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A concentração é, muitas vezes, o fator que diferencial entre um ótimo desempenho e um ensaio de rotina realizado diariamente. A capacidade de concentração é uma necessidade absoluta para artistas interessados em desenvolver o seu potencial. No entanto, as condições físicas, psicológicas, emocionais e ambientais são fatores que influenciam bastante a qualidade e a intensidade da concentração.

Kodama (2008) discorre que cada indivíduo tem seu próprio ritmo e limite. Ao sentir a mente cansada durante os estudos, sugere o repouso. Uma mente exausta produz baixa qualidade no desempenho, por isso é preferível um ensaio qualitativo de uma hora de duração a três com exaustão. A autora ainda refere que é bem melhor estudar num ambiente calmo e silencioso, espaçoso, confortável, temperatura agradável e boa luminosidade para diminuir o incômodo e a tensão captados pela mente. Um ambiente seguro auxilia a atenção e vai influenciar positivamente o processo de aprendizagem.

A atenção é geralmente definida semelhante a concentração em um estímulo. O cérebro constantemente analisa, processa e toma decisões sobre o que é relevante de atenção e o que pode ser ignorado. É provável que o estudante, por exemplo, ao estudar em cabines do recinto escolar, por vezes, perceba o som de algum outro instrumento e assim tenha menos chance de se concentrar. Dessa forma, o sistema límbico, responsável não só por alguns mecanismos de atenção mas também encarregado das emoções, alerta o indivíduo para a relevância de algum estímulo externo, que adquire tom emocional (processado no sistema límbico) resultando em falta de atenção. Todavia, o ideal é aceitar a realidade e tentar abster- se dos sons externos, a fim de ter proveito no seu momento de estudo e uma boa condição mental, do contrário, emoções fortes vão interferir no direcionamento da atenção (DYE, 2006; KODAMA, 2008).

Segundo Greene (2002), a concentração no momento do recital envolve três aspectos: ‘intensidade, presença e duração do foco’. O autor cita que, eventualmente, o artista pode ser capaz de se concentrar em algumas situações e não em outras, ou que a ‘intensidade’ da concentração dependa de outras variáveis como preparo e descanso. Depois de um determinado período de foco, o cérebro precisa diminuir o ritmo de suas atividades visando recompor sua energia. Esta preciosa e poderosa energia precisa fluir continuamente do interior do intérprete para pontos adequados de foco.

Quanto mais tempo nas exigências da situação maior a necessidade do fluxo (outflow) de energia. Ao longo de um recital, uma hora aproximadamente, é relevante gastar essa energia sabiamente. Para haver uma expectativa maior na manutenção do pico de foco em uma apresentação inteira, do início ao fim, importa que essa energia seja gasta com prudência, a fim de tê-la disponível no final, quando muitas vezes se precisa mais dela (Idem, 2002).

A ‘categoria presença de foco’ (GREENE, 2002) refere-se à capacidade de manter a atenção no aqui e agora. O músico que possui essa competência não se lamenta por algumas notas erradas durante a performance, ou um compasso de difícil execução que possa advir. Ele permanece focado no que tem a fazer. Caso a mente vagueie para outro lugar, cabe essencialmente refletir sobre o processo de centralização. Já a categoria de ‘duração do foco’ refere-se à distância que o instrumentista mantém a concentração. Na maioria das vezes, esse tempo depende das circunstâncias e da quantidade de energia mental utilizada. No intuito de tornar a concentração mais intensa, precisa haver o interesse completo no repertório em execução e a exclusão de todo o supérfluo. Como um amante que contempla a sua amada, mesmo diante de tanta beleza, o seu objeto de fascínio continua ali. Da mesma forma é o interprete, totalmente absorvido pelo fazer musical, envolvido apenas no que acontece no momento. Para ele, nada mais acontece em sua volta, a não ser a atividade realizada e, se ainda sentir prazer no que faz, poderá envolver-se por períodos cada vez mais longos.

Custodero (2006) refere esse envolvimento como ‘experiência de fluxo’. O primeiro critério para a experiência de fluxo é que habilidades e desafios estejam em estado equivalente e, à medida que o nível da capacidade do indivíduo aumenta com a prática, os desafios tornam-se cada vez mais complexos. Assim, quando a concentração é profunda, a música torna-se capaz de transportar ouvinte e intérprete a momentos de êxtase, ignorando as limitações físicas do mundo, como tempo e localização. Um pianista, por exemplo, pode estar imerso no desafio da prática e inconsciente do tempo transcorrido em sua execução. Em seu fazer musical, esquece-se de si mesmo em prol da tarefa em que está engajado. “A perda da autoconsciência permite a descoberta de outra faceta do eu, livre das limitações físicas e do julgamento percebido” (Idem, 2006, p. 388).

