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Do enquadramento teórico que suporta esta prática supervisionada relevam alguns pontos que mereceram a nossa especial atenção:

a) A dinâmica dialógica / relacional, que podemos detetar em Gadamer e Vygotsky;

b) A noção de falha como ponto de partida para a solução, que Gadamer designa por preconceito e Erikson identifica como crise / conflito;

c) A importância da linguagem como instrumento em Gadamer e Vygotsky; d) A construção de si face a um outro, algo que podemos detetar nos três

autores do nosso alicerce teórico;

e) A pertinência da abordagem da questão da identidade Erikson, nesta faixa etária19;

d) A interação com um outro mais experiente (professor ou aluno) que encontramos em Vygotsky, vai além da cópia e funciona sobretudo como um trampolim;

e) O inevitável enraizamento do Eu na esfera cultural, que podemos rastrear em Gadamer e Vygotsky.

A nossa prática desenvolveu-se com base nestes pressupostos e em persecução de dois objetivos: a criação de uma estratégia hermenêutica na abordagem de um texto para ilustração; e a construção da identidade dos alunos em diversos níveis. Melhorar o envolvimento dos alunos acabou por surgir como objetivo mais tarde, face às dificuldades que colocou na nossa prática.

Para esse efeito, podemos conceptualizar toda a unidade didática no esquema da Figura 13, onde se destacam três eixos de intervenção (o eixo do ver, do fazer e do pensar) e a circularidade de um tema recorrente nas aulas. Pretendia-se que os três eixos se articulassem entre si e se ativassem mutuamente.

2.1. Os três eixos de intervenção

19 Apesar das idades destes alunos excederem a faixa etária da 5ª etapa do desenvolvimento psicossocial de Erikson,

considerámos que pelo facto de ainda se encontrarem a frequentar o ensino secundário e a debaterem-se com os mesmos problemas de jovens adolescentes, justifica-se a nossa opção em incidir o nosso estudo somente na 5ª etapa – Identidade / Confusão de papéis.

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Os três eixos de intervenção decorrem da necessidade de desenvolver atividades de natureza diferente. As disciplinas do âmbito das artes plásticas tendem a reforçar a componente prática do fazer, o que é muitas vezes motivado pela extensão dos programas e pela necessidade imperiosa de reforçar o tempo de prática do desenho. No entanto, havendo tempo para visitar exposições, ou tomar contacto com obras de outros artistas, raras são as oportunidades em aula para apreciar os trabalhos dos colegas. O tempo de aula não contempla muitas vezes esse aspeto importante do Ver: de se Ver a si e aos outros.

Figura 13 – Esquema da conceptualização didática das aulas. Fonte: própria.

Muito mais escasso é o tempo dedicado à reflexão sobre o trabalho realizado ou à produção de discursos sobre os trabalhos próprios e dos colegas, sejam eles de cariz técnico ou estético. Mesmo na situação em que os trabalhos chegam à parede de uma exposição na escola, isso não contempla um espaço de reflexão e debate.

Nessa perspetiva procurámos desenvolver ações nestes três eixos, que se pretendem ser equivalentes em importância, para tentar perceber se no seu conjunto influem positivamente na aprendizagem do desenho.

2.1.1 O eixo do Ver

As imagens geram imagens (Gombrich, 2002) e têm esse fator de ativar na nossa memória que as interligam. Vítor dos Reis, em analogia à frase de Newton, chega mesmo a afirmar que “se cada imagem permite ver mais longe, ou de maneira diferente, é porque se apoia sobre os ombros de gigantes” (2010, p. 129). Nesta aceção devemos incentivar a visualização de imagens sob quaisquer formas, para

Identidade

VER

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inscrever e exponenciar a cultura visual dos alunos, como se o Ver produzisse o efeito de um caleidoscópio, onde algumas pedras coloridas recriam uma multiplicidade e complexidade de outras imagens.

No contexto das nossas atividades este eixo processar-se-ia por confrontação com as diferentes fontes visuais: trabalhos de artistas, produções do aluno e produções dos colegas.

Os alunos eram assim incentivados a olhar para o lado, a espreitar descaradamente o trabalho dos colegas, a passear pela sala se necessário fosse, para fazerem aquilo que designamos de trampolim. O trampolim não é copiar ideias ou soluções dos outros colegas. Pretende apenas alavancar a prática de cada um por impulso do trabalho dos colegas. O trampolim, por si só, não faz nada por nós se não houver intenção e esforço da nossa parte, mas é capaz de nos fazer saltar mais alto, de nos projetar nas nossas ambições, e de propulsionar as nossas ideias.

Interessava-nos particularmente explorar esta ideia de que olhar para o trabalho do colega não deve ser reprovável. Pode até ser desejável se isso for proveitoso para o aluno, onde o trabalho deixa de ser referente para cópia e passa a um instrumento impulsionador de ideias ou de atividade.

Por outro lado, esta prática do Ver estava associada à comparação social, um mecanismo tão caro aos jovens, e ao qual se dedicam amiúde. Markus & Wurf referem esta aprendizagem baseada na comparação social, o que pode consubstanciar-se numa estratégia de autoconhecimento (1987, cit. por Souza & Brito, 2008, p. 194).

2.1.2 O eixo do Fazer

O eixo do Fazer não traz nada de inovador na prática das disciplinas artísticas. É nele que elas se baseiam e é a ele que lhe dão primazia. No entanto, quando os alunos ficam bloqueados, por conta de crenças negativas de autoeficácia, que fazem ecoar um ruidoso “se calhar não consigo” nas suas cabeças, os professores veem-se de mãos atadas. É esta a principal razão pela qual devemos considerar estes três eixos como sendo de igual importância, pois quando um deles falha, é nos outros dois que nos devemos apoiar para reativar o que ficou bloqueado.

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2.1.3 O eixo do Pensar

Relativamente ao eixo do Pensar, a questão colocou-se logo na designação. Pensar, refletir, comunicar, construir cognitiva e conscientemente, são ações que convocámos para este eixo, mas o Pensar estava na base de todas elas: não só pelas marcas de retrospeção promovidas pela reflexão, mas pela estruturação das ideias de forma a produzir um discurso, e construção de uma visão dos outros e de si. Neste domínio podemos recuperar Vygotsky, no entendimento da linguagem como uma forma de estruturar o pensamento, mas também no processo de fala interior (1987, p. 128-132): os discursos que não são audíveis, estruturados ou conscientes.

Neste eixo procurámos trabalhar a consciência dos processos visuais e psicomotores envolvidos no desenho, bem como do estilo, tendências e opções recorrentes do aluno, derivadas de uma identidade própria no desenho.

A par disso, procurámos proporcionar oportunidades para os alunos refletirem e comentarem as suas produções e as produções de outros (colegas, artistas, outros), cimentando as suas similaridades ou oposições, na comparação social que já referimos.

Os bloqueios do eixo do Fazer, consumados por evitação ou procrastinação dos processos de trabalho, constituíram-se como uma enorme pedra no caminho destes alunos. É nesse sentido que procurámos alavancar a aprendizagem do desenho por outros caminhos, onde os eixos do Ver e do Pensar foram fundamentais. Com o auxílio de uma alavanca, qualquer pedra pode ser removida, e uma vez em marcha a própria energia cinética encarrega-se de dar continuidade à dinâmica. Assim acontece com a prática do desenho.

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3. Desenvolvimento da unidade didática Módulo de Ilustração

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