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ESTADO DA ARTE

2.4 – CONCEITOS ESSENCIAIS DA LIQUEFACÇÃO

“O pensamento ocorreu ao escritor, na procura do material que escorregou da barragem de Calaveras, que algo semelhante a areias movediças aconteceu a grande escala – 800.000 jardas cúbicas de inundação do meio por um curto espaço de tempo, e depois ficou sólido…” (citação de Allen Hazen., Schofield, 2005).

Allen Hazen, um cientista norte-americano, foi o primeiro a utilizar o termo liquefacção para explicar a rotura da barragem de Calaveras na Califórnia. De um modo geral a liquefacção, quer tenha origem por carregamentos monotónicos ou cíclicos em condições não drenadas, é um fenómeno que provoca que o solo se comporte como um liquido, embora que por breves momentos, devido à perda de resistência em regiões da massa de solo. Esta perda de resistência deve-se essencialmente a geração de excessos de pressão neutra positivos em solos saturados, reduzindo drasticamente as tensões efectivas, podendo assim provocar graves danos em diversas obras de engenharia como cortinas de contenção (inclinação excessiva e porventura provocar o colapso das mesmas), em fundações (perda de capacidade de carga aquando do fenómeno de liquefacção) ou até em condutas enterradas.

Inicialmente, o fenómeno da liquefacção era de difícil compreensão, principalmente devido a dois motivos. O primeiro está relacionado com o facto de a liquefacção ter sido compreendida a partir duma perspectiva geológica em vez de mecânica. Os estudos iniciais focaram no historial de ocorrência deste fenómeno. O segundo motivo está relacionado com o facto de não se considerar o efeito de dilatância, resultando na fixação da liquefacção como uma condição geral em que as tensões efectivas são reduzidas a zero.

A origem da liquefacção está relacionado com o aparecimento rápido de deformações plásticas, não permitindo a dissipação dos excessos de pressão neutra, pois a drenagem está impedida, ou seja, a liquefacção é gerada em condições não drenadas, ou, como hoje também se admite, em condições drenadas com forte fluxo de água por elevado gradiente (Coelho, 2007).

O fenómeno de liquefacção pode ser dividido em dois grupos, em que o primeiro devido a carregamentos estáticos (liquefacção estática) e o segundo devido a carregamentos cíclicos (liquefacção cíclica).

A principal diferença entre a liquefacção estática e cíclica está relacionada com a forma da geração das deformações volumétricas. No caso da liquefacção estática é essencial que o solo seja solto, à luz do conceito de solo no lado “húmido”, ou seja contráctil, da teoria do estado crítico (parâmetro de estado,

ψ – como se verificará no próximo subcapítulo). Se o solo estiver na condição de solto, podem surgir grandes deformações volumétricas plásticas, sem que a massa de solo tenha capacidade de resistência aumentando progressivamente a tendência para contracção em carregamento monotónico. No entanto, se o solo for denso, a amostra, ainda que se possa contrair no início, rapidamente inverte essa tendência e começa a dilatar, aumentando a sua resistência.

No caso de liquefacção cíclica, as deformações volumétricas plásticas aumentam devido à densificação provocada pelas oscilações das tensões cíclicas, que tende a aproximar as partículas entre si. Este tipo de liquefacção pode ocorrer em areias soltas, média ou, mesmo em condições especiais, densas e até em argilas sobreconsolidadas (Coelho, 2007).

Para explicar a liquefacção cíclica, ou mobilidade cíclica, Seed (1976) sugeriu um mecanismo, representado na Figura 2. 17a), que para a sua correcta definição conta com as componentes normais e tangenciais num ponto de um determinado maciço, ou seja a solicitação sísmica não só provoca acções verticais e horizontais mas também provoca a distorção do ponto em causa.

A Figura 2. 17b) representa a variação do índice de vazios com o aumento das pressões de confinamento. A variação do ponto A para o ponto B representa a redução do volume da massa de

19 solo, tal como se tratasse de um corte drenado, enquanto a variação do ponto A para o ponto C representa um corte não drenado, ou seja a água, incompressível, fica sujeita ao aumento de pressões, reduzindo as tensões efectivas sem variações de volume. Se a massa de solo é uma areia solta, a liquefacção cíclica poderá ocorrer, causando deformações infinitas, consequência da indução de tensões efectivas residuais muito reduzidas. Por outro lado, se a massa de solo for muito densa, a carga cíclica actuante fará com que esta comprima mas rapidamente dilate, dissipando a pressão neutra e terminando assim a capacidade de deformar. Consequentemente o equilíbrio é alcançado, ou seja, as cargas cíclicas actuantes não afectam mais a massa de solo, uma vez que este atingiu o nível máximo de deformação admissível (Folque, 1979).

(a) (b)

Figura 2. 17 – a) Mecanismo proposto por Seed; b) Variação do índice de vazios com a pressão de confinamento (Folque, 1979).

Para melhor entender a diferença entre liquefacção estática e cíclica, Castro e Poulos (1977) apresentaram resultados de ensaios triaxiais em areias saturadas. A Figura 2. 18 representa o índice de vazio em função da tensão efectiva principal menor. A linha de estado permanente representa os estados em que o solo se pode deformar sob volume e tensões constantes.

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Figura 2. 18 – Ensaios triaxiais não drenados em areias saturadas (adaptado de Castro e Poulos, 1977).

Um solo solto (contractivo), representado pelo ponto C, quando carregado monotonicamente sob condições não drenadas origina a rotura da amostra, terminando no ponto A. Esse processo não envolve variações volumétricas. Também nesta figura representa-se o ponto Q que representa a perda total da resistência da amostra, passando a comportar-se como um líquido.

Um solo denso (expansivo), representado pelo ponto D, quando carregado monotonicamente, exibe um comportamento completamente diferente de um solo solto. Ou seja, durante o carregamento, as tensões efectivas para muito pequenas deformações vão aumentar, atingindo um pico, mas rapidamente começam a reduzir (deslocam-se para a direita do ponto D). Como se trata de um solo denso, as tensões efectivas começam a aumentar, até atingir a linha de estado permanente. Mas se este mesmo solo for carregado ciclicamente, o comportamento demonstrado é muito diferente. O ponto D desloca-se para a esquerda pois as pressões neutras aumentam com os carregamentos cíclicos, reduzindo a tensão efectiva até liquefazer, atingindo assim o ponto B (Bedin, 2008).

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