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Capítulo II – Enquadramento teórico

2.3. Aprendizagem Cooperativa

2.3.1. Conceito de aprendizagem cooperativa

“Quem caminha sozinho pode até chegar mais rápido, mas aquele que vai acompanhado com certeza vai mais longe”. Clarice Lispector A prática da aprendizagem cooperativa (AC) não é uma ideia recente. O pensamento de juntar duas ou mais pessoas para concretizar uma atividade de forma a maximizarem as suas aprendizagens remonta aos séculos III e IV a.C. O filósofo grego Sócrates (470 a.C. – 390 a.C.) ensinava os seus discípulos em pequenos grupos, através da aplicação do discurso como forma de transmitir os seus conhecimentos. Quintiliano (século I) defendia que os alunos aprendiam muito mais quando se ensinavam uns aos outros (Dias, Nascimento & Fialho, 2010). Ideia corroborada pelo filósofo Séneca (35 a.C. – 39 d.C.) quando afirmava que “Quem ensina, aprende duas vezes” (Lopes & Silva, 2009, p. 7) e por Comenius (1592 – 1670) ao acreditar que os alunos saíam beneficiados quando ensinavam os colegas, mas também quando eram ajudados por eles (Dias, Nascimento & Fialho, 2010).

Este espírito aparece também referenciado noutros documentos antigos, nomeadamente na Bíblia e no Talmude, sendo que na primeira, no Antigo Testamento, era possível ler “É melhor serem dois do que um só, obterão mais rendimento no seu trabalho. Se um cair, o outro levanta-o. Mas ai do homem que está só: se cair não há ninguém para o levantar!” (Eclesiastes; 4,9-10).

No decorrer dos séculos XVIII e XIX foram vários os estudos e obras publicadas relativamente à aprendizagem em pequenos grupos. Destacou-se a obra publicada pelo pedagogo britânico Andrew Bell que alertava para a importância do ensino mútuo, onde os alunos com mais capacidades ensinavam e auxiliavam aqueles com mais dificuldades. Em 1811, esta prática foi generalizada, em Inglaterra, por Joseph Lancaster (1778 – 1838) a um grande número de escolas primárias, assim como ocorreu nos Estados Unidos da

29 América, em 1806 (Gomes, 2012).

Em Portugal, este método de ensino foi introduzido em 1815, pelos militares nas escolas de primeiras letras, sendo que a primeira instituição escolar normal de ensino recíproco foi criada em 1816, em Belém, tendo funcionado até 1823 e, posteriormente fundou-se outra no mesmo ano, na Casa Pia, exercendo as suas funções até 1836 (Lopes & Silva, 2009).

No final do século XIX, John Dewey (1859 – 1952), filósofo e pedagogo norte- americano, incluiu no seu projeto educativo a utilização de grupos cooperativos, uma vez que ele acreditava que o ensino devia assentar em problemas reais do quotidiano dos alunos, com o intuito de os tornar jovens capazes de intervir numa sociedade democrática e exigente (Freitas & Freitas, 2003; Teixeira & Reis, 2012). Desta forma, realçou a importância das capacidades sociais no processo de ensino-aprendizagem, chamando a atenção para a necessidade de os alunos experimentarem, já na escola, “as bases cooperativas sobre as quais se constrói a vida democrática” (Lopes & Silva, 2009, p. 9).

Apesar destes estudos e conclusões vantajosas para a aprendizagem dos alunos, a aplicabilidade da aprendizagem cooperativa começou a declinar nos finais dos anos 30 do século passado, assistindo-se a um aumento substancial dos métodos competitivos e individualistas (Bessa & Fontaine, 2002). Este acontecimento coincidiu com a ocorrência da Grande Depressão, por volta de 1934, uma vez que o mundo dos negócios atribuiu às pessoas como a única forma de sobrevivência, o modo competitivo. Todavia, no desenrolar destes anos, continuou a haver autores a evidenciar os benefícios da aprendizagem cooperativa, tais como Julius Maller em 1929, António Sérgio em 1934, Margaret Mead em 1936, Edward Lee Thorndike em 1938, Muzafer Sherif em 1950 e Stuart Cook em 1969 (Lopes & Silva, 2009).

