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Concepções e Definições Legais dos Espaços de Natureza Protegida.

ANTECEDENTES DA PESQUISA

2.3 A POSSIBILIDADE DE UMA CONCEPÇÃO RACIONAL DE USO DA NATUREZA: OS ESPAÇOS DE NATUREZA

2.3.2 Concepções e Definições Legais dos Espaços de Natureza Protegida.

Pesquisadores e planejadores vêm discutindo há algum tempo medidas mais eficazes de proteção aos ambientes naturais a partir da readequação dos ENPs a uma ordenação territorial. Essa readequação estaria justificada pela aplicação efetiva da legislação ambiental, pela criação de corredores entre os espaços de natureza protegida (Unidades de Conservação, APPs ou outras áreas representativas); pelo tombamento legal de novas áreas, e pelo planejamento do território urbano e regional. (PETERSON et al 2003; BENSUSAN, 2006; MORSELLO, 2008; COELHO et al 2009; CASTRO JR. et al 2009).

No entanto, trabalhos nacionais apontam para um entrave político, ou ainda, político-burocrático na aplicação da legislação mais básica de criação e gestão dos ENPs (DIEGUES, 1998; MORSELLO, op. cit.; BRITO, 2000). Trabalhos internacionais apontam no mesmo sentido, destacando a necessidade de ampliação de acepções políticas sobre o espaço público dos ENPs. (SAUNIER & MEGANCK, 1995; MARGULES & PRESSEY, 2000; MARGULES et al., 2002; LANGHAMMER et al. 2007).

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Ver trabalho do Núcleo de Apoio a Pesquisa sobre Populações Humanas em Áreas Úmidas Brasileiras (NUPAUB). http://nupaub.fflch.usp.br/.

Margules & Pressey (2000) e Margules et al. (2002) destacam que o planejamento da conservação é uma atividade em que os imperativos sociais, econômicos e políticos podem modificiar, às vezes drasticamente, as prescrições científicas. Apontam que é necessário os pesquisadores terem um corpo teórico disponível para aplicação e construção de políticas públicas; que a ciência pode oferecer soluções quando chamada para ajudar na implementação de políticas, planejamento e criação de normas, bem como auxiliar no esclarecimento das implicações sociais e econômicas de métodos, alternativas e cenários; e por fim a ciência pode ser usada para avaliar a eficácia dos processos e de políticas para atingir as metas de biodiversidade.

Para além das dificuldades políticas de gestão dos ENPs, há condicionantes naturais que também precisam ser melhor conhecidos e estudados sobre a biodiversidade e os habitats. Shaffer (1981 apud SAUNIER & MEGANCK, 1995) cita quatro importantes categorias de risco natural à biodiversidade e aos habitats: a incerteza demográfica resultante de eventos aleatórios na sobrevivência e reprodução dos indivíduos; a incerteza ambiental devido ao acaso, ou pelo menos à imprevisibilidade, as alterações no clima, o fornecimento de alimentos, e as populações de concorrentes, predadores, parasitas, etc; as catástrofes naturais, como inundações, incêndios, ou secas, que podem ocorrer de forma aleatória e em intervalos; a incerteza genética ou mudanças aleatórias na composição genética devido à deriva genética ou endogamia que alteram a sobrevivência e probabilidades de reprodução dos indivíduos.

Como visto, a criação e gestão dos espaços para a proteção da natureza é de uma complexidade que necessita o debate mais amplo da sociedade, com base em uma construção que é política, mas que também é conceitual e científica.

O debate sobre uma sustentabilidade ambiental a partir da preservação dos recursos naturais é uma das questões principais no que diz respeito à sobrevivência da espécie humana (ACSELRAD, 1999; BRUNCKHORST, 2001; DIEGUES,1998, 2000 e 2001). No entanto, a lógica da concepção e da organização dos territórios ainda carece de uma articulação entre a pesquisa cientifica, o planejamento ambiental e as decisões

políticas (DIEGUES, 1998; DIEGUES, 2001; BECKER, 2004; COELHO et al. 2009; VALLEJO, 2009).

Fonseca et. al (1997) defendem que o debate sobre a conservação da biodiversidade precisa levar em conta que há processos acelerados de extinção das espécies, com a destruição dos habitats. Os autores destacam que tanto a ecologia quanto a biologia da conservação trazem dados suficientes para corroborar com a afirmação de que os ENPs devem ser espaços preferencialmente indicados para a preservação. Os autores citados apontam ainda que

[...] podemos concluir que quase todos os espaços em uma paisagem são, de uma maneira ou de outra, áreas protegidas, estejam estas na forma de residências, centros urbanos, parques industriais, propriedades rurais, mananciais hídricos, ou em outras categorias de uso da terra. A grande diferença entre estes espaços protegidos e o que se convencionou chamar de parques e reservas é o objetivo final do instrumento protetor. Assim sendo, a meta desejada irá ditar a natureza das limitações e o rol dos usuários daquele espaço ou recurso. (FONSECA, et. al. 1997).

Há propostas de conceito para espaços protegidos que são aplicadas a diferentes usos sobre o território. No Brasil os ENPs são normalmente entendidos como Unidades de Conservação e as Áreas de Preservação Permanente. (DIEGUES, 1998; BRITO, 2000; MORSELLO, 2008; CASTRO JR. et al 2009).

A Convenção da Diversidade Biológica (CDB), em seu 2° artigo define como área protegida “[...] uma área definida geograficamente que é destinada, ou regulamentada, e administrada para alcançar objetivos específicos de conservação” (BRASIL, 2000, p.9).

