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1. Introdução

2.3. Requalificação fluvial

2.3.3. Conceituação de Requalificação Fluvial

Segundo o European Centre for River Restoration (ECRR)46, a restauração de

rios se refere a uma grande variedade de medidas e práticas ecológicas, físicas, espaciais e de manejo. Destinam-se a restaurar o estado natural e o funcionamento do sistema fluvial em apoio à biodiversidade, recreação, manejo de enchentes e desenvolvimento da paisagem. Ao restaurar as condições naturais, a restauração dos rios melhora a resiliência dos sistemas fluviais e fornece a estrutura para o uso multifuncional sustentável de estuários, rios e córregos. A restauração do rio é uma parte integrante da gestão sustentável da água e apoia diretamente os objetivos da Diretiva- Quadro da Água da Comunidade Europeia e as políticas nacionais e regionais de gestão da água, (ECRR, 2018).

Segundo a International Union for Conservation of Nature (IUCN), existem várias maneiras de se conceituar a Restauração de Rios. Observa que essa restauração não deve ser entendida como uma volta dos rios ao estado que possuíam na era pré-

46 O ECRR é uma rede europeia constituída por centros, organizações, instituições e pessoas

vinculados pela sua missão de incentivar e apoiar a restauração ecológica dos rios em toda a Europa. Disponível em http://www.ecrr.org/, consultado em 22 de maio de 2018.

100 industrial. A IUCN conceitua no seu trabalho, River Restoration and Biodiversity47, que a restauração de rios é o restabelecimento de processos físicos naturais (por exemplo, variação de fluxo e movimentação de sedimentos), características (por exemplo, tamanhos de sedimentos e forma do rio) e habitats físicos de um sistema fluvial (incluindo áreas submersas, bancárias e de várzea).

Segundo publicação da UNESCO, (SPEED et al., 2016), a Restauração Fluvial é um instrumento de auxílio na recuperação da estrutura ecológica e do funcionamento de um ecossistema fluvial degradado, substituindo elementos danificados ou comprometidos e restabelecendo os processos necessários para apoiar o ecossistema e melhorar os serviços ecossistêmicos que ele fornece.

BRIERLEY & FRYIRS (2005) entendem que vários termos podem ser usados sob o nome guarda-chuva “restoration”. Restauração tem diferentes significados para diferentes autores. Intervenções executadas que provocam pequenas melhoras no combate à artificialização do rio, como por exemplo, o uso de procedimentos de engenharia natural na contenção de margens, podem ser definidas, de uma forma mais precisa, como Reabilitação ou Renaturalização.

GORDON et al. (2004) entendem que tradicionalmente a Restauração de rios foi desenvolvida no sentido de mitigar o efeito de cheias e melhorar a navegabilidade e estabilidade dos canais. Entendem que atualmente, o conceito tem evoluído no sentido de restabelecer a “saúde” dos habitantes aquáticos, tornando imperativo o conhecimento profundo da dinâmica fluvial e das suas componentes num enquadramento biofísico. Nesse sentido diz que embora BROOKES & SHIELDS (1966) tenham reconhecido a realidade de que os projetos de restauração eram frequentemente associados a outros objetivos (como o controle da erosão ou a defesa da inundação), o foco de seu livro é claramente a restauração ambiental. Eles adotam a premissa de que, se a hidrologia natural e a morfologia forem restauradas, haverá uma forte probabilidade de que a recuperação ecológica se seguirá, contudo, o completo retorno estrutural e funcional ao estado de pré-perturbação, é um ideal que raramente é praticado e, mesmo assim, a recuperação ecológica após a restauração física não é garantida. Afirmam ainda que GORE (1985) definiu a restauração como "melhoria da recuperação", ou um meio de aumentar a taxa de recuperação de um ecossistema perturbado.

BROOKES & GREGORY (1988) entendem que existe uma “nova engenharia de rios” que intervêm de modo que um rio restaurado se comporte da forma mais natural

47 Disponível em https://portals.iucn.org/library/sites/library/files/documents/2016-064.pdf.

101 possível, utilizando técnicas e materiais de reduzido impacto ecológico e estético, minimizando disrupções morfológicas.

Segundo CORTES & OLIVEIRA (2004), embora entre os pesquisadores portugueses, os termos requalificação, reabilitação e restauração sejam entendidos geralmente do mesmo modo, os autores norte-americanos consideram que apenas esta última designação tem uma visão mais holística, atribuindo-se os primeiros termos às ações de mitigação. As afirmativas dos autores portugueses são ampliadas pelo autor da tese, podendo-se acrescentar também aos termos citados, o termo Revitalização de Rio, o mais difundido no Brasil, fruto do Projeto Manuelzão e dos seminários e ações multiplicadoras que esse projeto já realizou.

