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1.3 Breve descrição de diferentes visões do processo de ensino e de aprendizagem de leitura em língua estrangeira

1.3.2 Concepção de leitura interativa

Nesta segunda fase dos estudos que visam à explicação de como o processo de leitura funciona, “o leitor, portador de esquemas (mentais) socialmente adquiridos acionaria seus conhecimentos prévios e os confrontaria com os dados do texto, “construindo” assim, o sentido” (CORACINI, 1995, p. 14).

Sob a perspectiva interativa, leitura é entendida como um processo ativo de interação do leitor com o texto que também envolve a interação entre diferentes níveis de processamento da informação, por exemplo, do nível lexical (de reconhecimento da palavra) ao nível semântico. Modelos interativos permitem a conexão entre estágios mais abstratos (higher stages) e estágios mais concretos (lower stages) do processo de leitura.

Conforme Grabe (apud CARREL; DEVINE; ESKEY, 1988, p. 10), um modelo pode ser interativo de diferentes maneiras, ou seja, “pode enfocar a relação do leitor com o texto, ou pode enfocar o processamento de várias habilidades ou estágios, ou pode até mesmo enfocar características do próprio texto”. Há, portanto, diferentes modelos que enfatizam diferentes aspectos do processo de leitura enquanto um processo interativo: o modelo do jogo psicolingüístico de adivinhação ou de testagem de hipóteses de Goodman (1970), o modelo de ativação-interativa de Rumelhart (1977), o modelo interativo compensatório de Stanovich (1980), o modelo teórico de schemata por Anderson & Pearson (1984).

De acordo com Goodman (apud CARREL; DEVINE; ESKEY, 1988, p. 9), o processo interativo de leitura compreende a interação entre aspectos psicolingüísticos (língua + pensamento) e aspectos sociolingüísticos (língua + contexto social). Esse modelo visa caracterizar a dimensão preditiva da leitura, enquanto um processo que envolve a capacidade de antecipação de informações e de formulação de hipóteses por meio da experiência prévia do leitor. É a interação das pistas visuais com o conhecimento armazenado na memória do leitor que lhe possibilitará predizer o que irá encontrar no texto.

O modelo de Goodman tem enfoque psicolingüístico, mas opera em um contexto sociolingüístico (Idem, p. 20), já que o autor defende que a linguagem deve ser estudada no contexto social. Para Goodman, a língua é um fenômeno

social, pois é por meio dela que as pessoas significam coisas umas para as outras (Idem: Ibidem). Segundo esse mesmo autor:

Leitura é um processo receptivo. É um processo psicolingüístico que começa com uma representação linguística pelo escritor com o significado construído pelo leitor. Há desse modo, uma interação essencial entre língua e pensamento na leitura. O escritor codifica pensamento em língua e o leitor decodifica língua em pensamento. (GOODMAN, apud CARREL; DEVINE; ESKEY, 1988, p. 12)

É importante ressaltar que no modelo de Goodman, o termo decodificar (decoding) é usado para descrever como grafemas ou fonemas são transformados em uma terceira instância, a do significado, o que não corresponde à visão tradicional reducionista de transposição de grafema para fonema.

Em seu estudo, Goodman comparou as respostas observadas com as respostas esperadas dos sujeitos da pesquisa ao lerem oralmente uma história ou outro texto escrito, a fim de analisar o processamento de código da língua escrita (insumo visual) para construção de significado. A partir dos resultados desse estudo, o autor enfatiza que em qualquer contexto comunicativo, os leitores trazem consigo significados do seu conhecimento prévio e buscam relacioná-los com informações novas. Então, Goodman (Idem, p. 15) afirma que leitura é um processo cíclico, de construção contínua de significado. Os ciclos ou estágios de leitura compreendem cinco processos numa seqüência intrínseca, que vão desde o reconhecimento, passando pela previsão, pela confirmação e pela correção, até atingir o estágio de conclusão da tarefa de leitura. Sob essa perspectiva, para ser bem sucedido o processo de leitura deve culminar na construção de significado.

O modelo Rumelhart, por sua vez, reforça a idéia de que leitura é um processo interativo, ao afirmar que “informações sintáticas, semânticas, lexicais, e ortográficas podem influenciar nossas percepções” ou interpretação, no processo de leitura (SAMUELS; KAMIL, apud CARREL; DEVINE; ESKEY, 1988, p. 29). Nesse modelo, essas classes de informações são processadas por um mecanismo denominado centro de mensagem (message center), o qual permite que essas diferentes fontes de informação se comuniquem e interajam entre si.

O modelo Stanovich, assim como o modelo anterior de base interacionista, prevê a inter-relação entre diferentes fontes de informação (lexical, semântica, etc.) e postula que as informações compensam umas às outras: “um processo em qualquer nível pode compensar deficiências em qualquer outro nível”, então “se houver uma deficiência em um nível inicial de análise do texto escrito, estruturas de conhecimento de nível superior tentarão compensá-la” (Idem, p. 32). Desse modo, o modelo Stanovich defende que o processo de leitura envolve o estabelecimento de relações estratégicas,

se considerarmos que qualquer estágio, independentemente da sua posição no sistema, pode se comunicar com qualquer outro estágio, e é compensatório uma vez que qualquer leitor pode recorrer a fontes de conhecimento mais desenvolvidas no momento em que fontes de conhecimento particulares, e geralmente amplamente usadas, são temporariamente fracas. (Idem: Ibidem)

No caso do último modelo para esta seção, schema-theoretic model, o foco também é a interação entre conhecimento prévio e informações novas que se dá no processo de leitura e que poderá ser usado principalmente por leitores iniciantes como estratégia compensatória de leitura. Esse é um aspecto importante do processo de leitura, de acordo com o qual o conhecimento já armazenado na memória do indivíduo leitor exercerá influência na sua interação com as informações novas a cada nova leitura. De acordo com essa visão do processo de leitura, os autores defendem que:

Dizer que alguém compreendeu um texto é o mesmo que dizer que essa pessoa encontrou uma ‘moradia’ mental para as informações do texto, ou ainda que um espaço já existente na mente do indivíduo foi modificado para acomodar informação nova. (ANDERSON; PEARSON apud CARREL; DEVINE; ESKEY, 1988, p. 37)

Em suma, o processo de leitura não é passivo, se considerarmos que o leitor tem uma contribuição ativa, pois a cada leitura ele é levado a fazer relações. Há, portanto, a combinação entre a informação textual e a informação que o leitor traz para o texto, e não simplesmente o ato de extrair informações do texto, num ir e vir entre a confirmação de hipóteses e a formação de novas hipóteses para a construção do significado.