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O CONCEITO CONTEMPORÂNEO CIDADANIA

1. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: PODER E CIDADANIA

1.4. ESCORÇO HISTÓRICO E DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE CIDADANIA DESDE A

1.4.2. O CONCEITO CONTEMPORÂNEO CIDADANIA

Na Grécia cidadania restringia-se ao gozo de direitos políticos, enquanto em Roma houve perceptível evolução no conceito, que passou a abranger também a titularidade de direitos públicos, todavia, eis que adentramos ao período da Idade Média, no qual o conceito de cidadania foi extirpado das sociedades.

Na Idade Média tínhamos as monarquias, forma de governo na qual há centralização de poder nas mãos do monarca, que era o proprietário das terras na qual o povo se instalava mediante pagamento de impostos, logo, não havia coisa pública, muito menos reuniões públicas para discussão dos rumos políticos da cidade, uma vez que tudo pertencia ao rei e tudo pelo rei era decidido, não havendo que se falar minimamente em exercício de cidadania.

O conceito de cidadania voltou ao cenário dos Estados em 1789, com a Revolução Francesa, movimento fundamental para que possamos designar cidadania como o conjunto de membros da sociedade, detentores de direitos e que decidem o destino do Estado.

Anteriormente a este marco, nação era um conceito ligado ao rei e nestes territórios havia muitos povos de línguas, tradições e culturas diferentes, sendo a França pós-revolucionária o melhor exemplo de novo Estado Nacional, pois, passou a impor a homogeneidade de língua entre o povo, com território delimitado, propiciando a eclosão do novo conceito de cidadania59.

Muito embora o movimento revolucionário francês tenha contribuído imensamente para esta nova perspectiva sobre a cidadania, havia na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, inspirada nos ideais iluministas, distinção entre os conceitos de “homem” e de “cidadão”:

O primeiro aspecto que nos chama a atenção no seu conceito é o da cisão que o discurso jurídico burguês fez entre o "homem" e o "cidadão", que refletiu na famosa Declaração de Direitos de 1789, que se chamou Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na qual a expressão “Direitos do Homem” denota o conjunto dos direitos individuais, pois ela é profundamente individualista, assinalando à sociedade um fim

que é o de servir aos indivíduos, enquanto a expressão Direitos do Cidadão significa o conjunto dos direitos políticos de votar e ser votado, como institutos essenciais à Democracia representativa. E esta foi a primeira manifestação da cidadania que qualifica os participantes da vida do Estado - o Cidadão, indivíduo dotado do direito de votar e ser votado60.

Portanto, podemos estabelecer que o conceito de cidadania nos Estados que adotam a Democracia como regime político deve ser externada em dois sentidos, o restrito e técnico e o sentido amplo, abandonada a concepção exclusiva de direitos políticos, que sob esta nova ótica seria apenas um fragmento do exercício da cidadania.

Para o sentido restrito e técnico cidadania é o exercício de direitos políticos, isto é, a possibilidade de votar e ser votado, basicamente como se vislumbrava na Grécia Antiga, enquanto o sentido amplo, como sua própria terminologia indica, amplia o sentindo de cidadania concebendo a ideia de titularidade de outras prerrogativas constitucionais além dos direitos políticos, tais como direitos civis e sociais, que surgiram como consectário lógico do Estado Democrático de Direito61.

Os direitos civis se compõem das garantias e liberdades individuais, enquanto os direitos sociais comunicam-se com o princípio da dignidade da pessoa humana, pois, implicam nas condições mínimas necessárias para a vida digna, desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança, ao direito de participar, por completo, da herança social.

Por seu turno, os direitos políticos se referem não só a possibilidade de votar e ser votado, mas também a capacidade de fundar partidos políticos.

Sob a ótica deste novo paradigma, podemos conceituar cidadania como o “estatuto que rege, de um lado o respeito e a obediência que cidadão deve ao Estado e, de outro lado, a proteção e os serviços que o Estado deve dispensar, pelos meios possíveis, ao cidadão62”, todavia, essa concepção do

60 SILVA, José Afonso da. Acesso à justiça e cidadania. Revista de Direito Administrativo, Rio

de Janeiro, v. 216,1999, p. 10.

61 OLIVEIRA, Michel Augusto Machado; SIQUEIRA JÚNIOR, Paulo Hamilton. Direitos

Humanos e Cidadania. 2. ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 242.

nem sempre foi a predominante na República Federativa do Brasil, sendo fruto de uma construção histórica gradual.

No ano de 1964, na República Federativa do Brasil, teve início o regime da ditadura militar, que perdurou até o ano 1985, portanto, a Democracia no Brasil tem suas especificidades que as distinguem das outras e que as mudanças experimentadas estão relacionadas às estruturas internas e à dinâmica das sociedades nacionais, isto é, à interação de forças que operam no Estado-nação63.