CORTES & OLIVEIRA (2004) afirmam ainda que, EBERSOLE et al. (1997) apresentam a restauração como o ato de relaxar os constrangimentos humanos que atuam sobre um rio, permitindo que este desenvolva os padrões normais de diversidade. Por sua vez, WILLIAMS (2001) é concordante com esta perspectiva, mas acrescenta- lhe, ainda, uma vocação social ao definir que, a restauração deve converter um sistema degradado em resultado de interesses específicos, num sistema apto a servir múltiplos objetivos sociais. Considera o Autor da Tese que as observações de WILLIAMS (2001), são pertinentes com os objetivos buscados. O componente social é com certeza, o mais importante aspecto na recuperação de rios. Fica fácil entender essa afirmativa, pelo simples fato de que, sem apoio da sociedade não será possível a recuperação de nenhum rio, por melhores que sejam as proposições técnicas. Outro ensinamento que pode ser extraído de WILLIAMS (2001) é a necessidade de pesquisadores terem uma visão holística e integrada. É importante que se possa entender como necessárias, não só a preservação de matas ciliares e da biodiversidade, como por vezes, a necessidade da implementação de algumas barragens pelo poder de minimizarem danos e promoverem benefícios para a sociedade, como irrigação, abastecimento e geração de energia.

Observa-se que predomina na comunidade científica internacional o termo

Restoration, que como bem observou BRIERLEY & FRYIRS (2005), atua como um

grande guarda chuva.

SHIELDS et al. (2003) mostram que existe uma extensa discussão dos termos usados para se referir às atividades que podem ser vagamente agrupadas sob o título de Restauração de rios. Apresentam uma tabela com definições mais frequentes para termos associados às ações nos rios. Nessa tabela, incluiu-se os termos Revitalização e Requalificação.

102 TERMOS USADOS NA RESTAURAÇÃO DE RIOS

TERMOS DEFINIÇÕES OBSERVAÇÕES

Restauração Restabelecimento da estrutura e função de ecossistemas. A

restauração ecológica é o processo para retornar um ecossistema, tanto quanto possível para condições, e funções existentes na pré-

perturbação. Como os ecossistemas são dinâmicos, perfeitos a replicação de uma condição anterior é

impossível.

O processo de restauração restabelece a estrutura geral, a função e o comportamento dinâmico, mas autossustentável, do ecossistema. É um processo holístico não alcançado através da manipulação isolada de elementos individuais.

Reabilitação Recuperação parcial de funções e processos do ecossistema. Os projetos de reabilitação incluem medidas estruturais e de “Recuperação assistida”. A recuperação assistida refere-se à remoção de uma perturbação ou perturbação básica (por exemplo, excluir animais pastando de uma zona ribeirinha) e permitindo que processos naturais (por exemplo, regeneração de vegetação,

processos fluviais) operem, levando à recuperação da função do

ecossistema.

A reabilitação não

necessariamente restabelece a estrutura de pré-perturbação, mas envolve o estabelecimento de paisagens geológicas e hidrologicamente estáveis que vão apoiar o mosaico do ecossistema natural.

Preservação Atividades para manter as funções e características atuais de um

ecossistema ou para protege-lo de danos futuros ou perdas.

Mitigação Uma atividade para compensar ou aliviar o impacto do dano ambiental. A mitigação pode ocorrer no local danificado ou em outro lugar. Isso pode envolver a restauração do local para uma condição aceitável, mas não necessariamente para a condição natural.

A mitigação é frequentemente uma medida compensatória de uma atividade não ambiental. Pode servir de base para um projeto de restauração.

Naturalização Ação que busca estabelecer

hidraulicamente e morfologicamente, um sistema fluvial em equilíbrio, e que seja capaz de suportar ecossistemas aquáticos

biologicamente diversos. Não requer referência a um determinado estado anterior.

O conceito de naturalização reconhece que as estratégias de naturalização são socialmente determinadas e específicas do local. Dentro de ambientes dominados por humanos a gestão e a manipulação humana podem ser desejadas, e até mesmo serem um ingrediente necessário na dinâmica dos sistemas “naturalizados”. Criação Formando um novo sistema onde não

existia antigamente (por exemplo, construindo uma zona húmida).

Conceitos semelhantes aos usados na restauração ou reabilitação são muitas vezes aplicados para produzir

103 ecossistemas consistentes com a hidrologia e morfologia atuais. Aprimoramento /

Melhoria

Termo subjetivo para nominar atividades realizadas para melhorar a qualidade ambiental existente.

Projetos de melhoria de rios frequentemente enfatizam a mudança de um ou dois atributos físicos em expectativa de que populações biológicas respondam positivamente Requisição Uma série de atividades destinadas a

mudar a capacidade biofísica de um ecossistema. O ecossistema

resultante é diferente do ecossistema existente antes da recuperação.

