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Concepção Interacionista de Linguagem e suas Implicações Pedagógicas

3 SABERES DOCENTES DOS PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA

3.2 Concepção Interacionista de Linguagem e suas Implicações Pedagógicas

Durante muito tempo a Língua Portuguesa foi utilizada como instrumento de exclusão, para calar a voz daqueles que “não sabiam falar” o português correto, leia-se falar de acordo com a norma culta ou norma padrão. Em que pese as mudanças políticas, sociais e econômicas pelas quais passou nosso país, onde as classes populares foram ganhando voz, ainda percebemos a Língua Portuguesa e mais especificamente seu ensino ainda muito vinculado a uma prescrição gramatical, com um padrão único que define o certo e o errado, sendo o correto o português utilizado pelos falantes cultos, ou seja, os usos linguísticos das classes privilegiadas.

Isso se deve ao fato de que no Brasil a Língua foi estruturada com base na realidade escrita e falada de Portugal por determinadas classes sociais, estruturada para ter um padrão e a única cabível para a escrita e para fala pública, ou seja, para o exercício do poder.

No entanto, Bagno (2002, p. 20) afirma que essa forma de conceber a língua é equivocada, pois:

Evidentemente, não se trata propriamente de uma “língua”, mas de uma idealização nebulosa de correção linguística, a qual geralmente se dá o nome “norma culta”. Essa “norma culta” acaba sendo identificada no senso comum e na prática pedagógica tradicional, com a própria noção de “língua portuguesa” ou de “português”, numa equivocada sinonímia de graves consequências para o indivíduo e para a sociedade.

O autor aponta que esse modo de conceber a linguagem condena ao submundo do não ser todos as manifestações linguísticas não normatizadas, que são automaticamente rotuladas como erro, estigmatizando essas manifestações e condenando ao silêncio e à quase inexistência as pessoas que as utilizam.

O autor afirma que esta forma de conceber a linguagem está de acordo com a concepção abstrata, isso significa tratar a Língua como se ela existisse numa outra dimensão, supranatural, à maneira das formas da filosofia platônica, que só podem ser captadas pelo intelecto e não pelos sentidos.

É uma concepção que trabalha com abstrações, que está centrada na Língua enquanto conjunto abstrato de signos e regras, sendo desvinculado de suas condições de realização. E essa maneira de conceber a linguagem encontra abrigo na concepção tradicional de educação, o que trouxe implicações pedagógicas sérias ao ensino de Língua Portuguesa nas escolas.

Conforme Bagno (2002), essa pedagogia tradicional considera o aluno como uma tábula rasa, desprezando quase que totalmente o conhecimento de Língua que a criança já traz de sua atividade linguística no seio da família e do grupo social, desconsiderando o uso intuitivo, eficaz e criativo dos recursos da Língua.

A escola visa tradicionalmente “consertar” a Língua do aluno, considerando-o como um “deficiente linguístico”, a quem a escola deve dar algo que ele não tem conhecimento, oferecer uma Língua digna de ser falada em público. Normalmente, a pedagogia tradicional trabalha com uma abstração-redução, ou seja, a norma culta e tenta apresentá-la como um corpo homogêneo, um produto acabado, pronto para o consumo. Sobre isso, Bagno (2002, p. 26) ainda aponta:

Essa concepção tradicional, [...] opera com uma sucessão reduções: primeiro, reduz a “língua” a “norma (culta)”; em seguida, reduz esta “norma culta” a “gramática” – mais precisamente, a uma gramática da frase isolada, que despreza o texto em sua totalidade, as articulações-relações de cada frase com as demais, e o contexto extralinguístico em que o texto falado ou escrito ocorre -, gramática entendida como uma série de regras de funcionamento mecânico que devem ser seguidas à risca para dar um resultado perfeito e admissível.

Essa concepção deu origem e revela a persistência de uma prática pedagógica que, em vários aspectos, ainda mantém um estudo reducionista da palavra e da frase descontextualizada, que como consequência, traz um quadro nada animador do insucesso escolar que se manifesta de várias maneiras.

Dentro do que chama de insucesso escolar Antunes (2003), elenca: a descoberta do aluno de que ele “não sabe português”, de que o “português” é muito difícil, que mais tarde transforma-se numa confessada ou velada aversão às aulas de português e, para alguns, na dolorosa experiência da repetência e da evasão escolar, e estes naturalmente vão ficar à margem do entendimento e das decisões de construção da sociedade, não tendo voz ou não tomando a palavra para fazer valer os seus direitos, para participar ativa e criticamente daquilo que acontece à sua

volta.

Essa concepção vem sendo cada vez mais criticada pelos estudiosos da linguagem que ampliaram seu objeto de estudo, que buscam compreender a interação social através da linguagem, a relação entre Língua e sociedade, a aquisição da Língua pela criança, os processos envolvidos no ensino formal da Língua, o controle social exercido pelas ideologias veiculadas pelo discurso, dentre outros.