Tendo em conta o sucedido, só em meados dos anos 70 se assistiu ao ressurgimento da aprendizagem cooperativa, sendo a sua eficácia demonstrada e evidenciada nas investigações dirigidas nas últimas décadas. Assim sendo, esta metodologia tem sido colocada, de forma constante, em prática em diferentes escolas de diversos países (Freitas & Freitas, 2003), porém em Portugal esta ainda não se encontra muito divulgada (Bessa & Fontaine, 2002; Pinho, Ferreira & Lopes, 2013).

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À semelhança do que sobrevém com muitos outros conceitos intrínsecos à Educação e ao discurso pedagógico contemporâneo, o conceito de aprendizagem cooperativa não tem uma definição exata. Assim sendo, reportam-se algumas enunciações oriundas de distintos autores para se entender os pressupostos inerentes a esta temática.

A aprendizagem cooperativa, segundo Johnson, Johnson e Stanne (2000) é um termo geral que engloba uma diversidade de métodos que o professor pode adaptar e utilizar nas suas aulas, permitindo-lhe encontrar sempre uma estratégia que seja adequado aos objetivos que pretende atingir, às características dos seus alunos, assim como ao ano de escolaridade em que leciona.

No mesmo sentido, Bessa e Fontaine (2002) referem que a aprendizagem cooperativa é caracterizada pela divisão da turma em pequenos grupos de quatro/cinco elementos, onde a heterogeneidade, isto é, as diferenças entre os alunos, é vista como um elemento positivo que favorece o processo de ensino-aprendizagem.

De acordo com Freitas e Freitas (2003), a AC pode ser comparada a um grande guarda-chuva que cobre um número significativo de estratégias de ensino, apoiadas pelos mesmos pressupostos e que podem ser utilizadas nos diversos anos de escolaridade, assim como nas diferentes áreas do saber.

Nas palavras de Lopes e Silva (2009), “é uma metodologia com a qual os alunos se ajudam no processo de aprendizagem actuando como parceiros entre si e com o professor, visando adquirir conhecimentos sobre um dado objecto” (p. 4).

Neste sentido, as dissemelhanças entre os alunos são vistas como um potencializador da aprendizagem, uma vez que permitem a troca de ideias, experiências e capacidades diferentes, fomentando o debate e a discussão essenciais ao desenvolvimento do pensamento crítico, da autonomia e da capacidade de argumentação. Estas diferenças podem-se verificar ao nível da idade, género, classe social, aproveitamento escolar, entre outras.

Apesar das definições apresentadas serem diferentes, pois têm a sua génese em distintos investigadores, existem aspetos que são comuns em todas, de forma mais ou menos direta. Assim sendo, pode-se afirmar que a AC é um método de ensino, assente em grupos heterogéneos, em que os alunos cooperam uns com os outros para

31 maximizarem as suas aprendizagens, de forma a atingirem o sucesso individual e, consequentemente o sucesso grupal. Posto isto, uma das finalidades da AC consiste em fortalecer cada elemento do grupo individualmente, com o objetivo de serem capazes de, no futuro, efetuarem sozinhos, tarefas idênticas àquelas que realizaram em grupo (Fontes & Freixo, 2004; Lopes & Silva, 2009).

Porém, para que haja uma verdadeira aprendizagem cooperativa é essencial que se verifique um conjunto de requisitos, designadamente (i) a interdependência positiva, (ii) a responsabilidade individual e de grupo, (iii) a interação face a face, (iv) as competências sociais e, finalmente (v) o processo de grupo ou avaliação do grupo (Johnson, Johnson & Holubec, 1999). Estes cinco elementos essenciais ou básicos que fazem parte de uma aula e/ou de uma atividade cooperativa serão explicados detalhadamente no tópico seguinte.