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Capítulo 1 – Revisão da literatura

1.7. Os ”Neo-rurais” / Jovens Agricultores e os apoios comunitários

1.7.3. Conceito de “neo-rural”

“'Povoamento neo-rural' é o termo escolhido para “designar a expressão territorial deste movimento social de retorno ao campo, que é hoje um objeto de estudo estimulante para a geografia e para o planeamento, devido ao seu impacte no território” (Leal, 2014, p. 7). Contudo, o termo “neo-rural”, muito referido na sociedade e difundido nos meios de comunicação social, pode ter diferentes interpretações, razão pela qual vamos tentar defini-lo.

Começando por Maria Roca, verificamos que para este autor “neo-rurais” “são os indivíduos provenientes de meio urbano que, motivados por razões socioeconómicas, culturais

e/ou ambientais, mudaram pela primeira vez ou regressaram ao meio rural, sendo que residem e/ou exercem atividades agrícolas ou não agrícolas no campo” (Roca, 2011, p. 7).

Não sendo, porém, consensual, dada a sua complexidade e diversidade de situações, sucedem-se outras definições que incluem distintas funções, contextos e dinâmicas. Assim, outros autores referem que os “neo-rurais” são:

 “Uma nova classe de pessoas que, tendo nascido na cidade, optam por viver no campo, aproveitando o melhor de ambos os mundos. Estas pessoas procuram, nas zonas com menor concentração populacional o contacto mais próximo com a natureza, uma maior qualidade de vida” (Azevedo, 2010b, p. 82);

 “People of different ages and profiles that decide to move back, or simply to move for the first time to rural areas” (Parlementaire, 2007, p. 135);

 “Urbanos instalados no campo” (UE – Observatório Europeu Leader);

 “Indivíduos que viviam nas cidades e passam a buscar o campo como espaço de residência, em função, sobretudo, da tranquilidade e da proximidade com a ‘natureza’” (Candiotto & Corrêa, 2008, p. 240);

 “Os “neo-rurais” não vivem, geralmente, no campo, têm uma cultura pro-campo, são amigos do campo mesmo vivendo na cidade grande” (A. Covas, 2009, p. 7);

 “Indivíduos que se instalaram recentemente na Serra [da Lousã] e possuem um padrão de comportamento que se aproxima da cultura hippie” (Dinis, Isabel et al., 2001, p.9);

 “Proprietários de segundas residências ou residência habitual no espaço rural” (Roca, 2011, p. 6).

O movimento de migração do espaço urbano-rural tem algum historial, sendo apontado o seu início no ano de 1968. Embora tenha durado apenas até meados da década de setenta na Europa do Norte e Ocidental, foi particularmente importante em França (Carneiro, 2008; Giuliani, 1990; Roca, 2011), em áreas envelhecidas e despovoadas transformando-se os novos residentes em “importantes agentes de desenvolvimento local, devido ao seu capital cultural e

experiência” (Roca, 2011, p. 4).

Hoje em dia, existe uma exibição da imagem do “neo-rural” que despertou curiosidade e atenção(Soares, 2013), até porque as representações mediáticas dos “neo-rurais” surgem como

um recurso que favorece a revitalização do espaço rural (Leal, 2014), apresentando-os como construtores de novas dinâmicas territoriais (Dora et al., 2011). Na realidade existe “uma tendência ideológica que é proclamada pelos meios de comunicação social, que todos os dias

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nos fazem chegar casos de “sucesso fulgurante”, destas incursões urbanas pelo espaço rural, um fenómeno que tende a transmitir uma certa imagem galvanizadora de uma perfeita conjugação do tradicional e do moderno” (Reis, 2014, p. 8).

Desta forma, a junção plena entre a articulação do território urbano e rural, associa-se à imagem da “pluriatividade do jovem empresário agrícola (…) como reflexo de uma nova realidade em que a atividade agrícola passou a cruzar-se frequentemente com o exercício de profissões qualificadas e caracteristicamente urbanas” (Soares, 2013, p. 12).

