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Concepção de hábito e seu papel

No documento INSTITUTO SUPERIOR DE ECONOMIA E GESTÃO (páginas 35-38)

PARTE I FUNDAMENTOS ONTOLÓGICOS E METODOLOGIA:

1. O Paradigma Integral de Ken Wilber

1.6. Concepção de hábito e seu papel

Vejamos a dinâmica AQAL a partir da concepção de hábito e seu respectivo papel. No QSE, definimos algumas das principais estruturas de evolução que poderão ser consideradas comuns aos seres humanos que, nas suas diferentes linhas de desenvolvimento, estão sujeitos às influências de todos os quadrantes para o seu desenvolvimento. Cada estrutura é um holon que é um todo/parte, que na sua dimensão de Todo opera coerentemente a partir daquele nível. É segundo este enquadramento que se pode “encaixar” o conceito de hábito. Assim, os hábitos em cada nível de desenvolvimento foram sendo formados por mecanismos de selecção AQAL e poderão ser definidos como uma tendência ou disposição para agir de determinada maneira adoptada anteriormente. Os hábitos assim considerados são a base de acções tanto reflexivas como não reflexivas. Os hábitos são formados através da repetição de comportamentos (visíveis, objectivos e portanto pertencentes ao QSD) ou pensamentos (invisíveis, subjectivos e pertencentes ao QSE). No entanto, e tal como enfaticamente refere Hodgson, os hábitos não se traduzem necessariamente em comportamentos. Uma vez mais e na linguagem AQAL, hábitos são disposições ou propensões criadas no QSE e que se podem repercutir ou não em acções ou comportamentos expressos objectivamente. Assim hábito não é igual a comportamento. O mesmo é dizer que não se pode reduzir o QSE ao QSD embora possam estar intimamente ligados.

De notar a relação que o conceito de hábito tem com os conceitos que se abordaram atrás no desenvolvimento das estruturas cognitivas, da moral e dos valores do ser humano. Os hábitos tendem a começar a ficar enraizados a partir do momento que o ser humano começa a adquirir estruturas cognitivas correspondentes ao estágio de operações concretas de Piaget, ao estágio convencional na linha de desenvolvimento da moral e no estágio correspondente ao meme azul na linha de valores de Graves.

Hodgson (2001) nota que a partir de meados do século XX, o mainstream económico colocou o agente racional como principal pressuposto para as suas teorias neoclássicas, fazendo do conceito de hábito uma mera expressão comportamental de escolhas racionais do passado. Ou seja, reduziram-se as disposições e as propensões e os vários níveis de desenvolvimento – todo o quadrante superior esquerdo, o interior e a

subjectividade – a um só nível, o do agente racional, e a um só quadrante, o QSD – que é o quadrante das acções propriamente expressas, que se vêem, que são objectivas.

No entanto, as ciências cognitivas e a psicologia moderna têm vindo a recuperar os conceitos originais da filosofia pragmatista do século XIX. Em particular, destaque-se os conceitos da psicologia moderna de que todas as ideias e crenças estão situadas em contextos específicos (Hodgson, 2001). Perante a escassez do tempo num mundo cada vez mais complexo, os indivíduos baseiam-se nas estruturas externas e nas circunstâncias que agem como filtros e restrições, providenciando também a direccionalidade por onde devem percorrer os seus caminhos. A mente e a razão são inseparáveis do ambiente externo tanto natural como social. Aliás, de forma mais completa pode-se dizer que a subjectividade do indivíduo é inseparável das redes intersubjectivas e os contextos culturais a que pertencem, bem como ao ambiente externo que inclui as instituições a partir das quais o indivíduo actua. Uma vez mais observa-se os quatro quadrantes da realidade numa tetra interactividade dinâmica e evolucionista. Assim, a ideia atomística do agente racional como a única dimensão de todas as escolhas, crenças e intenções é manisfestamente insuficiente para explicar as reais dinâmicas “psico-socio-económicas”.

