• Nenhum resultado encontrado

CAP˝TULO

4. CONCEITO DE TRAUMA EM KOHUT

Para Kohut (1971, 1977) os indivduos depen dem essencialmente das relaıes com os outros para se constiturem psquica e fisicamente com uma crescente sensaªo de integraªo, segurana, auto-estima e realidade ao longo da vida . No entanto, o autor (1971) contempla tambØm a possibilidade de existirem factores genØticos herdados que contribuem para uma tendŒncia do aparelho psquico de manter ou nªo um self coeso. Na sua experiŒncia clnica, havia pacientes que tinham crescido em ambientes familiares manifestamente catastrficos, mas que no entanto, nªo se mostravam tªo perturbado s como era esperado, As vicissitudes do desenvolvimento psicolgico normal e anormal s sªo inteligveis se consideradas, nªo como devido a incidentes isolados na vida da crian a, mas como resultado de interacªo de diversos factores etiolgicos. (Kohut 1971, p.56).

O autor (1971) considera, que Ø a interacªo das caractersticas psicolgicas herdadas, juntamente com a personalidade dos pais, mais do que os grandes eventos traumÆticos isolados, que durante o crescimento vªo predispor a criana a uma maior ou menor vulnerabilidade perante situaıes adversas.

Kohut assenta o seu pensamento na teoria do self como uma entidade que se edifica e consolida a partir da experiŒncia com um meio ambiente que contenha empatia e capacidade de admiraªo.

O autor refere (1971) que a diferena entre a perturbaªo narcsica da personalidade e a psicose reside sobretudo na influŒncia dos factores genØticos que, no caso da perturbaªo narcsica, impedem que haja uma desintegraªo irreversvel do self arcaico ao c ontrÆrio da psicose. Para Kohut (1971, 1977), deve haver um ambiente empÆtico, desde a primeira infncia atØ fase edipiana. O autor salienta o pa pel da mªe no inicio da vida, a qual deve providenciar as primeiras necessidades corporais de integraªo, tranquilidade, consolo, segurana, confiana e empatia, para que se inicie de modo positivo o percurso de desenvolvimento rumo a um self coeso.

Como veremos mais adiante, Kohut (1971) traz-nos um novo conceito, o de falha ideal, a qual corresponde a pequenas decepıes cuja gravidad e traumÆtica Ø moderada e que se

revelam essenciais para mudana de Œnfase que Ø dada ao self objecto. Sªo estas falhas necessÆrias, tambØm chamadas de frustraªo ptima, que retiram gradualmente a idealizaªo do objecto transformando-a numa internalizaªo das suas funıes especficas reguladoras e canalizadoras da tensªo originada pelos instintos.

O que possibilita a formaªo destas estrutura s Ø a capacidade maturacional do aparelho psquico, a qual, por sua vez, Ø fundada nas experiŒncias entre a criana e os self objectos que deverªo ser adequadas a cada fase do desenvolviment o. Se a criana sofre graves traumas narcsicos entªo as suas estruturas primÆrias, o self grandioso e a imago parental idealizada nªo serªo integradas na personalidade, o indivduo continua a lutar por objectivos arcaicos atravØs de relaıes fusionais sem atingir um self m aduro capaz de se equilibrar narcisicamente.

Kohut (1971) fala-nos da perturbaªo narcsic a da personalidade como uma patologia que se edifica a partir de falhas empÆticas graves que se revelam decepcionantes e traumÆticas e que promovem uma paragem no desenvolvimento com dinmicas regressivas, como Ø o caso das intrusıes, das separaıes, da falta de admiraª o de orgulho manifesto dos pais em relaªo as pequenas conquistas da criana.

Para que os indivduos nªo precisem durante toda a vida da confirmaªo sistemÆtica do seu narcisismo pelos outros Ø necessÆrio que as experiŒncias com os self objectos sejam integradas gradualmente de forma simblica. Para aj udar a compreender como se edifica o narcisismo pessoal irei descrever com maior detalhe o processo de desenvolvimento emocional e as vicissitudes que se podem impor durante a vida.

