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Para se analisar a vulnerabilidade e seu impacto sobre o consumidor no comércio eletrônico é necessário observar as condições que levaram a vulnerabilidade a ser erigida como princípio constitutivo do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, como princípio que fundamenta todo sistema de proteção ao consumidor.

Com a Revolução Industrial61, a linha de produção passou a independer da capacidade laboral do individuo singularmente considerado. Isso foi revolucionário, tendo em vista que a partir da produção massificada e padronizada, a individualidade do trabalhador perdeu valor, já que não mais importava quem operava as máquinas.

Houve progressão geométrica do volume de produtos e a relação entre produtor e consumidor passou a ser realizada de maneira mediata. Essa impessoalidade entre produtor e consumidor é hoje levada ao extremo, com a Internet, logo, pode-se afirmar que no modelo de produção industrial, a concentração das estruturas produtivas gerou hipertrofia e o fortalecimento das empresas e indústrias, de maneira a tornar o consumidor vulnerável.

61PERIN JUNIOR, Ecio. A Globalização e o Direito do Consumidor. Rio de Janeiro. Manole Ltda., 2003, p. 15.

Tendo em vista as práticas publicitárias descritas no capítulo anterior, não é difícil notar que o consumidor por vezes pode se encontrar desamparado perante uma prática ilícita realizada através do comércio eletrônico, restando clara a sua vulnerabilidade na relação de consumo.

Um conceito válido de vulnerabilidade é aquele dado por Rizzato Nunes62de que a vulnerabilidade é uma fraqueza, uma fragilidade real, e concreta advinda de uma disparidade de ordem técnica e de ordem econômica entre fornecedor e consumidor, cabendo ainda se falar em graus, pois se tem por base o homem típico. Também cabe ressaltar que a vulnerabilidade é presumida quando a pessoa é física.

Pode-se afirmar que a vulnerabilidade é o princípio constitutivo do Código de Defesa do Consumidor, visto que é ela que dá sentido à proteção do consumidor que de outro modo seria inconstitucional, pois estaria em conflito com o principio da isonomia contido na Constituição Federal (art. 5º, caput, CF), sendo regulada no art. 4º, I, CDC que estabelece a política nacional das relações de consumo.

O Superior Tribunal de Justiça63 também tem utilizado o conceito de vulnerabilidade com o escopo de definir se a pessoa jurídica é ou não destinatária final, matéria esta longe de estar pacificada, havendo ora decisões no sentido de adoção da teoria maximalista (CC 41.056/SP), ora decisões que acolhem a teoria finalista (REsp 541.867).

Tal dificuldade se dá, conforme abordado anteriormente, devido o art. 2º CDC conceituar consumidor como sendo pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final; não estabelece o que vem a ser destinatário final,

62 NUNES, Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. Saraiva, 2004, p. 125.

63ANDRIGHI, Fátima Nancy. O CDC e o STJ. Disponível em http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/696. 4-09-2008.

tarefa esta que foi preenchida pela doutrina e jurisprudência que criaram as figuras da destinação final econômica e fática. Como citado acima, o STJ atualmente além de analisar se a pessoa jurídica é destinatária final fática e econômica, analisa se a mesma é vulnerável.

Vulnerabilidade também não se confunde com hipossuficiência64, pois a vulnerabilidade é um principio, logo toda pessoa qualificada como consumidora é vulnerável por presunção legal. Contudo, nem todo consumidor é hipossuficiente, a análise é feita de maneira casuística pelo magistrado, tendo em vista que este de acordo com regras de experiência, como por exemplo, o caso de litigantes habituais, pode inverter o ônus probandi.

A vulnerabilidade também não implica em uma desproporcionalidade na relação de consumo, tendo em vista as prerrogativas de que goza o consumidor no Código de Defesa do Consumidor, por que o fornecedor já está em posição de vantagem em relação ao consumidor, pois detém, por exemplo, o conhecimento técnico sobre seu produto ou serviço, conhecimento este que escapa ao alcance do consumidor.

É o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado que legitima o legislador a fornecer uma série de mecanismos65·, tais como a instituição da responsabilidade objetiva e possibilidade de inversão do ônus da prova, bem como a criação de órgãos como o PROCON (Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor), com o escopo de tornar a relação paritária, sendo certo que ainda assim, por vezes, os consumidores são lesados nos seus direitos.

Destarte, no comércio eletrônico esta desvantagem é acentuada devido o mundo digital ser um mundo desconhecido para o consumidor, que através de um mero clique

64 MORAES, Paulo Valério Dal Pai. CDC: O princípio da vulnerabilidade no contrato, na publicidade e nas demais práticas comerciais. 2. ed. Porto Alegre. Síntese, 2001, p. 100.

65 BENJAMIN, António Herman, et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2005, p. 54.

pode firmar um contrato virtual com um fornecedor que por vezes não se encontra nem no mesmo país.

A grande pergunta a se fazer é saber o quanto a vulnerabilidade, já existente em qualquer relação de consumo, é ampliada através da web-publicidade feita pela Internet, pois de outra forma pode se tornar o CDC obsoleto ante a nova realidade virtual. Deve se levar em conta o impacto que a vulnerabilidade acarreta no mercado de consumo como bem coloca Sergio Cavalieri Filho:

O que se busca através dessas novas regras e princípios- repita-se -é o restabelecimento do equilíbrio nas relações de consumo. Não sendo possível colocar milhões de consumidores em uma sala de aula para que tomem conhecimento de seus direitos, o Código estende sobre todos uma espécie de manto jurídico protetor, para compensar sua vulnerabilidade. Ai está, em síntese, a finalidade do Código de Defesa do Consumidor.66

A finalidade do Código de Defesa do Consumidor é a de proteger a parte mais fraca da relação, pois esta é vulnerável, contudo o advento do comércio eletrônico redefiniu o conceito de vulnerabilidade, visto que o déficit informacional é elevado ao extremo. Assim, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é de vital importância para efetiva tutela dos direitos do consumidor.

O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, tem decidido que a cláusula de eleição de foro estipulada em contrato de adesão ainda que aceita pelo consumidor não o impede de propor a demanda no seu domicílio, tendo em vista a sua vulnerabilidade, como pode se notar no voto do ministro João Otavio Noronha no julgamento do REsp 1032876/MG:

“... assim sendo, entendo que a legislação consumerista, vislumbrando os princípios da facilitação da defesa e de acesso à justiça, concedeu ao consumidor, como condição pessoal ante sua vulnerabilidade e

hipossuficiência na relação de consumo, a prerrogativa exclusiva de ajuizamento da demanda no foro do seu domicílio.” 67

Esta preocupação com os denominados contratos de adesão apenas ilustra a importância que vem sendo dada ao reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor pelos Tribunais brasileiros, sempre com o escopo de se proteger o consumidor.

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