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1. JUVENTUDE E POLÍTICA

2.1 CONCEPÇÃO DE SOCIEDADE CIVIL

A sociedade civil, a partir da dialética hegeliana, compreende a esfera dos interesses individuais e coletivos (SIMIONATTO, 2010). Para Hegel, é na sociedade civil onde ocorrem as disputas dos interesses individuais e dos grupos e, consequentemente, do conflito entre essas particularidades. A sociedade civil, para Hegel, é um momento que antecede o Estado; na dialética, a família constitui uma totalidade orgânica, ou uma unidade (tese), que é negada (antítese), ou seja, essa unidade é fragmentada, individualizada na sociedade civil em razão do trabalho e do mercado. Serão por meio destes dois últimos, trabalho e mercado, que as pessoas irão satisfazer suas necessidades particulares, assegurar suas liberdades, suas propriedades e posses, sustentados em regulamentações jurídico-administrativas. (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010). Tais necessidades não podem ser supridas individualmente, mas somente na relação com os demais, no reconhecimento mútuo das necessidades, estabelecendo-se assim uma relação de interdependências individuais. A síntese entre a família (tese) e a sociedade civil (antítese) corresponderia ao Estado, lugar do universal, momento superior da vida social, onde seriam superadas as contradições de interesses da sociedade civil (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010).

Em Marx o conceito de sociedade civil assume um papel invertido em relação à concepção hegeliana. Para Hegel, o Estado se constitui a partir da universalização dos interesses particulares da sociedade civil, no seu ordenamento e materialização, para a formação de um interesse comum (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010). Marx resgata a raiz histórico-materialista do Estado (capitalista) como construção da própria sociedade civil, entendida por Marx como a sociedade burguesa (BOBBIO, 1994). Nesta acepção insere-se, por suposto, a condição de classe: o Estado tem a sua origem dos interesses da sociedade

civil-burguesa e, portanto, se constitui de maneira a atender as suas necessidades e garantir a sua dominação.

Segundo Bobbio (1994), a sociedade civil em Marx é o espaço das relações econômicas entre os indivíduos; relações estas que estruturam a sociedade e dão a base concreta sobre a qual irá se desenvolver a superestrutura jurídica e política (Estado). Assim, para Marx, sociedade civil e estrutura econômica são a mesma coisa e assim sendo, com a formação do Estado pela sociedade civil/estrutura econômica, estaria o regime político (Estado) subordinado as relações econômicas (sociedade civil-burguesa). (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010).

Conforme apontam Outhwaite e Bottomore (1996), nesta concepção marxiana, o conceito de sociedade civil perde sua especificidade, pois poderia ser substituído por termos como “economia”, ou simplesmente “sociedade”. Foi a partir de Antônio Gramsci, afirmam os autores, que o conceito retoma sua importância. Gramsci resgata a ideia hegeliana, mas lhe faz alterações profundas, retirando o conceito do âmbito do econômico para realocá-lo no estado, da política cultural, como um instrumento de formação de consentimento.

De acordo com Montaño e Duriguetto (2010), o contexto histórico-social em que Gramsci estava inserido era diferente daquele em que Marx realizou sua leitura das determinantes; tratava-se de um momento de intensa socialização política, que ocorria devido à presença de organizações de classe diversas, num novo cenário, mais complexo, de relações de poder. Assim, Gramsci define a sociedade civil como o espaço onde se manifestam os interesses de diferentes grupos sociais organizados, que difundem valores, culturas e ideologias (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010). Tais valores, ideologias, projetos de sociedade, defendidos pelos grupos sociais de interesse, disputam a hegemonia sobre a sociedade, por meio de suas instituições (igrejas, escolas, sindicatos, etc.) (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996). Tem-se, dessa forma, a concepção gramsciana de Estado ampliado, que consiste na sociedade política, cuja função é a coerção pelo aparato policial, militar, judiciário e administrativo, incorporada da sociedade civil, que é a esfera de formação do consenso e a hegemonia na sociedade.

Esta concepção gramsciana de sociedade civil, conforme salientou Simionatto (2010), teve importante papel nos países como Brasil e Argentina nos anos da ditadura, quando da mobilização dos sujeitos na construção de um projeto de sociedade. A autora faz uma análise crítica acerca do uso da concepção de sociedade civil, atualmente pensado a partir de uma perspectiva neoliberal, afirmando que este tem sido utilizado como instrumento de manutenção da hegemonia burguesa. Para ela, no “discurso participacionista”, as

organizações do chamado “terceiro setor” mascaram e homogeinizam os interesses de classe e os projetos de sociedade que estão em disputa, num movimento de despolitizar o conceito de sociedade civil, retirando-lhe a perspectiva crítica marxista, e colocando-o sob uma perspectiva liberal-democrática.

Assim, Simionatto (2010) defende o uso do conceito de sociedade civil, na perspectiva gramsciana. Em seus termos:

A concepção de sociedade civil em Gramsci, portanto, permite superar sua identificação com o conceito de terceiro setor (ONGs, voluntariado, filantropia), visto que é atravessada pela perspectiva de totalidade e unidade entre as esferas política e econômica, cultural e política, compreendidas em seu processo dialético e contraditório. [...] (a sociedade civil) não se restringe à luta pela cidadania e pelos direitos sociais, embora esta represente um momento de mediação fundamental da práxis política, [...] “mas o confronto de projetos societários, cujo horizonte, para as classes subalternas, é a socialização do poder político e da riqueza socialmente produzida”. (SIMIONATTO, 2010, p. 50)

Nesse sentido, compreenderemos neste trabalho as organizações políticas de jovens a partir do conceito gramsciano de sociedade civil, ou seja, como grupos de interesse da sociedade que buscam a difusão e hegemonia de seus valores, ideologias e projetos, tendo como condição, para isso, a disputa dos projetos de sociedade, do poder político e da riqueza socialmente produzida com os demais grupos de interesse. Os grupos farão esta difusão e disputa de ideologias na sociedade por meio da práxis política e social.

Nos tópicos seguintes analisaremos as organizações políticas de jovens a partir de algumas dimensões de suas práxis: as atividades práticas operadas na sociedade, os meios e instrumentos dos quais as organizações lançam mão para a efetivação de suas práxis e por fim os conhecimentos e finalidades que sustentam tais práticas. Ressaltamos, uma vez mais, se tratar de uma divisão meramente didática, a fim de facilitar a análise, devendo ser este fenômeno compreendido em sua totalidade, quando na realidade concreta.