4.1 - DESENVOLVIMENTO EM KOHUT

Kohut (1971, 1977) apresenta-nos o self como um nœcleo, que s desenvolve na experiŒncia com os outros. O self Ø uma essŒncia que caminha no sentido de uma sensaªo crescente de estarmos integrados com as nossas ambiıes e ideais e para que este fim seja alcanado Ø essencial a existŒncia de outros que nos cuidem e que permitam que um narcisismo pessoal na criana se consolide.

No incio da vida hÆ um nœcleo primÆrio, o que o autor denominou de self nuclear, onde reside toda a espontaneidade de um mundo pessoal, a qual irÆ se consolidar em interacªo com os objectos exteriores, ou seja, nas respostas empÆticas, no espelhamento positivo dos cuidadores e na concretizaªo de ambiıes pessoais. O fim œltimo desta necessidade de

interacªo positiva que consolida a auto-estima e a integridade Ø a de formar um indivduo psiquicamente equilibrado, satisfeito consigo prpr io, resistente Æs adversidades e detentor de um self coeso. Kohut (1971, 1977) caracterizou a coesªo do self como uma sensaªo de viver lealmente de acordo com as ideias e vontades mais pessoais e tambØm por uma crescente sensaªo de estar integrado no tempo e no espao co rporal e fisicamente.

O self nuclear tambØm se inicia na fantasia dos pais quando estes comeam a formar as primeiras expectativas em relaªo criana, as qua is, juntamente com a interacªo estabelecida, vªo-se revelar decisivas a nvel de e quilbrio psquico e emocional.

No seu texto Consideraıes introdutrias (1 971), Kohut refere que no incio da vida o bebØ encontra-se num estado de perfeiªo narcsica , sendo que o seu self nªo estÆ estruturado. O bebØ investe o outro narcisicamente e experiencia-o como indiferenciado de si. indispensÆvel a existŒncia inicial de um outro que permita ao bebØ usufruir de uma sensaªo de fusªo e de omnipotŒncia, sªo os self ob jectos arcaicos. Eles cumprem as funıes bÆsicas e devem ser empÆticos para com estas necessidades, corporais e psquicas, devem ser estÆveis nas suas funıes, as quais sªo impossveis de ser executadas pelo bebØ e permitir assim o incio de uma relaªo de confiana.

Aps ser mantida esta primeira fase de estad o de perfeiªo narcsica, Ø esperado que continue a haver uma interacªo positiva entre o se lf nuclear do bebØ e os self objectos, os quais devem comear desde logo por encorajar as pot encialidades mais arcaicas do self nuclear. Os pais deverªo empaticamente ajudar a eme rgir dois novos eixos indispensÆveis para a edificaªo de um narcisismo saudÆvel, o self grandioso e a imago parental idealizada. O self grandioso surge quando os self objectos espelham orgulhosamente os primeiros impulsos exibicionistas da criana permitindo que s e edifique uma fantasia de grandiosidade em relaªo a si prpria. Esta fantasia significa qu e a criana esta a consolidar as primeiras ideias, o que irÆ facilitar a idealizaªo futura da imago parental, a qual deve transmitir criana a existŒncia de pais fortes, confiÆveis e seguros. Sªo estas, segundo Kohut (1971) duas instancias primÆrias transicionais.

O autor afirma (1971) que, com a possibilidade de realizar estas primeiras idealizaıes, esta aberto o caminho gradual para uma saudÆvel conversªo das mesmas em auto-estima, auto-confiana e concretizaªo de ambiıes pessoais , valores e padrıes de comportamento. Como foi mencionado anteriormente, tendo em conta os factores genØticos, o self nuclear esta apto para se desenvolver naturalmente no sentido da busca de satisfaªo dos seus ideais. Sªo as reacıes da mªe s primeiras necessidades da criana que vªo ditar a forma como se

irÆ relacionar com as vicissitudes e como irÆ gerir as situaıes adversas que possam gerar tensıes.