Ainda na ótica de Greene (2002), durante o recital, quanto mais se pensa no futuro, maior a dificuldade na concentração. Quando a mente deixa o presente, provoca quebra no foco; assim a manutenção da concentração por determinado período tornar-se-á um desafio. Ele exemplifica com o caso de uma criança ativa. Ao tentar conduzi-la para dentro de um círculo por mais alguns segundos, a sua atitude será ficar ali por um momento até surgir algo de seu interesse. Ela correrá para qualquer direção, menos para o círculo. Semelhantemente,

durante a apresentação, se o artista pensar no que o público está pensando, ou preocupado em cometer algum erro, ele estará fora do círculo. O ideal é voltar delicadamente à atenção, como uma criança de volta ao círculo, sem desperdiçar tempo e energia criticando a si mesmo. O essencial é prática e energia.

Hemisfério esquerdo e hemisfério direito

Sperry (1964) afirmou que cada hemisfério se comporta, em muitos aspectos, semelhantemente a um cérebro separado. Segundo Gazzaniga (1985)22, cada uma das muitas unidades distintas da mente opera de forma relativamente independente das outras. Essas operações ocorrem com frequência fora da consciência. Enquanto houver operações independentes e, muitas vezes, subconscientes acontecendo, o hemisfério esquerdo lhes atribuirá interpretações. Às vezes, o hemisfério esquerdo percebe o indivíduo se comportando de uma forma que não faz sentido algum, mas, mesmo assim encontra alguma maneira de atribuir sentido àquele comportamento. Levy (1974, apud STERNBERG, 2008) apontou algumas evidências em que o hemisfério esquerdo tende a processar as informações de forma analítica (uma por uma, em sequência). Por outro lado, o hemisfério direito, o modo holístico (na sua totalidade).

Gallwey (2008, p.10) compara o hemisfério esquerdo e o hemisfério direito a dois “eus” que habitam dentro de cada músico. O “eu 1” (Self 1), parece dar instruções ao outro, o “eu 2” (Self 2). O tipo de relação existente entre o “eu 1” e o “eu 2” é o principal fator que traduzirá o conhecimento das habilidades técnicas em ação efetiva. Em outras palavras, a chave para um ótimo desempenho consiste na melhoria do relacionamento entre o “eu 1” (teller), o que comanda, e o “eu 2” (doer), o que executa a ação. O ideal é haver conscientização no momento de lidar com esses fatores.

O autor continua seu raciocínio fazendo uma analogia com os dois hemisférios por meio de um relacionamento simbólico entre o ‘eu 1 e o eu 2’, em que ambos são duas pessoas distintas. Ele simula uma conversa entre os dois na quadra de tênis: “O jogador em quadra está tentando melhorar a jogada: ‘Ok, caramba, mantenha seu pulso firme!’, o “eu 1” ordena. Então, como bola após bola vêm por cima da rede, o “eu 1” lembra ao “eu 2”: ‘Mantenha-se firme, olhe a bola!’”. Seria como o “eu 1” acreditasse que o “eu 2” não fosse competente o suficiente para atuar, desconfiando de sua capacidade (GALLWEY, 2008, p. 12).

No entanto, o eu 2, que inclui a mente inconsciente e o sistema nervoso, ouve tudo e de nada se esquece. Mas, depois de ouvir as palavras duras do “eu 1”, bate a bola com firmeza mais uma vez, porém sabe que os músculos sempre se contrairão a cada jogada, e o rosto do jogador com os lábios apertados, esforçando-se na concentração, embora sem sucesso. O cerne da questão é que o “eu 1” não confia no “eu 2” e, mesmo que o jogador tenha todo o potencial para o desempenho, o lado esquerdo do cérebro representado pelo “eu 1” tenta deixar dúvidas acerca disso (Idem, 2008).

Ficar mentalmente envolvido implica a aprendizagem de várias habilidades internas:

1) Aprender como obter a imagem dos resultados almejados de forma mais clara possível; 2) Aprender a confiar que o ‘eu 2’(Self 2) executará o seu melhor; 3) Aprender com os sucessos e fracassos; 4) Aprender a visualizar ‘sem julgamentos’, isto é, mentalizar o que está para acontecer ao invés de meramente observar o quão bom ou mal está acontecendo (GALLWEY, 2008, p. 13).

Isso supera tentar “esforçar-se demasiadamente” (trying hard), pois tais habilidades são subsidiárias à habilidade mestre, a arte da concentração, sem a qual não há resultado positivo. Em suma, não dar atenção ao que o “eu 1” diz e observar suas atividades de interferência não são tarefas simples. A compreensão clara do desafio é necessária, embora demonstrações práticas possam auxiliar. Para aquietar a mente, é preciso aprender a colocá-la no lugar certo, ou seja, a focar-se no cerne da questão. Não obstante, sabendo que o pico de uma performance depende da função da mente, o sujeito é levado constantemente a solucionar a questão de como se concentrar eficientemente (GALLWEY, 2008).

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