Posto isto, importa agora perceber os novos atores deste movimento demográfico, reunindo as causas da mudança territorial e de estilo de vida. Tendo em conta o processo de contra-urbanização, relacionado com os “neo-rurais”, Mitchell (2004) segmenta em três tipologias, que serão aqui completadas por outros autores, tendo por base as motivações:

 A “ex-urbanization”- expõe a migração de uma classe, considerada média, para áreas com boa acessibilidade, com pretensões de fuga ao meio urbano e atraída por amenidades rurais. Consideram-se aqui “os residencialistas pendulares, em descompensação, para quem o campo é uma suave recarga biológica” e “os peri- urbanistas para quem o campo de proximidade é uma compensação suficiente para um dia de trabalho”, como alude também A. Covas (2009, p. 6);

 A “displaced-urbanization” – relata a migração forçada por razões económico- financeiras, como a mudança de local de trabalho e a necessidade de reduzir o custo de vida e a despesa com a habitação;

 A “anti-urbanization” – representa a migração de populações urbanas motivadas pela ânsia de trabalhar e viver em espaços mais pequenos, rurais. Neste ponto, englobam-se várias subdivisões tendo por base diferentes motivações que, segundo Mitchell (2004), são de três tipologias:

o O movimento social de retorno às origens, ao campo, que inclui uma procura por uma maior qualidade de vida e um estilo de vida diferente do anterior. “Os nostalgistas românticos, tradicionalistas, para quem o campo é um campo de recordações e recolhimento (…), as famílias inquietas para quem o campo ainda é um repositório de valores, princípios e segurança e, portanto, um projeto de vida (…), os agricultores integralistas para quem o campo é uma espécie de regresso à terra-mãe biológica”, como também reforça A. Covas (2009, p. 6). Assim, “há quem só encontre sossego e tranquilidade quando está nas áreas rurais, sendo vistas pelos urbanos como espaços de memória,

herança cultural, segurança, qualidade de vida e de liberdade” (Reis, 2014, p. 8). É referido ainda por Giuliani, como a “‘nostalgia pelo rústico’ como resultado de um processo de profundas transformações no campo e, longe de ser abordada simplesmente como uma aglomeração de conceções reacionárias da vida social, é vista como uma possível superação dos estereótipos ligados aos produtores rurais e a seus métodos produtivos” (Giuliani, 1990, p. 5). o Os novos rurais que ainda em idade ativa, procuram melhorar a qualidade de

vida alterando o seu local de residência e atividade profissional. Como menciona A. Covas (2009, p. 6) “os empresários pró-ativos para quem o campo é um campo imenso de oportunidades de negócio e nichos de mercado”, ou como escreve Reis (2014, p. 8), “por razões de desemprego ou de reforma, associado, em parte, a uma disponibilidade de casas e terras, optam pela transição para o mundo rural para a concretização dos seus projetos de vida, representando para alguns dos jovens empreendedores uma oportunidade para iniciar a sua primeira atividade profissional”.

o A migração de reformados atraídos pelas amenidades rurais das áreas de baixa densidade. “O aproveitamento das amenidades dos territórios rurais tem vindo a contribuir para a alteração das suas dinâmicas” (Azevedo, 2010a, p. 2) e “a valorização e preservação das amenidades rurais tem sido, cada vez mais, identificada como uma fonte de atração da população urbana para o campo” (Silva 2009, p. 60). “Os ecologistas militantes para quem o campo é um campo privilegiado para o combate em nome das grandes causas (...), os investidores do carbono para quem o campo é um depósito precioso e valioso para o sequestro do carbono (…), os investidores em microgeração e energias alternativas para quem o campo é uma fonte inesgotável de recursos renováveis” (A. Covas, 2009, p. 6), enquadram-se nesta migração.

