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Capítulo 2. Norma jurídica da despesa pública

2.1 Conceito de despesa pública

2.1.1 Classificação das despesas públicas 2.2 Estrutura lógica das normas jurídicas 2.3 Modais deônticos e norma jurídica

2.4 Natureza jurídica das normas que dispõem despesas 2.5 Normas de despesa pública: autorizações ou obrigações? 2.6 Regra-matriz tributária e regra-matriz da despesa pública

2.7 Despesa pública na Constituição Federal: crítica às críticas das vinculações constitucionalmente estabelecidas

2.8 Despesa pública na Lei Complementar de número 101: limites estabelecidos para despesa com pessoal

2.1 Conceito de despesa pública

Ferreiro Lapatza define gasto público como todo gasto realizado por um ente do Estado.110 Esse conceito, no entanto, é demasiadamente simples para reunir e definir uma realidade tão complexa. Pois, como afirma Sousa Franco:

O conceito de despesa pública tem, de resto, de ser construído em termos de poder abranger realidades tão distintas como, por exemplo, o pagamento de um funcionário público, a construção de uma estrada, a concessão de um subsídio a uma empresa, a amortização de um empréstimo anteriormente contraído pelo Estado, a aquisição de material de guerra, a atribuição de uma bolsa de estudo, etc.111

Inicialmente cabe dizer que haveria duas formas de se conceber o fenômeno da despesa realizada pelo Estado, uma ampla, onde se considerariam despesas públicas o conjunto de dispêndios de um órgão ou ente público, e outra estrita, que designaria a singularidade de um gasto público, representado por uma norma jurídica que o positivaria.112

Enquanto conjunto de gastos de um órgão ou ente público, podem-se avaliar os efeitos econômicos que estes causariam. Para os clássicos estes seriam a satisfação de necessidades públicas única e exclusivamente, sendo os demais efeitos perniciosos e indesejáveis. Enquanto

110 FERREIRO LAPATZA, José Juan. Curso de Derecho Financiero Español. 25ª ed. Madrid/Barcelona: Marcial Pons, 2006, p. 88.

111 FRANCO, António L. de Sousa. Ob. cit., p. 03.

para os keynesianos, além do efeito clássico, outros dois poderiam ser relacionados: a distribuição de rendimentos a alguém; e a repartição do rendimento nacional.113

Como vimos, não há finanças neutras e, consequentemente, despesas públicas neutras. Isso seria apenas um instrumento ideológico de um Estado Liberal ou Neoliberal. Nenhuma atividade desenvolvida pelo Estado é neutra, assim como nenhuma ideologia o é. Mas certamente mudanças fundamentais ocorreram no modo como os entes estatais desenvolviam essas atividades de arrecadação, gestão e dispêndio de verbas, e é importante compreendê-las para que se possa entender o papel do Estado como implementador de direitos.

A decisão de gastar é uma decisão eminentemente política, visto que há sempre várias possibilidades de gastar e poucos recursos disponíveis para satisfazer tais necessidades. Então as perguntas a ser respondidas seriam: Quais necessidades devem ser satisfeitas? E como devem ser distribuídas as rendas em forma de despesas?

A Constituição Federal brasileira inegavelmente realiza ou limita as decisões políticas quando estabelece parâmetros para tais decisões. É exatamente a relação simbiótica entre direito e política, em que a política define prioridades com base em limitações e formas jurídicas.

2.1.1 Classificação das despesas públicas

Há várias formas de se classificar esses gastos ou despesas que o Estado realiza. Toda classificação busca sistematizar seu objeto, selecionando aspectos considerados pelo classificador como relevantes e relacionando esses mesmos objetos em grupos ou classes. Todo conhecimento científico pressupõe o uso em maior ou menor grau de classificações, a depender da possibilidade e da utilidade de se classificar.

O primeiro critério de classificação das despesas públicas, segundo Ferreiro Lapatza, seria o econômico. Os gastos seriam, dessa forma, correntes, se necessários para o funcionamento geral do Estado, e de capital, que seriam os gastos relacionados aos investimentos desse mesmo Estado.114 O autor afirma que tal classificação não seria útil do ponto de vista jurídico, contudo, no Brasil, tal classificação ganhou importância devido à sua positivação pela Lei 4.320/64.

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FRANCO, António L. de Sousa. Ob. cit., p. 4 e 5.

114 FERREIRO LAPATZA, José Juan. Curso de Derecho Financiero Español. 25ª ed. Madrid/Barcelona: Marcial Pons, 2006, p. 88 e 89.

Evidentemente não é papel do direito positivo efetuar classificações, tendo em vista que sua linguagem é prescritiva e não descritiva da realidade. Nesse sentido, quando o direito positivo efetua classificações, estas se submetem ao binômio válido/inválido, como todos os outros textos prescritivos, e não verdadeiro/falso, como os textos descritivos da ciência do direito. Estas são, portanto, primordialmente feitas pela doutrina que utiliza a linguagem descritiva buscando esmiuçar aquilo que foi dito pelo direito positivo. Contudo, o direito positivo pode também, por meio de seus procedimentos próprios, formalizar a linguagem da doutrina, tornando-a direito positivo. É o que acontece, por exemplo, quando os juízes “citam” partes de livros doutrinários em suas sentenças.

O critério funcional se refere à finalidade do Estado que o gasto atende.115 As despesas poderiam ser classificadas, por exemplo, em despesas com educação, despesas com saúde, despesas com segurança nacional ou com saneamento básico. Esse tipo de classificação é extremamente influenciado pelas tendências políticas da época em que são feitos os gastos, visto que refletem quais devem ou não devem ser deveres do Estado, isto é, dão embasamento para que se argumente a intervenção ou não dos entes estatais.

O último critério proposto por Ferreiro Lapatza é o orgânico. Este seria o critério mais importante do ponto de vista jurídico, tendo em vista que serve para determinar quem ou que órgão pode, juridicamente, realizar o gasto.116 Isso porque, na verdade, em nosso ordenamento as normas jurídicas autorizam os entes públicos a realizar ou não determinados gastos. Veremos adiante que nem sempre são meras autorizações, mas obrigações que o ente público assume quando positivada a lei orçamentária. O importante é ter em mente que a norma se dirige aos órgãos do Estado que têm as suas ações limitadas pelo que dizem as leis orçamentárias.

El gasto público está, a su vez, normalmente disciplinado en nuestro ordenamiento, por una parte, por normas estables, permanentes, que regulan el contenido, la formación, la ejecución y el control de la ejecución del presupuesto, y por otra parte, por el propio presupuesto, que periódicamente determina, con carácter de norma jurídica, las cantidades a gastar y las finalidades del gasto.117

O autor explica exatamente o processo de positivação das despesas públicas, a começar pelas normas que regulam a formação do orçamento que, no caso do sistema jurídico

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FERREIRO LAPATZA, José Juan. Ob. cit., p. 89. 116 Idem, p. 92.

brasileiro, são as normas dispostas primordialmente na Constituição, na Lei de Responsabilidade Fiscal e na Lei 4.320. Na segunda parte, nas disposições do próprio orçamento, fixam-se as despesas discriminando aquilo que poderá/deverá ser realizado.

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