Para este trabalho, consideram-se os Espaços de Natureza Protegida como espaços delimitados por uma produção social para a sobrevivência da biodiversidade e da geodiversidade.

No Brasil as políticas públicas vão tratar os ENPs com a concepção do século XIX, as Unidades de Conservação de Natureza.

Essas Unidades de Conservação constituem a principal estratégia governamental e legal para a manutenção in situ da diversidade biológica. A Lei N 9985, 18 de julho de 2000, instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza/SNUC.

Pela Lei, Unidade de Conservação é

[...] espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. (BRASIL, 2000).

O Sistema de Unidades de Conservação brasileiro reúne as categorias de manejo em dois grandes grupos: Proteção Integral e Uso Sustentável (Quadros 3 e 4).

Q ua dro 3 : Mo d el o ex p licati v o co m in fo rm açõ es so b re as categ o rias UC d o Gr u p o d e P ro teção I n teg ral. Fo n te: B R ASI L ( 2 0 0 0 ) o rg an iz ad o p o r Fer retti, 2 0 1 3 .

Fo n te: B R ASI L ( 2 0 0 0 ) o rg an iz ad o p o r Fer retti, 2 0 1 3 . Q ua dro 4 : Mo d elo e x p licativ o co m in fo rm açõ es d as UC d o Gr u p o Us o Su sten táv el.

Essas categorias não foram construídas somente sobre uma base cientifica, mas sobre concepções de mundo, natureza e sociedade, que tem como contrapartida posicionamento ideológico.

Identificam-se no SNUC duas correntes ou visões de natureza: uma visão ecocêntrica que vê o mundo em sua totalidade e nela o ser humano está envolvido como qualquer ser vivo, o mundo natural tem valores próprios independente de sua utilização para o homem; e uma perspectiva antropocêntrica, onde o homem tem direito a utilização da natureza, tratada como recursos naturais em uma perspectiva utilitarista e cartesiana da natureza salientada pela ciência servindo ao desenvolvimento das sociedades capitalistas (CAPRA, 1982, PORTO- GONÇALVES, 1996; DIEGUES, 1998).

A proposta de desenvolvimento local, com base em um desenvolvimento de fato sustentável dos recursos naturais vem ganhando espaço no debate sobre os ENPs. Há uma organização cada vez maior por parte de comunidades próximas, no entorno ou dentro desses territórios, designados e criados como UC, a fim de participar do seu processo de gestão.

O fato de o SNUC indicar que a gestão das unidades deve ter conselhos, consultivo no caso das UC de Proteção Integral, e deliberativo para algumas categorias de Uso Sustentável, é um avanço considerável e uma aproximação das comunidades, e da sociedade, sobre os processos de gestão e administração dos ENPs.

Os conselhos são estabelecidos no Capítulo V da Lei nº 9.985 de 2000 (BRASIL, 2000), e prescreve no Art. 17 como deve ser a representação dentro dos conselhos é paritária, com órgãos públicos ambientais e órgãos afins como: pesquisa científica, educação, cultura, turismo, paisagem, arquitetura, arqueologia, povos indígenas e assentamentos. Quanto à sociedade civil deve ser representada por comunidade científica, ONG´s ambientais, população residente e entorno, proprietários de imóveis no interior da unidade, comitês de bacia e população tradicional.

O SNUC avançou também ao indicar às UC formas de gestão e de organização dos espaços protegidos, sobretudo com a exigência do plano de manejo. Este documento técnico contém os objetivos gerais da unidade, o zoneamento e as normas para o uso

da área, bem como o manejo28 dos recursos naturais. Também é no plano de manejo que deve constar todo tipo de estrutura necessária para a gestão da UC. (BRASIL, 2000, Art. 2º item XVII).

Outro importante destaque no SNUC a fim de auxiliar na proteção das UC, mas já existente em outras prerrogativas legais anteriores a lei, é a obrigatoriedade da zona de amortecimento e mesmo corredores ecológicos (BRASIL, 2000, Art. 25). Somente as Áreas de Proteção Ambiental e as Reservas Particulares do Patrimônio Particular estão isentas do estabelecimento de zonas de amortecimento. A lei indica ainda que o órgão gestor público é responsável pelas normas específicas para a zona de amortecimento e dos corredores ecológicos.

As concepções legais, sobretudo o SNUC, no momento estão em debate na Ilha de Santa Catarina, já que a maioria absoluta dos ENPs não está adequada a uma legislação nacional, portanto não inseridas no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) impedindo acesso a recursos financeiros advindos do Ministério do Meio Ambiente. Mais do que isso, causando problemas graves quanto à legitimidade de gestão de alguns dos espaços e aumentando o debate sobre a finalidade destes, em uma relação direta com os interesses imobiliários.

No entanto, considera-se inicialmente, que as questões mais imediatas dizem respeito ao entendimento desses espaços. Nesse caso, compreender como protegem (e se protegem) a natureza tem sido um discurso comum nos trabalhos acadêmicos, ainda mais quando se pensa que muitas vezes os ENPs foram criados sem um detalhamento e um entendimento das paisagens.

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O entendimento do termo manejo neste trabalho é o mesmo que o SNUC tem “[...] todo e qualquer procedimento que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas.” (BRASIL, 2000, Art. 2º item VIII).

2.3.3 A Biogeografia e a Forma e o Tamanho Ideal dos