Como facilmente se afere, as motivações da transição demográfica urbano-rural são muitas e variadas (Reis, 2014). Então, por norma, os motivos da migração, refletem uma causalidade assente na racionalidade e em critérios económicos, ou em aspetos afetivos “associados a novos estilos de vida e a anseios simbólicos por comunidade, contacto com a natureza e práticas de consumo mais responsáveis -configurando um espectro de propostas diversas, mais ou menos arrojadas, para o aprofundamento da sustentabilidade” (Leal, 2014, p. 21). Esta mudança, estrutura-se numa “volta às relações diretas com a natureza, a ciclos

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produtivos e tempo de trabalho mais longos e menos rígidos, ao ar puro e à tranquilidade, assim como o desejo de relações sociais mais profundas e, sobretudo, da autodeterminação” (Giuliani, 1990, p. 2).Estas motivações, são ainda mais amplificadas “pela degradação das condições de vida nas cidades” (Reis, 2014, p. 8) e pelas imagens simples e puras do mundo rural perfeito (Domingues, 2012).

Os novos rurais apresentam inúmeras valências e competências, uma vez que transportam experiências, mais instrução formal e uma maior sensibilidade para as questões sociais e ambientais (A. Covas & Covas, 2011), para além de estilos de vida mais solidários, mais humanos e a aposta num maior equilíbrio com a natureza e o ambiente. Estamos, portanto, perante um homem de duas culturas, itinerante e pendular, destacando-se pela sua mobilidade (Reis, 2014),isto é, “eles são ― incursionistas do mundo rural em momentos diversos do seu ciclo de vida. São eles que transformam o paradigma do mundo rural, de espaço produtor para espaço produzido, por via das suas inúmeras representações e encenações do mundo rural” (A. Covas, 2007, p. 6).

Nestas circunstâncias, são protagonizadas novas formas de sociabilidade e de apropriação do espaço. “Independentemente de as formas de sociabilidade obedecerem a uma lógica que muitas vezes é trazida de fora (meio urbano), não incorporando os hábitos e tradições locais” (Dinis et al., 2001, p. 16), “os ‘neo-rurais’ podem trazer alterações aos laços sociais rurais mas, no entanto, apesar da sua generalização, estes hábitos e valores de cariz urbano tendem a ser interpretados e assimilados à luz da cultura local e dos modos de vida tradicionais preexistentes” (Carmo, 2009, p. 297).

Como referido, o facto de os “neo-rurais” terem valências e experiências diferentes “não implica, necessariamente, uma rutura decisiva no tempo nem no espaço” (Carneiro, 2008, p. 33), sendo que as “novas experiências engendradas por esse processo se nutrem de uma diversidade social e cultural que, por sua vez, alimentam as trocas, enriquecendo os bens (culturais e simbólicos) e ampliando a rede de relações sociais” (Carneiro, 2008, p. 33). Não obstante, em meios rurais mais pequenos, a chegada de novos residentes pode gerar desconfiança, surgindo conflitos relacionados com as novas apropriações do espaço (Dinis et al., 2001). Assim sendo, apesar de, por vezes, existirem divergências e incompatibilidades quanto a formas de ser e estar no meio rural, o facto de os novos rurais estarem associados, simultaneamente, ao rural e ao urbano, resulta num contributo importante para o esbater de diferenças cidade-campo.

Por último, os novos rurais podem não ser os únicos atores “com capacidade para contrariar o despovoamento, envelhecimento e empobrecimento das áreas rurais, mas com certeza podem ser considerados como mais um meio para atingir esses fins” (Candiotto & Corrêa, 2008, p. 240). O papel que estes podem desempenhar, pode ser fulcral, por exemplo, no desenvolvimento rural endógeno (A. Covas & Covas, 2012; Roca, 2011) e “dado que, uma das principais metas do ordenamento do território é gerir a sua ocupação com vista ao uso dos seus recursos humanos, culturais e naturais, garantindo a sua sustentabilidade, o aproveitamento das tendências migratórias podem ser uma base de promoção para uma diferente e benéfica ocupação do espaço” (Ribeiro, 2013, p. 5).

Em jeito de resumo, facilmente se verifica que existe uma multiplicidade de questões relacionadas com estes novos atores do mundo rural, desde a sua definição, à representação, às motivações, passando pelo estilo de vida, formas de sociabilidade e benefícios, entre outros. Naturalmente se percebe que, de várias formas, os novos rurais podem dinamizar e contribuir para um maior dinamismo social, económico e até cultural em espaços rurais.