• Nenhum resultado encontrado

Concepções de Cultura

No documento Download/Open (páginas 71-76)

CAPÍTULO II MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO: A DIVERSIDADE

2.2 Concepções de Cultura

De acordo com o antropólogo Roberto Da Matta, no seu artigo Você tem Cultura? publicado no Jornal da Embratel, Rio de Janeiro, 1981, a cultura é a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Segundo este pesquisador, em Antropologia Social e Sociologia (set. 1981), a cultura é um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas e é justamente porque compartilham de parcelas importantes deste código (a cultura) que um conjunto de indivíduos com interesses e capacidades distintas e até mesmo opostas, transformam-se num grupo e podem viver juntos sentindo-se parte de uma mesma totalidade.

Assegura Da Matta, que os indivíduos desenvolvem relações entre si porque a cultura lhes forneceu normas que dizem respeito aos modos, mais ou menos apropriados de comportamento diante de certas situações, porque é algo que está dentro e fora de cada um de nós, isto é, a cultura não é um código que se escolhe, e sim, algo que permite relacionar indivíduos entre si e o próprio grupo com o ambiente onde vivem.

Segundo o pesquisador e antropólogo Da Matta, no sentido antropológico, a cultura é um conjunto de regras que nos diz como o mundo pode e deve ser classificado. A cultura, como os textos teatrais, não pode prever completamente como iremos nos sentir em cada papel que devemos ou temos necessariamente que desempenhar, mas indica maneiras gerais e exemplos de como pessoas que viveram antes de nós os desempenharam.

O autor em pauta, acentua que o conceito de cultura ou a cultura como conceito, permite uma perspectiva mais consciente de nós mesmos, precisamente porque diz que não há homens sem cultura e permite comparar culturas e configurações culturais como entidades iguais, deixando de estabelecer hierarquias em que inevitavelmente existiriam sociedades superiores e inferiores.

Por meio desses enunciados, fica demonstrado que a cultura apesar de ser um fato social já bastante discutido, KUPER (2002, p.287) afirma que na atualidade “os antropólogos ficam extremamente nervosos quando discutem cultura - o que é surpreendente, a julgar pelas aparências, uma vez que a antropologia da cultura de certa forma representa uma história de sucesso.”

Retomando a análise do seu conceito, analisando a sociogênese da diferença entre “Kultur” e “zivilization” no emprego alemão (NORBERT ELIAS, 1994, p.23-24) enfatiza que “civilização” não significa a mesma coisa para diferentes nações ocidentais. Por exemplo, para os ingleses e franceses, o conceito resume em uma única palavra seu orgulho pela importância de suas nações para o progresso do Ocidente e da humanidade. Já o emprego que lhe é dado pelos alemães Zivilization, significa algo de fato útil, mas apesar disso, apenas um valor de segunda classe, compreendendo apenas a aparência externa de seres humanos, a superfície da existência humana. A palavra pela qual os alemães se interpretam, que mais do que qualquer outra expressa-lhes o orgulho em suas próprias realizações e no próprio ser, é Kultur.

Pode-se dizer que o termo cultura surgiu em 1871 como síntese dos termos Kultur e Civilization. Este último termo francês que se referia às realizações materiais de um povo; aquele, termo alemão que simbolizava os aspectos espirituais de uma comunidade. Nesse mesmo ano, Edward Tylor (apud LARAIA, 1986) sintetizou-os no termo inglês Culture. Com isso, este estudioso abrange num só vocábulo todas as realizações humanas e afasta cada vez mais a idéia de cultura como uma disposição inata, perpetuada biologicamente (LARAIA, 1986, p.25).

Conforme Laraia (1986, p.25), destarte, o primeiro conceito etnográfico de cultura surgiu com Tylor, que a entendia como “um todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.“

Como que complementando tal conceito, Laraia explica que Jacques Turgot escreveu que o homem é possuidor de um tesouro de signos e que tem a faculdade de multiplicá-los infinitamente, de retê-los, de comunicá-los e transmiti-los aos descendentes como herança.

Tylor entendia a cultura como um fenômeno natural, e como tal poderia ser analisado sistematicamente, visando à formulação de leis que explicassem sua gênese e transmissão. A diversidade cultural, por exemplo, era explicada por ele como resultado da desigualdade dos estágios evolutivos de cada sociedade. Assim, caberia à antropologia a tarefa de estabelecer uma escala civilizatória com dois extremos: um representado pelas sociedades européias; e o outro, pelas comunidades periféricas, ficando claro o princípio evolucionista unilinear. Nesse sentido, a antropologia daria o maior exemplo de etnocentrismo, institucionalizado pela própria ciência.

A reação ao evolucionismo de Tylor veio através de Franz Boas, com a publicação do seu artigo “The Limitation of the Comparative Method of Anthropology”, no qual atribui à antropologia as tarefas de reconstruir a história dos povos e de comparar a vida social de diferentes povos, ensejando o particularismo histórico ou a chamada Escola Cultural Americana. É a partir de Boas que a multilinearidade é aceita, e só com ela, é possível a aceitação do evolucionismo (LARAIA, 1986).

