveis de proteção, e muitas vezes não se consegue definir quem se enquadra na figura de seu proprietário (CUNHA, 2003).

É possível que vários indivíduos entrem em abstração paralela e sintonizem-se, na esfera do inconsciente coletivo, com a mesma concepção que se traduz na mesma ideia e manifesta-se por meio de uma imagem no plano mental, ou de uma combinação de formas pré-existentes em um simples desenho (CUNHA, 2003).

No caso destes indivíduos, os quais tenham concebido, ao mesmo tempo, um resultado idêntico, há a dificuldade de determinar-se quem detém a propriedade sobre o mesmo objeto gerado, uma vez que se trata agora de um objeto de forma manifestada por meio de um processo ocorrido em nível individual e não mais somente de uma ideia (CUNHA, 2003).

Embora a natureza não tenha dono, e pertença a todos, e portanto é de domínio público, o ato de se manifestar um objeto através de um projeto inicia-se no plano das abstrações, chega até o mental através da visualização, e vai manifestar-se através do desenho, cristalizando-se no plano físico. Este ato poderá fazer com que seus autores desenhem um objeto com características próprias e distinto dos similares. E ainda que a configuração desse objeto seja sempre baseada em combinação de formas já contidas na natureza, a condição de exprimir características originais em relação aos objetos já desenhados confere aos autores o crédito pelas suas capacidades individuais de realizar a combinação das formas. Portanto, à princípio, todos os autores teriam o mesmo direito (CUNHA, 2003, p. 53).

Vale lembrar que a esfera jurídica nem sempre vai contemplar, de forma subjetiva, quem primeiro manifestou o objeto, mas, ao contrário, dar-se-á a preferência para aquele quem primeiro protegeu sua criação (CUNHA, 2003).

Assim, conclui-se que “a coincidência criativa seria fruto do inconsciente coletivo, de ideias e informações que permeiam o âmago dos seres humanos” (COLLA, 2011, p.18).

Neste sentido indica Carvalho (2007, p. 88) que “um dos recursos discursivos da Publicidade é trabalhar com fórmulas fixas, que seriam chavões, frases feitas, caso de Todos os caminhos levam a Visa [Roma]” e que, a partir destes, o anúncio é meramente completado com dados adicionais acerca da marca ou produto.

A respeito da coincidência criativa nas campanhas publicitárias, salienta Carrascoza (2008):

O profissional da Propaganda serve-se de conhecimentos e experiências passadas para oferecer uma solução publicitária ao anunciante; de outro lado, terá que usar discurso compatível com os signos do seu target a fim de possibilitar o intento da persuasão. Portanto, o texto publicitário é um subproduto de elementos linguísticos anteriores. Para o autor, muitos profissionais da Propaganda ficam maculados como plagiadores injustamente, até porque boa parte do trabalho de “[...] criação resulta de um processo de associação de ideias e as coincidências são comuns, já que vários publicitários podem chegar às mesmas soluções [...] (Carrascoza, 2003, p. 98).

Vale lembrar que não é raro os designers e/ou publicitários serem orientados no sentido de utilizar trabalhos alheios como referência no desenvolvimento de campanhas publicitárias, configurando prática ilegal. Portanto, quando da criação de uma campanha publicitária, é aconselhável que se verifique demais campanhas veiculadas nesse período, especialmente no que toca os produtos similares (Ladeira, 1997).

O infortúnio reside no fato de que o plano legal reduz a importância da originalidade subjetiva, dado que a coincidência criativa, ou seja, “o fato de alguém ter desenvolvido de boa fé uma criação idêntica ou indevidamente semelhante a outra já

conhecida, não o exime de se ver excluído de seu uso pelo titular do direito privativo”. Para a efetivação do critério da anterioridade (o qual será melhor abordado no item 4.3 “A eficácia do registro das obras em órgãos competentes”, deste trabalho de conclusão de curso) não há que se falar em boa-fé ou em independência de criação, mas somente nos aspectos objetivos do caso (OQUENDO, 2014, p.36).

Dessarte, apesar do conceito de coincidência criativa e suas implicações objetivas, o aspecto legal nem sempre vai preocupar-se com quem primeiro materializou o objeto, mas sim com aquele que primeiro o protegeu ou que consiga provar o critério de anterioridade (CUNHA, 2003, p. 54).