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Conceitos fundamentais da ferramenta analítica utilizada: Concepções de

A ferramenta analítica proposta por Mortimer et al (2007) orienta-se para a caracterização do gênero discursivo das salas de aula de ciências, reafirmando a importância de analisar as interações produzidas entre professores e alunos.

Vários são os estudos voltados à análise da natureza da comunicação (ARAÚJO; MORTIMER; ANDRADE, 2006), enfatizando mais especificamente, às condições de produção do discurso, o que caracteriza uma análise do discurso. Tendo-se em vista que discurso pode ser entendido como a linguagem em uso, a denominação “gênero do discurso” refere-se às características dessa linguagem associadas às condições em que é produzida, ou seja, às diferentes esferas da atividade humana em que tal linguagem se manifesta de forma viva. Bakhtin (1986) considera que estas diferentes esferas geram “tipos relativamente estáveis de enunciados” os quais são considerados gêneros do discurso (SILVA, 2008). Os enunciados são compreendidos como os elos da comunicação verbal, refletindo as condições

específicas e as finalidades de cada uma das esferas em que se apresentam, por seu conteúdo (temático), estilo verbal e construção composicional.

Considerando a riqueza e a variedade de atividades humanas, Bakhtin observa que a riqueza e a variedade de tipos estáveis de enunciados – os gêneros do discurso – podem ser infinitos. Cada esfera de atividade comporta em si um repertório de gêneros do discurso que se amplia à medida que ela mesma vai diferenciando-se e tornando-se mais complexa (SILVA, 2008). Neste sentido, tais enunciados vão estar relacionados com cada situação específica que o indivíduo está vivenciando, sem perder de vista a ideia do seu caráter reiterativo.

Cada enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, por seu “conteúdo (temático), estilo verbal e construção composicional”. Nessa perspectiva, os gêneros do discurso caracterizam-se principalmente pela pertinência a situações específicas de comunicação verbal, incluindo um determinado tipo de expressão a ele inerente, temas característicos e, sobretudo, a contatos específicos entre os significados das palavras e a realidade concreta sob determinadas circunstâncias (SILVA, 2008, p. 36).

Transferindo a ideia de gênero do discurso proposta por Bakhtin (1986) para o contexto escolar, podemos entender que há um gênero discursivo das salas de aula de ciência, tendo-se em vista formas típicas de enunciados que são gerados neste ambiente. No contexto da sala de aula, podemos considerar que o domínio dos gêneros discursivos é que fará com que os alunos se engajem nos diálogos com o professor, proporcionando assim oportunidades para que os alunos possam interagir durante as aulas, questionando e expondo seus pontos de vista.

“São muitas as pessoas que, dominando magnificamente a língua, sentem-se logo desamparadas em certas esferas da comunicação verbal, precisamente pelo fato de não dominarem, na prática as formas do gênero de uma dada esfera. Não é raro o homem que domina perfeitamente a fala numa esfera de comunicação cultural, saber fazer uma explanação, travar uma discussão científica, intervir a respeito de problemas sociais, calar-se ou então intervir de uma maneira muito desajeitada numa conversa social. Não é por causa de uma pobreza de vocabulário ou de estilo (numa acepção abstrata), mas de uma inexperiência de dominar o repertório dos gêneros da conversa social, de uma falta de conhecimento a respeito do que é o todo do enunciado, que o indivíduo fica inapto para moldar com facilidade e prontidão sua fala e determinadas formas estilísticas composicionais; é por causa de uma inexperiência de tomar a palavra no momento certo, de começar e terminar no tempo correto [...]” (BAKHTIN, 2000, p. 303 apud SILVA, 2008).

Entende-se, que o discurso desenvolvido numa sala de aula molda-se de forma bastante diferente de um discurso desenvolvido em outros ambientes sociais. Assim, a apropriação do gênero discursivo na sala de aula, se dará a partir da incorporação adequada dos padrões de interação e de outros aspectos dos enunciados que são aí produzidos. Como afirma Silva (2008), existe uma crescente necessidade de caracterizar os discursos produzidos em sala de aula e, dessa forma, entender a relação destes discursos com o processo de construção de conhecimento. Estudar a natureza do enunciado e as várias formas em que se apresentam os gêneros desses enunciados é considerado para Bakhtin (1997) como de fundamental importância. Como ele mesmo afirma:

É deles que os pesquisadores extraem os fatos linguísticos de que necessitam. Uma concepção clara da natureza do enunciado em geral e dos vários tipos de enunciados em particular (primários e secundários), ou seja, dos diversos gêneros do discurso, é indispensável para qualquer estudo, seja qual for sua a orientação específica (BAKHTIN, 1997, p. 282).

