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3.3 Base de cálculo da COFINS

3.3.1 Conceito de faturamento

Roque Antonio Carrazza assevera que: “Faturamento não é um simples ‘rótulo’. Tampouco, venia concessa, é uma ‘caixa vazia’, dentro da qual o legislador, o intérprete ou o aplicador podem colocar o que bem lhes aprouver.”.42

A noção de faturamento, que figura no artigo 195, I, da Constituição Federal, como uma das possíveis bases de cálculo das contribuições destinadas ao financiamento da Seguridade Social, tem uma acepção técnica-jurídica especificamente delimitada, a qual não pode ser alterada pela lei (em sentido amplo, a fim de englobar não apenas a lei em sentido formal), tampouco distorcida pelo Fisco, conforme prevê o artigo 110, do Código Tributário Nacional:

“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo, o alcance, de institutos, conceitos e formas de Direito Privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”

A jurisprudência do STF é ressonante no sentido de que à lei tributária não é dado alterar o conteúdo semântico e o alcance de institutos jurídicos consagrados43. Isto porque, existe a presunção de que os vocábulos e os conceitos de institutos jurídicos utilizados pela legislação tributária comportam idêntica definição que a dada pelo ramo do Direito do qual foi importado, razão pela qual é completamente descabida a pretensão dos operadores de direito de dar significados diversos a esse conceito, cuja observância é imperiosa.

Roque Antonio Carrazza, citando o clássico entendimento de Gian Antonio Micheli, ex-catedrático da Universidade de Roma, leciona que:

“o Direito Tributário é um “Direito de Superposição”, na medida em que encampa conceitos que lhe são fornecidos pelo Direito Privado (Direito Civil, Comercial, do Trabalho, etc.). Assim, por exemplo, quando a Constituição, em matéria de IPTU, alude à propriedade, é preciso buscar no Direito Civil a noção de propriedade. Quando a Constituição, em matéria de ICMS, trata de operação mercantil, é preciso buscar no Direito Comercial a noção de operação mercantil.”44

Logo, tem-se que o legislador constituinte, ao se utilizar de conceitos fixados previamente pela ordem jurídica infraconstitucional, sem, contudo, excepcioná-los, redefini- los ou delimitá-los, em verdade, realiza a opção de, com espeque em seu poder constituinte 42 CARRAZZA. Op.cit., p. 480, grifado no original.

43 Neste sentido, confira-se a ementa transcrita como nota de rodapé à fl. 50. 44 CARRAZZA. Op. cit., p. 481.

originário, empregar o sentido corriqueiro dado a estes termos, seja pela doutrina, pela própria lei ou pela jurisprudência.

Com os conceitos de faturamento e receita, não poderia ser diferente. A Constituição Federal, em seu artigo 195, I, ao enumerá-los como bases de cálculo possíveis das contribuições destinadas ao financiamento da Seguridade Social, claramente utilizou-se do conceito de faturamento previsto no Direito Comercial, que o define como sendo a expressão econômica de operações mercantis ou similares realizadas pela empresa.

Esse, inclusive, é o entendimento do Ministro Marco Aurélio Mello, em trecho de voto no leading case sobre matéria abordada neste estudo, quando assevera que “as expressões utilizadas no inciso I do artigo 195 em comento hão de ser no sentido técnico consagrado pela doutrina e jurisprudencialmente.”.45

Neste diapasão, consoante lição do festejado tributarista Roque Antonio Carraza:

“O faturamento (que, etimologicamente, advém de fatura) corresponde, em última análise, ao somatório do valor das operações negociais realizadas pelo contribuinte. Faturar, pois, é obter receita bruta proveniente da venda de mercadorias ou, em alguns casos, da prestação de serviços.

Noutras palavras, faturamento é a contrapartida econômica, auferida, como riqueza própria, pelas empresas em razão de suas atividades típicas. Conquanto nesta contrapartida possa existir um componente que corresponde ao ICMS devido, ele não integra nem adere ao conceito que ora estamos cuidando.”46

Logo, o faturamento deve ser tido como o resultado ou o conteúdo econômico das vendas de mercadorias e da prestação de serviços, pois, é assim que o direito concebe o ato de faturar, conforme o regramento estabelecido pela Lei nº. 5.474, de 18 de julho de 1968.47

Em suma, faturamento sempre quer exprimir a idéia daquilo que foi objeto de uma venda comercial, ao que foi faturado, ao que foi objeto de mercancia. O art. 2º da Lei nº. 5.474/68 prescreve que, no ato de emissão da fatura, poderá ser extraída duplicata para fins de circulação comercial como uma espécie de título de crédito, sendo certo que esta documentará o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador. Assim, faturamento guarda

45 Trecho do voto do Ministro Marco Aurélio Mello, RE nº. 240.785-2/MG, Plenário, sessão de julgamento em

24/08/2006.

46 CARRAZZA. Op. cit. p. 481.

47 O artigo 1º da Lei nº. 5.474/68 obriga a emissão de fatura apenas nas vendas a prazo não inferior a trinta dias,

o que não significa que as faturas não possam ser emitidas nas vendas a menor prazo ou à vista, para as quais a emissão, portanto, é facultativa.

relação com riqueza própria do contribuinte, auferida em virtude do desempenho de suas atividades.

Entretanto, nem todas as operações de venda correspondem a uma fatura, posto que a legislação, em alguns casos, a tornou facultativa, caracterizando sua emissão, nestas hipóteses, um ato discricionário da pessoa jurídica que realiza a operação mercantil.

Logo, como hipótese de incidência da COFINS, o faturamento deve ser considerado como o ato de faturar, em sua concepção mais ampla (compreendidas as hipóteses em que a emissão de fatura se faz prescindível), confundindo-se, portanto, com o próprio ato de vender mercadorias e de prestar serviços, de sorte que, para fins fiscais, não seja restringido pela obrigatoriedade ou não do ato de faturar, porquanto deva ser compreendido, nos exatos termos do artigo 2º, da Lei Complementar nº. 70/91 como a totalidade das receitas provenientes da venda de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza.