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Conceitos e características de transdisciplinaridade

4 INTERAÇÕES ENTRE DISCIPLINAS

4.4 Transdisciplinaridade

4.4.3 Conceitos e características de transdisciplinaridade

Muitos conceitos, tipologias e taxonomias surgiram a partir das muitas reflexões e estudos sobre as abordagens ditas integrativas, incluindo a transdisciplinaridade, que surgiu mais recentemente. Segundo Nicolescu (2000), a transdisciplinaridade,

como o prefixo “trans” o indica, diz respeito ao que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de toda disciplina. Sua finalidade é a compreensão do mundo atual, e um dos imperativos para isso é a unidade do conhecimento (PROJETO CIRET- UNESCO, 1997, p. 4)

Brenner (2005), afirma que a transdisciplinaridade

diz respeito ao homem, ao homem e a realidade da qual ele é parte. Transdisciplinaridade está relacionada, portanto, ao sucesso do homem – progresso e criatividade, mas também às falhas e regressões, ou virtudes e vícios na expressão tradicional (BRENNER, 2005, p. 4).

22 “Nenhum sistema formalizado complexo pode encontrar em si mesmo sua própria prova” (MORIN, 2007, p.187)

Domingues et al. (2001) afirmam que, além dos sentidos apontados na primeira definição que remetem “para além”, “passagem”, “transição”, “mudança”, “transformação” etc., o termo também refere-se a:

aquelas situações do conhecimento que conduzem à transmutação ou ao traspassamento das disciplinas, à custa de suas aproximações e frequentações. Pois, além de sugerir a ideia de movimento, da frequentação das disciplinas e da quebra de barreiras, a transdisciplinaridade permite pensar o cruzamento de especialidades, o trabalho nas interfaces, a superação das fronteiras, a migração de um conceito de um campo de saber para outro, além da própria unificação do conhecimento (DOMINGUES et al., 2001, p.18).

A transdisciplinaridade é fortemente associada à solução de problemas, por alguns autores, representando “tanto uma resposta a um problema como uma única mistura que é mais que a soma de suas partes”, ligada também à dissolução das fronteiras disciplinares, (SOMERVILLE; RAPPORT, 2000, p. xi). Nessa mesma linha, Klein (2000) diz que a transdisciplinaridade é percebida de várias maneiras: como uma visão de conhecimento, uma teoria ou conceito particular, um método específico ou uma estratégia essencial para tratar problemas complexos do mundo contemporâneo. É chamada também por nomes diversos, como “não-disciplinar”, “adisciplinar”, “metadisciplinar”, “supradisciplinar”, “extradisciplinar” e “transespecialização”.

Segundo Nicolescu (2001, 2003, 2007) a transdisciplinaridade é um novo tipo de conhecimento “in vivo”, ou um novo movimento filosófico, fundado em três axiomas:

1. O axioma ontológico: existem, na natureza e no nosso conhecimento de natureza, diferentes níveis de realidade do objeto e, correspondentemente, diferentes níveis de percepção da realidade do sujeito.

2 . O axioma lógico: a passagem de um nível de realidade para outro é assegurado pela lógica do terceiro incluído.

3 . O axioma epistemológico: A estrutura da totalidade de níveis de realidade e percepção é uma estrutura complexa: todo nível é o que é porque todos os níveis existem ao mesmo tempo. (NICOLESCU, 2003, p.1).

Para Domingues et al. (2001), a transdisciplinaridade surge como nova prática científica fundada não mais no generalista, porque não se acredita mais no retorno ao holístico pré-científico, nem no especialista, por se considerar esgotada a sua experiência isolada no seu individualismo. Ela estaria centrada na articulação e na

unificação do conhecimento, respeitando-se a diversidade dos conteúdos e das especialidades. Na transdisciplinaridade, as relações são estabelecidas verticalmente, de maneira que a multiplicidade de suas vertentes se submete à unidade complexa de seu objeto, constituído através de um movimento ascendente, de generalização (MACHADO, 1995).

As principais características das experiências transdisciplinares, segundo Domingues (2005), são:

a) aproximação de diferentes disciplinas e áreas do conhecimento;

b) compartilhamento de metodologias unificadoras, construídas mediante a articulação de métodos oriundos de várias áreas do conhecimento;

c) ocupação das zonas de indefinição e dos domínios de ignorância de diferentes áreas do conhecimento: a ocupação poderá gerar novas disciplinas ou permanecer como zonas livres, circulando-se entre os interstícios disciplinares, de tal forma que a transdisciplinaridade ficará com o movimento, o indefinido e o inconcluso do conhecimento e da pesquisa (DOMINGUES, 2005, p. 25).