Refletindo sobre os processos envolvidos no ensino formal da Língua, entendemos que a escola precisa superar o ensino fundamentalmente instrumental, voltado para um padrão único, que desconsidera a grande variação linguística brasileira. Entretanto, entendemos também ser fundamental que os alunos se apropriem da chamada norma padrão e do que historicamente a sociedade construiu, mas percebendo que há variadas formas de Língua, leitura e escrita e que não há melhor nem pior, somente uma forma adequada para determinada ocasião e finalidade. Como afirma Guedes (2006, p. 14):

[...] a escola precisa adotar uma outra atitude diante do ensino de língua: em vez de tentar levar o aluno a uma adesão àquele padrão, a escola precisa propiciar-lhe o domínio da língua escrita – como leitura e como produção de texto – para que ele possa incorporar à construção de sua identidade cultural os pontos de vista e os recursos expressivos nela historicamente construídos.

Assumindo essa postura diante do ensino da Língua Portuguesa, advogamos a favor da concepção interacionista da linguagem, que seja prioritariamente funcional e contextualizada, individual e socialmente produtiva e relevante.

De acordo com Antunes (2003, p. 42), é pela concepção interacionista, funcional e discursiva da Língua, que deriva o princípio geral de que “a língua só se atualiza a serviço da comunicação intersubjetiva, em situações de atuação social e práticas discursivas, materializadas em textos orais e escritos”, e que este deve ser o ponto de referência quando se quer definir todas as opções pedagógicas, desde a escolha dos objetivos, do conteúdo, a escolha das atividades e sua avaliação.

Ainda de acordo com a autora, assumir essa concepção interacionista da linguagem traz algumas implicações pedagógicas para o ensino da escrita, leitura, gramática e oralidade. Dentre as quais destacamos:

No que diz respeito à escrita, o professor deve considerar: uma escrita também de autoria dos alunos criando vínculos comunicativos; uma escrita de textos socialmente relevantes, funcionalmente diversificada, que quando possível deve ter leitores reais, contextualmente adequada e metodologicamente ajustada, adequada também em sua forma de apresentar.

No que diz respeito à leitura, o professor de português pode considerar uma leitura de textos autênticos, com uma clara função interativa ou um objetivo comunicativo; uma leitura motivada, uma leitura do todo, que leve os alunos a identificar noções-núcleo; uma leitura crítica; uma leitura da reconstrução do texto, descobrindo seu plano de organização; uma leitura diversificada, uma leitura por prazer; uma leitura apoiada no texto, que não se apoie só nas palavras expressas no texto; e uma leitura nunca desvinculada do sentido.

No tocante ao ensino da gramática, o professor de português deve ter o cuidado de levar à sala de aula: uma gramática que seja relevante; funcional; contextualizada; que traga algum tipo de interesse; que liberte, que “solte a palavra”; que prevê mais de uma norma e uma gramática que seja da Língua e das pessoas.

Por fim, no que diz respeito à oralidade, a autora coloca que o professor de Língua Portuguesa, pode intervir para que a oralidade tenha as seguintes características: uma oralidade que seja orientada para coerência global; para a articulação entre os diversos tópicos ou subtópicos da interação; uma oralidade voltada para suas especificidades; uma oralidade orientada para facilitar o convívio social; para se reconhecer o papel da entonação, das pausas e de outros recursos supra-segmentais na construção do sentido do texto; uma oralidade que inclua momentos de apreciação das realizações estéticas próprias da literatura improvisada; uma oralidade orientada para desenvolver a habilidade de escutar com atenção e respeito os mais diferentes tipos de interlocutores.

Essas implicações pedagógicas supõem uma concepção interacionista da linguagem, portanto supõem também saberes pedagógicos que podem ser discutidos na formação do professor de Língua Portuguesa.

É importante ressaltar que embora esse estudo trate especificamente da formação pedagógica desse professor, estamos cientes de que a formação pedagógica constitui um íntimo vínculo com a formação especifica, pois não se pode ensinar aquilo que não se sabe. Ou em casos mais alarmantes, ter uma formação pedagógica revestida de novos discursos, tentando apresentar de uma maneira

inovadora conteúdos do velho programa.

Nesse sentido, entendemos que uma boa formação pedagógica do professor de Língua Portuguesa, perpassa também pela capacidade de refletir nos conteúdos a serem abordados e em que tipo de ensino da Língua está levando para as escolas.

Com base nos princípios apresentados, faremos, a seguir, uma reflexão acerca da formação pedagógica dos professores de Língua Portuguesa, com base nas representações de graduandos e professores do Curso de Letras sobre essa formação.