No período ditatorial tínhamos a cidadania regulada, que pode ser caracterizada “pelo controle das instituições sociais, por limites institucionais e burocráticos do sistema político democrático, pela exclusão dos sujeitos sociais e a incorporação fragmentada das reivindicações populares, aliada à estratégia do controle social64”.

Com o fim do período da ditadura militar, no ano de 1985, o conceito e o exercício da cidadania passaram por positivas alterações.

A promulgação da Constituição Federal de 1988, carinhosamente apelidada de Constituição Cidadã, ratificou a libertação das amarras da ditadura que restringiam potencialmente o exercício da cidadania limitando a participação social nos assuntos públicos, ampliando o termo cidadania, pleiteando conferir poder decisório ao povo quanto aos assuntos públicos e instituindo diversos meios legais de controle dos atos daqueles dos representantes do povo no exercício do poder.

Indubitavelmente, a nova face da Democracia brasileira desenvolveu campo fértil para o fomento da ideia de cidadania:

Uma idéia essencial do conceito de cidadania consiste na sua vinculação com o princípio democrático. Por isso, pode-se afirmar que, sendo a Democracia um conceito histórico que evolui e se enriquece com o evolver dos tempos, assim

63 GÓMEZ, José Maria. Política e Democracia em tempos de globalização. Petrópólis: Vozes,

2000, 52.

64 SAMPAIO, Maria Cristina Hennes. Democracia cidadania e produção de um espaço público

democrático em tempos de globalização : práticas discursivas entre estado-sociedade no movimento grevista da educação em Pernambuco (1987-1990). - São Paulo : Serviço de Comunicação Social. FFLCH/USP, 2008, p. 64.

também a cidadania ganha novos contornos com a evolução democrática. É por essa razão que se pode dizer que a cidadania é o foco para onde converge a soberania popular65.

Na Constituição Federal Brasileira, o termo “cidadania” foi mencionado sete vezes, enquanto o termo “cidadão”, trezes vezes, verificando-se que no texto constitucional os atos de cidadania são restritos a direitos políticos ou se há um conceito mais expansivo66.

Podemos concluir que o exercício da cidadania disciplinado na Constituição Federal é termo muito mais amplo do que o titular de direitos políticos, pois, o texto constitucional reconhece os integrantes do povo como indivíduos que integram a sociedade estatal (art. 52, LXXVII, da Constituição Federal).

Ainda na leitura do texto constitucional, verifica-se que no Estado Democrático de Direito o próprio Estado deverá estar submetido à vontade popular, e neste contexto o termo vincula-se ao conceito de soberania popular (parágrafo único do art. 12 da Constituição Federal 1988), com os direitos políticos (art. 14 da Constituição Federal de 1988), com o conceito de dignidade da pessoa humana (art. 12 e 111, ambos da Constituição Federal de 1988), bem como os objetivos da educação (art. 205 da Constituição Federal de 1988) como base e meta essenciais do regime democrático.

Cidadania seria, portanto, o conjunto de obrigações e direitos que regem e definem a situação dos habitantes do Estado-Nação67:

A cidadania, assim considerada, consiste na consciência de pertinência à sociedade estatal como titular dos direitos fundamentais, da dignidade como pessoa humana, da integração participativa no processo do poder com a igual consciência de que essa situação subjetiva envolve também deveres de respeito à dignidade do outro, de contribuir para o aperfeiçoamento de todos. Essa cidadania é que requer providências estatais no sentido da satisfação de todos os direitos fundamentais em igualdade de condições. Se é certo que a promoção dos direitos sociais encontra, no plano das disponibilidades financeiras, notáveis limites, menos verdade não há de ser que, inclusive em épocas de recessão econômica, o princípio da igualdade continua sendo um

65 SILVA, 1999, p. 10. 66 Ibid., p. 11.

imperativo constitucional, que obriga a repartir também os efeitos negativos de todo período de crise68.

Superada a questão de que a cidadania esteja vinculada somente ao exercício de direitos políticos, é possível cravarmos que o termo cidadania está ligado ao exercício dos direitos que são assegurados a todos os componentes daquele território, porém, ressaltamos que também existem deveres atribuídos a cada um, inclusive ao próprio Estado, que podem e devem ser cobrados com eficácia pelos seus titulares, havendo assim a manutenção pacífica da relação entre o ente público para com os particulares, bem como dos particulares com eles próprios69.

Entretanto, não obstante a ampliação do conceito e exercício de cidadania que emergiu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, por óbvio, alguns diplomas legais vigentes no ordenamento jurídico brasileiro restam defasados, semeando diversos conflitos de interpretação teleológica e axiológica.

Como exemplo podemos citar a problemática da legitimidade ativa para propositura da Ação Popular, regulamentada pela Lei 4.717/1965, uma vez que nesta Lei o conceito de cidadania restringe-se exclusivamente a direitos políticos, pois, exige que o autor da ação junte nos autos cópia do título de eleitor como prova de sua condição de cidadão.

1.5. PODER DEMOCRÁTICO: PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL OU