Kohut (1971) traz-nos um novo conceito, o de uma falha empÆtica que se revela ideal, ou

seja, o autor diz-nos que no crescimento emocional e narcisismo ideal, a criana deverÆ passar por decepıes pequenas nªo gravemente traumÆ ticas, as quais vªo originar pequenas desilusıes com o objecto idealizado, fazendo com qu e passe gradualmente de uma idealizaªo do outro para uma noªo cada vez mais r ealista das suas funıes.

Ainda no mesmo texto, o autor refere-nos que, em consequŒncia destas falhas ideais, o aparelho psquico do bebØ, vai fragmentar os vÆrios aspectos do objecto idealizado, retira a idealizaªo desse aspecto do objecto que falhou e m uda a sua Œnfase para uma internalizaªo das suas funıes especificas. O que Kohut (1971, 19 77) chamou de frustraªo ptima, cujo resultado Ø entªo a transformaªo dos aspectos idea lizados do objecto em estrutura psquica.

O mais importante aspecto do relacionamento inicial mªe-criana Ø o princpio da

frustraªo ideal. Decepıes tolerÆveis no equilbri o narcsico primÆrio preexistente

levam ao estabelecimento de estruturas internas que fornecem a capacidade de auto consolo e a aquisiªo de tolerncia de tensªo bÆsic a no domnio narcsico. (Kohut, 1971, p.64).

Deste modo, se a falha nªo for total, o bebØ vai poder transformar a imagem que tinha do self objecto atØ ao momento, por uma auto suficiŒncia gradual. A este processo Kohut (1971) deu o nome de, internalizaªo transmutadora.

Embora no incio da vida, o papel da mªe seja de gr ande importncia, Kohut (1971), salienta o facto de que, atØ fase edipiana (inclu sive), a criana ainda esta numa posiªo vulnerÆvel e em que uma falha empÆtica nesta fase pode ser promotora de um retrocesso no desenvolvimento, caracterizado por uma perigosa regressªo narcsica de fusªo a objectos arcaicos idealizados. Esta Ø uma fase igualmente promotora de traumas psquicos semelhana das fases iniciais de desenvolvimento e neste sentido o autor (1971) considera que:

Como a criana pequena nªo tolerarÆ nenhuma separa ªo quando sentir que a mªe poderia tornar-se irrecuperavelmente perdida, assim a idealizaªo do super ego Ø novamente abandonada no inicio da latŒncia quando o objecto idealizado parece irrecuperavelmente perdido. (Kohut 1971, p.50).

A ausŒncia de respostas adequadas por parte da mªe em relaªo necessidade de se sentir admirada, aceite e estimulada narcisicamente, pode fazer com que a criana se volte para a figura do pai mas com um investimento excessivo que origina uma hiper idealizaªo, como refere Kohut (1971). Se for este o caso, as decepıes a partir de agora com esta figura extremamente idealizada revelam-se traumÆticas e capazes de provocar uma regressªo a fixaıes antigas narcsicas. Kohut (1971) salienta no texto A TransferŒncia idealizadora, que este perigo traumÆtico Ø capaz de originar uma falha estrutural permanente na maturaªo do narcisismo.

Nos distœrbios narcsicos da personalidade existem pais que nªo compreenderam as necessidades da criana. A decepªo constante sofri da com uma mªe nªo empÆtica revela-se uma das possveis falhas que nªo permitem que se in stalasse uma idealizaªo. Muitos destes pais sofrem tambØm de deficiŒncias a nvel do seu narcisismo pessoal e deste modo comprometem a dedicaªo e o respeito pelas naturais necessidades de crescimento do narcisismo dos filhos.

Enquanto nªo estiver concluda a fase edipia na com o gradual desinvestimento da imago parental idealizada, a criana pode a qualquer mome nto regredir a uma figura prØ-estrutural idealizada. Esta fase deverÆ estar repleta de conquistas e de auto-afirmaªo e ao pai idealizado, cabe o papel de se mostrar feliz e orgulhoso pelos primeiros movimentos de autonomia e independŒncia da criana sem projecıes negativas. portanto psiquicamente vital a criana nªo vivenciar este perodo com dece pıes e sofrimento. A este respeito o autor refere, A retirada macia mas adequada Æ fase, das catexias narcsicas do objecto edipiano leva Æ internalizaªo dessas catexias e a sua liga ªo das funıes aprovadores e proibidas do super ego, como valores e ideais. (Kohut 1971, p.5 3).