As características apontadas por Brenner (2005) em sua definição ampliam o escopo do termo, pois o autor afirma tratar-se de um “processo” que oferece uma nova visão da natureza e da realidade, oferecendo uma “plataforma” para expressar e reforçar as esperanças e aspirações da humanidade. A transdisciplinaridade disponibilizaria uma nova abordagem para antigos problemas e paradoxos, uma vez que é um método de pensar sobre as relações e implicações entre as ações humanas e os eventos que considera todos os aspectos envolvidos, subjetivos, objetivos e práticos.

Hissa (2002) lembra que a palavra “transdisciplinar” é recente e, mais ainda na linguagem da ciência e do pensamento. Ao estabelecer relação com a interdisciplinaridade, o autor afirma que na transdisciplinaridade é realizado o desejo de integração manifestado pela interdisciplinaridade, por meio da subversão da ordem da disciplina e de suas fronteiras. A transdisciplinaridade “pressupõe a compatibilidade de territórios disciplinares”, ao mesmo tempo em que apresenta uma crítica à especialização e uma recusa à fragmentação do saber, sendo, portanto, uma etapa, um processo reflexivo na direção da superação do saber disciplinar. Seria “remeter-se a um pensamento que não esteja submetido, rigorosamente, às fictícias, porém atuantes, fronteiras entre as disciplinas” (HISSA, 2002, p.265, 267). A supressão das fronteiras se realiza através da superposição e da interpenetração de discursos, de metodologias, de experiências diversas, diz o autor. Não é possível,

na contemporaneidade, mais explicitamente que antes, propor metodologias idênticas para o tratamento de temas distintos, porque os fenômenos mostram-se integrados e de grande complexidade. No projeto transdisciplinar todas as disciplinas são reconstruídas para além de seus próprios limites e, assim, esvaziadas de seus limites convencionais, passam a ter um caráter de abstração (HISSA, 2002, p. 268).

Klein (1990), ao distinguir dois tipos fundamentais de interdisciplinaridade, um voltado para a coerência interna e unificação metodológica das disciplinas e outro para a prática da solução de problemas sociais, afirma que a transdisciplinaridade seria a terceira possibilidade de integração entre as disciplinas, correspondendo a uma “integração englobante que associa teorias e conceitos de muitas disciplinas existentes”. Segundo a autora, a transdisciplinaridade seria resultado de ampliação de definições que emergiram no início dos anos 70 a partir de trabalho da OCDE, que, “pelo menos na intenção [...] tem funcionado como um equivalente moderno da velha e abrangente unidade do conhecimento” (KLEIN, 1990, p. 28).

No mesmo sentido, Küffer (2000) afirma que a pesquisa transdisciplinar surgiu em diferentes contextos a partir dos quais emergiram diferentes tipos de pesquisa transdisciplinar, com base em objetivos ou aspectos específicos. São eles:

Tipo 1 - Sistematização do conhecimento especializado. A sistematização do conhecimento especializado surgida dentro e fora do ambiente acadêmico. Seu objetivo é compreender o complexo sistema de relações entre os sistemas (de conhecimento) social e natural, dentro da universidade, e esclarecer questões relativas à orientação do desenvolvimento social em função de novas e abrangentes questões. Essa sistematização não reduz o conhecimento a uma perspectiva única, incluindo em suas características específicas a ambiguidade dos conceitos e a discussão em torno do problema de incomensurabilidade.

Tipo 2 - Colaboração entre pesquisa universitária e indústria/setor privado na produção e desenvolvimento tecnológico; é um tipo de pesquisa que tende a criar meios inovadores de pesquisa colaborativa desde o início do processo, com participação das ciências sociais. Uma avaliação holística de todo o desenvolvimento do produto é feita para evitar consequências negativas, tanto social quanto econômica ou ecológica.

Tipo 3 - Competência dos atores para resolver problemas controversos em sociedade; focaliza a competência dos atores de encontrar soluções democráticas

bem informadas para questões controversos por meio de um processo de aprendizagem mútua entre especialistas e atores sociais envolvidos na prática. O conhecimento especializado deve ser contextualizado para se tornar parte da competência de solução dos problemas dos atores e possa ser aplicado a seus conflitos de interesse e valores (Küffer, 2000)23.

A visão que associa a transdisciplinaridade exclusivamente à solução de problemas (joint problems-solving), que teve larga expressão na Conferência Internacional da Transdisciplinaridade, ocorrida em Zurich, em 2000, segundo Nicolescu (2007), é criticada por este autor. Essa concepção, sem sua opinião, restringe o sentido do termo de “além das disciplinas”, reduzindo-o a interações de disciplinas com apelos sociais, e este não seria seu único objetivo, uma vez que o ser humano possui sua condição individual, não podendo ser concebido apenas como parte do sistema social, argumenta.