Historicamente usado para se referir à adaptação de animais silvestres ou recursos naturais para servir um propósito utilitário. Por exemplo a drenagem de áreas húmidas para a

agricultura. Observa o Autor da Tese que o termo River Reclamation é usado, algumas vezes, no Reino Unido com o mesmo entendimento que River Restoration.

Revitalização A Revitalização como a Restauração visa ao restabelecimento da estrutura e função de ecossistemas. São sinônimos, representam os mesmos objetivos buscados. Segundo o Projeto Mauelzão, a revitalização dos cursos d’água é a forma mais eficiente de permitir que ele integre o ambiente de maneira harmônica. O ciclo hidrológico é restabelecido, as plantas e animais voltam a habitar os cursos d’água e suas proximidades, nadar e pescar passam a ser

atividades possíveis, o esgoto deixa o córrego.

Entende-se que rios Revitalizados permitam a socialização no ambiente fluvial, com a sociedade desfrutando desse espaço para atividades de contemplação, esporte e lazer. Entende o Autor da Tese que rios Revitalizados são muito mais que a simples recuperação de áreas de preservação ou o atendimento de bons indicadores físicos e biológicos nas águas. É uma ação holística que busca a harmonia e integração do homem coma natureza. Requalificação A Requalificação é um termo que tem

a mesma significância do que a Revitalização ou a Restauração. Segundo VERÓL (2013) A definição proposta para a requalificação Fluvial, a partir do original em italiano

publicado por CIRF (2006) é: “Conjunto integrado e sinérgico de ações e técnicas, de tipo muito variado (do jurídico-administrativo- financeiro, até o estrutural), que permite que tanto o curso d’água quanto o seu território mais estreitamente conectado (‘sistema fluvial’), volte a possuir um estado mais natural possível, capaz de desempenhar suas características funcionais ecossistêmicas

(geomorfológicas, físico-químicas e biológicas), dotado de maior valor ambiental, procurando satisfazer até mesmo os objetivos socioeconômicos

Ao observar-se o termo proposto pelo CIRF e sua definição observa-se que entra de forma claro como também componente das ações a questão jurídico- administrativa, não tão clara nas definições anteriores. Isso casa- se perfeitamente com os objetivos da Tese.

104 Baseando-se na Tabela 2.6, apresenta-se uma simbologia para representar os diferentes procedimentos adotados para a recuperação de rios, Figura 2.17. Essa proposição mostra a diferença da abrangência de diversos procedimentos e sua significância ao atuarem como vetores de recuperação do ambiente degradado. Assim, a Requalificação/Restauração/Revitalização são as ações com maior área de abrangência e que alcançariam o melhor resultado da recuperação de um rio para um estado anterior de equilíbrio ecológico.

Figura 2-17: Diferentes processos para a recuperação de um rio segundo a abrangência de ações e resultados alcançados.

Proposições, como as apresentadas para conceituar diferentes intervenções, como as apresentadas por BRADSHAW (1996) ou RUTHERFURD et al. (2000), são simbologias que também buscam exemplificar esses diferentes conceitos. Servem como sinalizadores do pensamento desses pesquisadores sobre a significância de cada termo.

A Figura 2.18 apresenta o diagrama elaborado por BRADSHAW (1996) que ilustra as diferenças entre os termos mais utilizados. O termo “restauração” envolve devolver o rio para o estado original, pré-urbanização. A “reabilitação” envolve a reparação de apenas alguns aspectos do rio, mas geralmente, tornando o rio degradado mais perto da condição original. Já o termo “remediação” reconhece que não é possível alcançar a condição original e aponta para uma nova condição, pois as mudanças ocorridas no rio são praticamente irreversíveis.

105 Figura 2-18: Diagrama esquemático mostrando a distinção entre os termos restauração,

requalificação e remediação. Fonte: adaptado de BRADSHAW, 1996.

Representações de conceitos vagos e de múltipla interpretação permitem as mais variadas simbologias, sejam elas representadas por nomes ou esquemas que serão mais afins, a seu tempo e a cada cultura, língua ou país, nas quais sejam formuladas. Entende-se ainda, que simbologias podem e devem ser adaptadas para cada plateia. As simbologias não são fórmulas matemáticas, e como a escrita e a fala, podem variar, embora estejam “falando” do mesmo assunto.

Observada a proposição do autor da tese, entende-se Requalificação, Restauração, Revitalização, e tantas outras, são palavras de mesma significância para indicar procedimentos para a recuperação de um rio. Adota-se na tese o nome Requalificação, para manter a ligação com trabalhos anteriores do autor da tese e outros trabalhos acadêmicos produzidos na UFRJ.

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