Revelam-se traumÆticas as falhas do self objecto que conduzem a uma desidealizaªo abrupta, as quais tŒm como consequŒncia a incapacidade do self em se estruturar gradualmente atravØs do processo de internalizaªo transmutadora acima referido.

Se os self objectos quebram a idealizaªo de forma macia, o aparelho psquico da criana nªo conseguirÆ desidealizar o self objecto que falhou e e vai mantŒ-lo internalizado de forma idealizada e reprimida para o inconsciente. aqui que ficam gravemente comprometidas as capacidades da criana em, vir a t er uma noªo cada vez mais realista das funıes do objecto e tambØm de regular as suas prp rias tensıes.

Segundo o autor (1971, 1977), a empatia dos pais ao longo do desenvolvimento Ø essencial para que a criana consolide as estrutura s controladoras de impulsos. As decepıes

traumÆticas com o self objecto idealizado podem interferir seriamente com a futura autonomia do aparelho psquico em manter o equilbr io narcsico e com a modificaªo das estruturas arcaicas que passam pela dominaªo, neut ralizaªo e diferenciaªo

O autor (1971) clarifica-nos trŒs tipos de consequŒncias destas falhas no decorrer das fases de desenvolvimento emocional:

Existe uma falha muito precoce no relacionamento com o objecto idealizado que predispıe a uma fraqueza estrutural generalizada. N este caso, houve uma mªe que nªo ofereceu uma barreira de estmulos adequada nem uma gratificaªo aliviadora de tensªo e que enfraqueceu a capacidade bÆsica da psique de manter a homeostase narcsica. A criana poderÆ sofrer uma vulnerabilidade narcsica difusa.

Assim como na primeira falha, tambØm na segunda ainda encontramos a criana em fases prØ-edipianas. Neste caso a decepªo com o objecto idealizado interfere com a implementaªo da estrutura bÆsica capaz de controla r e neutralizar os instintos. As consequŒncias comportamentais podem ser a ressexualizaªo dos derivados do instinto, por exemplo, em fantasias e perversıes. Por exemplo, em indivduos que regrediram e se fixaram num self grandioso, sªo correntes manifestaıes de arrogncia e sadismo.

Por œltimo, quando a criana se encontra na fa se edipiana (considerando que houve constantes decepıes como o objecto prØ-edipiano), se este ultimo investimento na imago parental for tambØm traumaticamente destrudo, entª o a idealizaªo do super ego fica incompleta. Vamos ter um indivduo fixado na procur a das funıes do self objecto arcaico e o relacionamento com os outros serÆ feito, nªo por amor mas por necessidade, como complemento para as lacunas da estrutura psquica.

Devido a estas decepıes relacionais traumÆti cas precoces, a capacidade bÆsica da psique de manter por si s o equilbrio narcsico fica com prometida. Os indivduos com perturbaıes narcsicas da personalidade revelam-se adultos emocionalmente desequilibrados. Hiper investem em comportamentos que outrora nªo fo ram estimulados e aceites pelos pais, como por exemplo, a falha empÆtica de consolidaªo de um self grandioso pode predispor o indivduo a um comportamento sexual compulsivo, sÆdico e tirnico. A utilizaªo sistemÆtica dos outros para o engrandecimento pessoal. No caso da decepªo com a imago parental idealizada podemos verificar indivduos, que mentem quando descrevem o pai elogiando os seus feitos, hÆ tambØm indivduos que se tornam delinquentes e se juntam em grupos cujo lder pela sua personalidade pode ser idealizado.

Khut fala-nos sobretudo de uma angœstia com grandes dificuldades psquicas em manter a auto-estima e regular as tensıes perante situaıes que despertem lembranas de decepªo e

Documentos relacionados