Desse modo, entender os vários tipos de enunciados que são produzidos em sala de aula possibilitará entender a dinâmica desenvolvida na aula e assim caracterizar a abordagem que o professor adota em seu desenvolvimento. Como afirmam Silva e Mortimer (2010, p. 124), “o discurso das salas de aula de ciências corresponde a um repertório de estratégias enunciativas típicas, recorrentes nesses ambientes, mas que podem ser atualizadas por cada professor nos contextos específicos de sua atuação”.

De acordo com Bakhtin (1986), as distintas esferas da atividade humana estão sempre relacionadas com diferentes formas de utilização da língua. O contexto da sala de aula se encaixa perfeitamente como uma das principais esferas em que o uso da língua se faz como principal instrumento para o desenvolvimento de sua atividade e nela os enunciados surgem a partir da interação do professor com os alunos, o que corresponde a uma certa variedade de movimentos interativos e discursivos.

Segundo Santana (2013), ao associar as ideias de Bakhtin ao ensino de ciências, “devemos considerar que o aluno que inicia seu estudo está desvinculado da linguagem científica” (SANTANA, 2013, p. 47). Nesse contexto, podemos evidenciar que a linguagem científica é nova para o aluno, o que torna necessário inserir este aluno nessa nova língua, aos poucos, através de interações dialógicas em que os significados são negociados e enfim compartilhados (SANTANA, 2013). Ainda nessa perspectiva, deve-se considerar que a

apropriação dessa linguagem se dá por meio de uma estrutura de interação que é característica de uma sala de aula e, de forma mais específica, de uma sala de aula de ciências.

As ideias de Bakhtin que ancoram a ferramenta analítica utilizada podem ser conciliadas com as de Vygotsky. Grande parte das pesquisas que objetivam analisar as interações em sala de aula e sua relação com a aprendizagem buscam, embasamento teórico nas ideias do psicólogo russo Lev Semynovich Vygotsky. Ele se preocupou com o desenvolvimento humano e procurou explicar esse desenvolvimento em relação aos aspectos sociais. A teoria vygotskiana destaca a importância da mediação do professor, auxiliando o aluno a alcançar um novo patamar de desenvolvimento. Entretanto, ressalta a necessidade que esse desenvolvimento em termos de aprendizado ocorra na interação entre professor/aluno e aluno/aluno, destacando a importância da interação para a aprendizagem (FERRUZZI, 2012). Mortimer e Scott (2003), com o objetivo de desenvolver uma forma de descrever os gêneros dos discursos das salas de aula de ciência, propõem, uma ferramenta analítica que tem como principal referência às ideias de Bakhtin. A ferramenta é composta por cinco categorias, que são: intenções do professor, conteúdo do discurso, padrões de interação, abordagem comunicativa e intervenções do professor. Posteriormente, Mortimer et al (2007) expandem esta ferramenta analítica, o que resultou em sete conjuntos de categorias: posição do professor, tipo de conteúdo do discurso, locutor, padrões de interação, intenções do professor, abordagem comunicativa, operações epistêmicas, modelagem e níveis de referencialidade. Com o uso destas sete categorias torna-se possível abordar diversos aspectos que caracterizam a dinâmica discursiva de uma sala de aula. Vale ressaltar que algumas das categorias da ferramenta apenas têm uma função metodológica na segmentação da aula em determinadas unidades analíticas e não se relacionam diretamente à caracterização da dinâmica discursiva da sala de aula.

Em trabalho intitulado “Caracterizando estratégias enunciativas em uma sala de aula de química: aspectos teóricos e metodológicos em direção à configuração de um gênero do discurso”, Silva e Mortimer (2010) citam algumas pesquisas que fazem referência ao gênero do discurso da sala de aula focalizando os padrões de interação recorrentes nesses ambientes. Estas pesquisas apontam o padrão de interação I-R-A/F (Iniciação do professor – Resposta do aluno – Avaliação do professor / Feedback do professor) como sendo o gênero do discurso dominante nas salas de aula. Nessa perspectiva os autores discutem que o terceiro turno da tríade pode servir a diferentes funções. “Se em algumas situações predomina a função avaliativa, em outras, o terceiro turno pode servir como oportunidade para instigar o estudante

a estender a sua resposta, expor suas ideias ou fazer conexões com ideias de outros estudantes apresentadas durante a sequência de ensino” (SILVA; MORTIMER, 2010, p. 122). Assim, essa seria uma forma de trazer a noção do gênero para análise do discurso em sala de aula. Todavia, os autores esclarecem que essa não é a única forma, uma vez que outros estudos buscam por outros aspectos, como é o caso da proposta de Mortimer et al (2007).

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