Já para David Schngider (apud LARAIA, 1986, p.63), “Cultura é um sistema de símbolos e significados.” Nesse sentido, Max Weber (apud GEERTZ, 1978, p.15) postula que o homem é um animal que vive preso a uma teia de

significados por ele mesmo criada. Partindo desse raciocínio, Chifford Geertz sugere que essa teia e sua análise seja o que chamamos de cultura.

No trabalho de análise dessa teia, a missão do antropólogo é desvendar esses significados, estabelecendo relações entre si, de forma a ensejar uma interpretação semiótica do objeto analisado. E uma boa interpretação só será possível através do estabelecimento dessas relações, da seleção de informantes, da transcrição de textos, do levantamento de genealogias, do mapeamento de campos etc.; em suma, através de um levantamento etnográfico (GEERTZ, 1978, p.15). Ou, segundo a noção de Gilbert Ryle (apud Geertz, 1978, p.15) de uma “descrição densa”. E fazer a etnografia do objeto, elaborar uma descrição densa “é como tentar ler um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos” (GEERTZ, 1978, p.20).

Porém, o que interessa não é a interpretação e explicação dos fatos de forma isolada, e sim, a importância do conjunto, como ele está sendo vivido e transmitido, perpetuado pela adaptação de quem chega e se insere na urdidura dos significados, sejam eles julgados corretos, ridículos, inocentes, cruéis.

Para Geertz (1978), a cultura não é nunca particular, mas sempre pública. Assim, entende-se que os elementos que constituem as teias propostas por Weber não têm criadores identificáveis. Os fatos inovadores nascem e evoluem numa reprodução espontânea e despercebida dos agentes culturais, e, na maioria das vezes, são só percebidos na análise extrínseca de um agente alienígena.

Como um sistema de signos passíveis de interpretação, ressalta Geertz (1978, p.24) que

a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos: ela é um contexto, algo dentro do qual eles (os símbolos) podem ser descritos de forma inteligível - isto é, descritos com densidade.

Seguindo esse raciocínio, podemos refutar a idéia de Tylor de que a cultura é um fenômeno natural e inferior, mas sim que ela é um fenômeno social, cuja gênese, manutenção e transmissão estão a cargo dos atores sociais.

Laraia (1986) nos traz algumas teorias modernas sobre cultura e recorre ao esquema elaborado por Roger Keesing, que classifica novas tentativas de se

obter uma precisão conceptual através das Teorias Idealistas de Cultura, abordadas logo abaixo.

Numa reformulação do “sistema adaptativo” de Leslie White, nos diz Laraia (LARAIA, 1986, p.59) que alguns antropólogos concordam que “culturas são sistemas de padrões de comportamento que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos.”. Diz ainda que as Teorias Idealistas de Cultura, subdividem-se em 3 diferentes abordagens:

1) cultura como um “sistema cognitivo”. Nesse sentido, Goodenough (apud LARAIA, 1986, p.61) diz que “cultura é um sistema de conhecimento; consiste em tudo aquilo que alguém tem de conhecer ou acreditar para operar de maneira aceitável dentro de sua sociedade”;

2) cultura como “sistemas estruturais”. Segundo a perspectiva de Claude Lévi-Strauss cultura é “um sistema simbólico que é uma criação acumulativa da mente humana” (LARAIA, 1986, p.61);

3) cultura como “sistemas simbólicos”. Esta é a posição defendida por Geertz e Schneider (LARAIA, 1986, p.62), para quem a “cultura deve ser considerada não um complexo de comportamentos concretos mas um conjunto de mecanismos de controle (...) para governar o comportamento”. Geertz afirma ainda que “todos os homens são geneticamente aptos para receber um programa, e este programa é o que chamamos de cultura” (LARAIA, 1986, p.62)

Como podemos observar entre as várias tentativas de definição de um conceito de cultura, as idéias, embora se diferenciem, não se contrapõem. As diferenças, ressalvando a idéia evolucionista unilinear de Tylor, não chegam a criar sérios problemas de interpretação e assimilação. Como diz Murdock (apud LARAIA, 1986, p.63), “Os antropólogos sabem de fato o que é a cultura, mas divergem na maneira de exteriorizar este conhecimento”.

Mesmo não havendo contraposição entre as várias tentativas de se conceituar cultura, um conceito que julgamos bastante complexo é defendido por Geertz (1973, p.15)

o conceito de cultura que eu defendo, (...) é essencialmente semiótico. Acreditando, como Marx Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado.

Nessa perspectiva antropológica, o entendimento de cultura carrega consigo o tema da diferença: diferença de etnia, de gênero, de classe social, de idade, de grupo de origem, etc. De acordo com Gilberto Velho (2008, p.8), podemos entender cultura “enquanto uma rede de significados”. Significados sempre diferentes e socialmente construídos.

A dinâmica do contexto atual, impulsionado pelo efeito globalizante num ritmo mais acelerado do que anteriormente, parece-nos dar maior visibilidade para o fenômeno das diferenças, fazendo-nos perceber o caráter dinâmico da cultura no que diz respeito à sua reestruturação e ressignificação, quer dentro da própria cultura ou permutas inter-culturais.

No documento Download/Open (páginas 71-76)

Documentos relacionados