A classificação de tipos de transdisciplinaridade proposta por Sommermann (2006) segue o modelo da que o mesmo autor propôs relativamente à interdisciplinaridade, apresentada anteriormente. Para o autor, a transdisciplina- ridade ofereceria, em acréscimo às propostas da interdisciplinaridade, uma nova metodologia e o diálogo “com o que está além das disciplinas, os conhecimentos não disciplinares dos atores sociais, das outras culturas, das artes, das tradições, respeitando plenamente esses outros saberes” (SOMMERMAN, 2006, p. 52-53). Os tipos de transdisciplinaridade identificados pelo autor são:

1a.) transdisciplinaridade pluridisciplinar – quando há monólogos justapostos ou transferência de métodos de uma para outra disciplina (como na interdisciplinaridade pluridisciplinar), com abertura para saberes não disciplinares e atores sociais diversos (empresas, órgãos públicos, organizações não governamentais);

2a.) transdisciplinaridade interdisciplinar – próxima à interdisciplinaridade forte, com transferência de conceitos e diálogo que favorece trocas entre os especialistas, de saberes teóricos, práticos e vivenciais. Essa modalidade se abre também para os diversos atores sociais;

23 Segundo González de Gómez (2005), esse texto de Christoff Küffer foi publicado nos anais da

International Transdisciplinarity 2000 Conference, International Transdisciplinarity Conference: Transdisciplinarity: Joint Problem-Solving among Science, Technology and Society, realizada em

Zurique/Suíça, em forma de livro, editado pelos mentores da conferência, J.T. Klein, W. Grossenbacher-Mansuy, R. Häberli, A. Bill, R.W. Scholz e M. Welti.

3a.) transdisciplinaridade forte – semelhante à interdisciplinaridade transdisciplinar – quando, a partir do diálogo entre especialistas, surgem novos modelos epistemológicos para compreensão de fenômenos e/ou ocorre sua expansão a conhecimentos considerados não científicos – se apoiando, nesse caso, nos três pilares metodológicos da transdisciplinaridade, que são a complexidade, os níveis de realidade e a lógica do terceiro incluído (SOMMERMAN, 2006). A qualificação “forte”, explica o autor, significa uma explicitação forte dos três pilares, enquanto que no tipo pluri e inter, essa não é uma condição, embora possa ocorrer.

Os vários aspectos que compõem a idéia de transdisciplinaridade podem ser observados nas palavras de Guattari (2006), ao abordar os fundamentos ético- políticos da interdisciplinaridade, em que o autor diz preferir chamar de transdisciplinaridade o tipo de investigação que se tornou necessária em função da complexidade dos objetos nos domínios das ciências humanas e do ambiente. Para ele, explica, a questão desloca-se do domínio cognitivo para os domínios sociais, políticos, éticos e mesmo estéticos:

É que a ecologia do visível está inseparavelmente ligada a uma ecologia do virtual, às problemáticas das escolhas individuais e coletivas, aos universos de valor em vias de promoção ou de perecimento (GUATARI, 2006, p. 153).

Observa-se, aqui, que a transdisciplinaridade possui também características de um movimento transcultural que é, e por isso tem sido associada a métodos ou formas de analisar questões fora do contexto das ciências, como a espiritualidade, o misticismo, a amorosidade ou a intuição, também dimensões importantes que compõem o ser humano, presentes todo o tempo no desenvolvimento da humanidade. Diante desse amplo espectro de versões, reafirma-se que o foco desta pesquisa está direcionado à pesquisa científica, embora, por princípio, o termo esteja associado a uma visão de ciência em associação com questões humanas e socioculturais. Mesmo no ambiente acadêmico-científico, os significados atribuídos ao termo transdisciplinaridade variam em função das circunstâncias, contextos e épocas em que são empregados, indo de uma intensa integração entre disciplinas científicas, passando pela inclusão de outros tipos de saberes, até uma forma de melhor compreender todo o planeta terra e sua biosfera ou lidar com questões sociais, éticas, psicológicas, políticas, econômicas e ambientais atuais e, em alguns casos, religiosas e esotéricas.

Muitas tentativas de se construir uma definição para o termo acabam se frustrando em vista da diversidade de visões que o termo encerra. Experiência nesse sentido, realizada no citado evento realizado em Ansières sur Oise, na França, em 1998, é um exemplo. Mais de 20 participantes elaboraram seus textos com o objetivo de se chegar a uma simples e peremptória definição, o que não ocorreu, segundo uma das relatorias do evento, de Klein; Macdonald (2000). Foi feito um levantamento inicial das principais noções associadas ao termo, seguido de uma tentativa de gerar a definição comum a todos. As definições foram muito variadas e o termo, segundo essa pesquisadora, continua em construção, porque resiste em se deixar transformar em um simples “simile” da metáfora que é.