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Conceitos ligados à receptividade

No documento O sentimento de respeito na moral kantiana (páginas 55-58)

Neste tema trataremos de conceitos que estão relacionados à receptividade dos seres humanos racionais, os quais segundo Kant, não obstante o fato de estarem ligados ao conceito de dever, constituem deveres indiretos (gerais). A abordagem destes é de fundamental importância, pois neles estão inseridos conceitos básicos relacionados com o tema desta dissertação. Entretanto, somente abordaremos alguns dos conceitos relacionados à receptividade, tais como a consciência moral e o sentimento moral de respeito, onde poderemos observar alguns pontos de ligação entre eles e que, de certa maneira, estão na base da proposta de moralidade kantiana.

Segundo Kant escreve na Doutrina da Virtude, o conceito de sentimento moral é a receptividade para o prazer ou o desprazer a partir da consciência que temos de que nossas ações são compatíveis ou contrárias à lei do dever. Porém, toda determinação de escolha (arbítrio) procede desde a representação da possível ação até a ação através do sentimento de prazer ou desprazer assumindo um interesse na ação ou em seu efeito. Assim, a maneira em que o sentimento interno é afetado é, segundo Kant, patológico ou um sentimento moral. O primeiro é aquele sentimento que precede a representação da lei, o segundo é aquele que segue a lei.

Por outro lado, Kant adverte que não pode haver nenhum dever em ter um sentimento moral ou em adquiri-lo, pois todo homem (como ser moral) o tem originalmente. Portanto, temos que a receptividade procede do sentimento moral e que são sentimentos originais. Deste modo, toda consciência de obrigação tem como base este sentimento para que possa estar consciente do constrangimento que encerra o conceito de dever. O sentimento moral aparece, segundo Kant, como uma obrigação para o homem e cabe a ele a tarefa de cultivá-lo e fortalecê-lo. Isto se dá “pelo fato de ele ser separado de qualquer estímulo patológico, e como produto de uma representação meramente racional, e cuja origem é insondável” 142.

Segundo Kant, o sentimento moral é algo meramente subjetivo e não fornece nenhum conhecimento. Entende o filósofo, que nenhum homem é inteiramente desprovido deste sentimento, pois se fosse desprovido da receptividade para esta sensação, “seria

moralmente morto” 143. E, em se admitindo esta hipótese, em que os homens fossem desprovidos deste sentimento, Kant diz que “a humanidade se dissolveria em mera animalidade e se confundiria com todos os outros seres naturais” 144. No entanto, defende Kant que os homens dispõem desta receptividade, e no que se relaciona com o livre arbítrio, diz ser este movido pela pura razão prática (e sua lei), e é isso o que denominamos de sentimento moral. Dessa forma, podemos dizer que todos os seres humanos racionais originalmente possuem esta receptividade que é um sentimento moral, e que este sentimento está diretamente relacionado com o livre arbítrio, que é movido pela pura razão prática.

Por sua vez, a consciência moral como um sentimento moral, também não é algo adquirível e, para Kant, não temos como um dever procurá-la, pois o ser humano como um ser moral a possui originalmente. Portanto, a obrigatoriedade em adquiri-la seria equivalente a ter o dever de reconhecer deveres, pois “a consciência moral é a razão prática que mostra ao homem seu dever em cada caso concreto de uma lei, absolvendo-o ou condenando-o”.145 Lembramos que o sentido de dever é indireto e consiste unicamente em cultivar a própria consciência moral, cujo intuito é aguçar a atenção e a voz do juiz interior empregando todos os meios para ouvi-la. Assim, podemos concluir que não temos o dever de adquiri-la, pois a temos originalmente, mas é nosso dever cultivá-la.

O outro conceito a ser exposto dentro deste tema é o respeito (reverentia), também considerado por Kant como um sentimento, porém de um tipo especial (peculiar), conforme já afirmou em nota específica na Fundamentação. Podemos observar em suas obras que o filósofo se refere a ele de diferentes formas, tais como sentimento moral de respeito, sentimento de respeito, ou, simplesmente respeito, conforme já comentamos no primeiro capítulo desta dissertação. Entretanto, não identificamos mudança no sentido do conceito de sentimento de respeito designado por Kant em uma extensa nota de rodapé na Fundamentação, assim como nas demais obras estudadas.

Conforme já comentamos, além de ser um sentimento, é para o filósofo algo meramente subjetivo, também não é um juízo sobre um objeto que teríamos o dever de produzir ou favorecer. Pois termos dever de ter respeito por um objeto implicaria estarmos

143 MC, pp. 255e, p242 . 144 MC, pp. 255e. 145 MC, pp. 256e, 243.

obrigados ao dever de respeito. “Um dever de ter respeito redundaria assim em ser submetido à obrigação em relação a deveres.” 146 Nesse sentido, podemos entender que para Kant o fato de estes sentimentos serem originais e por sua racionalidade implica a questão de que não se pode ter dever com algo que já se tem a priori.

Não obstante esta citação, Kant também diz ser incorreto afirmar que o ser humano tem o dever de auto-estima, pois se assim fosse, teríamos que dizer que a lei presente nele o força a ter respeito por seu próprio ser. O sentimento de respeito é o fundamento de determinados deveres de ações que podem concordar com o dever para consigo mesmo, ou seja, de certas ações que são coerentes com seu dever para consigo mesmo. Todavia, não se pode dizer que o homem tem o dever de respeitar-se a si mesmo, porque já para poder conceber um dever em geral, ele precisa ter respeito pela lei. Para Kant, “o respeito pela lei é mais forte que o conjunto de todos os sentimentos que procedem de impressões sensíveis” 147.

Parte desta citação é utilizada no texto Sentimento moral de respeito 148, no qual a autora diz que “pretende evidenciar que sentimento moral de respeito não quer se referir a um sentimento do âmbito sensível”. No entanto, podemos constatar que este fato é claro e evidente de ser observado no conceito que Kant dá de respeito, onde ele deixa explícito que este sentimento não é algo que remete à sensibilidade, pois se assim fosse, seguir a lei moral seria condicional.

Com base nestes conceitos explorados anteriormente podemos verificar que além de eles terem em comum a receptividade, têm também a originalidade, ou seja, para Kant o ser humano já os possui originalmente, portanto não é possível adquiri-los. Assim, se poderia dizer que os conceitos abordados neste item diferem da virtude no quesito originalidade, pois segundo Kant constitui uma obrigação adquiri-la e exercitá-la ao longo de nossas vidas através de nossas ações.

146 MC, p. 245.

147 MC, pp. 251/266e.

148 MARTINS, C.A. Revista de Filosofia editada pela sociedade de filósofos católicos. Vol.XXIV, n. 1-2,

No documento O sentimento de respeito na moral kantiana (páginas 55-58)

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