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Na Geografia Humana, a paisagem é entendida como um produto cultural resultado do meio ambiente sob a ação humana. De acordo com Claval (2009),

A paisagem não se apresenta tão somente como um reflexo do funcionamento passado ou presente da sociedade. As relações emocionais entre a paisagem e o observador são analisadas. O papel da paisagem nas estratégias de poder e de dominação é explorado. A significação da paisagem na construção ou na preservação das identidades é ressaltada. (p. 26).

Essa perspectiva é considerada na nova abordagem cultural da Geografia que visa compreender a ação humana. Para Schier (2003) determinadas paisagens apresentam, na sua configuração, marcas culturais e recebem, assim, uma identidade típica.

Os estudos de paisagens passaram por uma transição na forma de abordagem, sobretudo a partir da década de 1980, estabelecendo o que hoje se conhece como “Nova Geografia Cultural” que é um campo da “Geografia Humana”. A paisagem passa a ser analisada dentro dessa perspectiva como um possível recorte da realidade,ou seja, como um objeto de estudo em constante transformação, composto por tempos passados e presentes, constituído de elementos construídos e naturais e, entre estes, os homens e suas relações. Tal conceito implica em escolhas subjetivas e, portanto, cheias de intencionalidades e não neutras. (SILVEIRA, 2008, p.21).

20 Tradicionalmente, os geógrafos estabelecem diferenças entre a paisagem natural e a paisagem cultural considerando as influências das questões culturais e ambientais na contextualização da paisagem. A paisagem natural refere-se aos elementos combinados de terrenos, vegetação, solos, rios e lagos, enquanto a paisagem cultural, humanizada, inclui todas as modificações feitas pelo homem como nos espaços urbanos e rurais. (SCHIER, 2003, p.80).

Diante desse contexto, Santos (2009) considera que os elementos que nos rodeiam podem ser caracterizados como naturais - que não foram feitos por nós, como rios, vales, montanhas, cachoeiras, árvores, flores - e construídos - que são criação do homem e modificados no decorrer do tempo. Ambos os elementos são imaginados e pensados como elementos de uma ideia, a paisagem. Segundo Santos (1988), tudo aquilo que nós vemos e que nossa visão alcança é paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível; não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons, etc. Tanto no ambiente natural, como no ambiente construído, a percepção da paisagem se distingue para os diferentes grupos sociais.

Nesse sentido, Del Rio e Oliveira (1999, p.97) ressaltam que “todos nós somos artistas e arquitetos de paisagem, criando ordem e organizando espaços, tempo e casualidade, de acordo com nossas percepções e predileções”. A significância da paisagem para quem observa superficialmente é muito diferente de quem a vivencia diariamente (LYNCH, 1980; TUAN, 1980). Aquele que passa por um local só tem uma ideia superficial da vida naquele ambiente, mas naqueles que convivem diariamente desperta um sentimento de pertencimento, de apropriação do espaço e sua transformação em lugar. É na vivência que desperta a familiaridade com os elementos da paisagem e se confere a ela um significado especial.

Contudo, Santos (2009) afirma que a paisagem nada tem de fixo, de imóvel, pois cada vez que a sociedade passa por um processo de mudança, a paisagem se transforma para se adaptar às novas necessidades. Assim como o espaço, a paisagem altera-se continuamente para poder acompanhar as transformações da sociedade. A forma é alterada, renovada, suprimida para dar lugar a uma outra forma que atenda às novas necessidades da estrutura social. Porém, transformações de determinadas paisagens em larga escala e sem planejamento, podem gerar impactos negativos ao meio ambiente e à população local.

Assim sendo, nesse estudo entende-se por paisagem a expressão da interação de elementos construídos e naturais e entre estes e os homens.

21 2.2 A Percepção Ambiental na Construção do Conceito de Paisagem

Os estudos de percepção ambiental no Brasil tiveram como marco inicial a publicação em 1960 do livro “A imagem da cidade” de Kevin Lynch. Posteriormente as ideias do geógrafo Yi-Fu Tuan ficaram conhecidas e foram socializadas pelas traduções dos livros “Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente”, “Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência” (1983) e “Paisagens do Medo”, realizadas pela professora Lívia de Oliveira.

Para compreensão da percepção ambiental na construção do conceito de paisagem, iniciou-se o estudo com a consideração de Santos (2009) para quem,

diante de uma paisagem, nossa vontade de apreendê-la se exerce sobre conjuntos que nos falam à maneira de cartões postais ou, então, nosso olhar volta-se para objetos isolados. De um modo ou de outro, temos a tendência de negligenciar o todo. Mesmo os conjuntos que se encontram em nosso campo de visão nada mais são do que frações de um todo. A paisagem não é muda, mas a percepção que temos dela está longe de abarcar o objeto em sua realidade profunda. Não temos direito senão a uma aparência (p. 35). Com essa definição o autor mostra que a dimensão da paisagem varia de acordo com a dimensão da percepção do sujeito que a aprecia em um dado momento. Assim sendo, Santos (2009, p.54) afirma que “a paisagem é resultado da acumulação de tempos. Para cada lugar, cada porção de espaço, essa acumulação é diferente”, ou seja, “os objetos não mudam no mesmo lapso de tempo, na mesma velocidade ou na mesma direção”. Para Del Rio e Oliveira (1999) é, portanto, o homem quem percebe e vivencia as paisagens, atribuindo a elas significados e valores, e essa compreensão se dá por meio da percepção ambiental.

Matos (2010) define percepção ambiental como sendo

o processo de interação do homem com o ambiente, compreendendo desde o momento em que este ambiente é percebido, passando pelo momento em que o homem o interpreta, e chegando ao ponto em que este ambiente assume determinado valor, seja este: positivo, negativo ou indiferente. (p. 66). Concordando com esse conceito10, considera-se que as vivências da população local do Vale do Capão, com o ambiente natural e construído, atribuem maior significância na

10

Assim entendido, o conceito de percepção confunde-se com o de cognição. Porém, alguns autores não distinguem entre os dois termos. Para efeito deste trabalho, percepção e cognição serão usados como sinônimos.

22 percepção da paisagem. A maneira como eles percebem o ambiente se distingue dos pesquisadores e turistas viajantes que se estabelecem por lá em curto período de tempo.

A relevância de se considerar a percepção dos moradores no estudo da interação entre homem e paisagem é ressaltada por Del Rio e Oliveira (1999). Para os autores, é inegável que há uma profunda diferença entre um cenário descrito e estudado, e um cenário experenciado e vivido. Esses mesmos autores defendem que “transformar uma paisagem em um conjunto de significados implica importante atividade perceptiva que organiza, seleciona e interpreta o fluxo de dados sensíveis até que alcancem uma mensagem, um significado” (p.107).

De fato, nos moradores que vivenciaram os Ciclos do Café e do Diamante, a criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina e a atividade turística, a apreensão e compreensão das mudanças no ambiente natural e construído são carregadas de um valor sentimental. Nesse contexto, Diegues (2000) considera que a percepção ambiental das comunidades tradicionais atribui a existência de uma simbiose entre o homem e a natureza, que se manifesta, tanto no campo das atividades do fazer, do conhecer e das técnicas patrimoniais, quanto no campo simbólico.