A realidade subjectiva (a evolução interior do ser humano) é em si mesma resultante da dinâmica AQAL. No entanto, é possível traçar a evolução já testada em várias culturas e que se tem assim revelado de natureza universal. No trabalho de Piaget já referimos que o indivíduo tende a passar por vários estágios de evolução desde o estádio sensório-motor dos primeiros anos de idade até pelo menos ao estágio de operações concretas e depois formais. Esta direccionalidade compara bem com a hierarquia definida por Margolis (op. cit. Hodgson 2001), segundo a qual o indivíduo começa por ter apenas instintos para passar a construir a partir daí hábitos, os quais são a base do julgamento ou razão. Compara também muito bem com a evolução moral de Kohlberg do estágio pré convencional (pré-moral) – baseada sobretudo nos instintos, passando para o nível convencional (moralidade conformista ao papel convencional específico de determinada sociedade, ou seja a formação de hábitos) até à moralidade pós-Convencional (moralidade de princípios morais aceites conscientemente, ou seja a razão a operar sobre os hábitos convencionais). Importante nesta concepção é a

explicitação de que a razão não substitui o hábito, mas pode ser usada para alterar e formar novos hábitos (Hodgson, 2004).

Veblen referia que todo o processo de mudança económica é sempre, em última instância uma mudança nos hábitos de pensamento, ou como diria Kohlberg uma mudança na convencionalidade, e isto tem repercussões em todos os quadrantes. Quando Veblen se refere ao processo de mudança económica, concebe-se tal expressão como uma evolução das estruturas interobjectivas do QID, mas que obviamente foi o resultado e mais tarde a causa da evolução nos outros quadrantes, como seja o do QSE. Por outro lado, destaque-se a importância dos hábitos em todos os quadrantes, principalmente como forma de garantir a coesão social. Principalmente o QID, com as suas estruturas incorporadas nas leis e regras que devem e têm que constituir uma poderosa força fornecedora de linhas de orientação ou hábitos para a vida em comunidade. As regras, leis e todo o aparelho institucional e interobjectivo de cada sociedade pressupõem a existência ou a criação de hábitos e convenções que as tornam efectivas e eficazes.

Assim, e mais uma vez contra o paradigma racionalista do mainstream económico, a razão em si mesma, despojada de anteriores estágios de desenvolvimento que passam por adquirir estruturas convencionais, de hábitos e rotinas, torna-se um pressuposto erróneo ou no máximo um pressuposto pobre a partir do qual se pretende estudar os fenómenos económicos.

Desta forma, torna-se possível escapar aos reducionismos que vão desde o individualismo metodológico até ao colectivismo metodológico. Veblen e Wilber parecem conseguir escapar aos dois. As instituições (QID) ao exercerem a sua influência sobretudo sobre as propensões habituais (i.e. os hábitos) e não directamente sobre as decisões individuais dos agentes, implica que essa influência (a que Hogdson chama de downward causation) não reduza a individualidade do agente aos holons colectivos. Torna-se assim importante invocar o papel essencial dos hábitos na individualidade, uma vez que vai ser através destes que as instituições podem ter efeito sobre os agentes sem reduzi-los a meras marionetas do poder institucional. Pelo mesmo motivo, os agentes também podem e exercem influência sobre as instituições, sobretudo pela dimensão reflexiva, consciente e racional (hierarquicamente superior aos hábitos, mas que evoluem

tendo-os como base), ou pós-convencional (Hodgson chama a este tipo de influência de upward causation).

Assim, o que acontece é que as forças colectivas quer do lado direito – objectivas – quer as do lado esquerdo – intersubjectivas ou culturais – actuam como restrições, limitações e condicionamentos que dão origem a novas percepções e novas disposições entre os indivíduos. Sob novos hábitos de pensamento e comportamento podem emergir novas preferências e intenções dos agentes.

Para Veblen, os hábitos de pensamento eram activos fundamentais para o conhecimento e para a acção. Hábitos seriam formas de adaptação a um mundo em permanente mutação. Por sua vez, Veblen definia conhecimento como a acumulação de tais adaptações e propensões. As ideias e conceitos que o ser humano possui, ou seja os seus hábitos de pensamento, não são meramente o produto passivo do ambiente que o rodeia, mas instrumentos activos, dinâmicos e criativos para lidar com as circunstâncias em constante mutação (Stanley Daugert, 1950, op cit Hogson 2001).

No documento INSTITUTO SUPERIOR DE ECONOMIA E GESTÃO (páginas 35-38)

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