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CAPÍTULO II: A PROBLEMÁTICA DA ESCRITA À LUZ DA LITERATURA DA

2. Conceptualizações infantis sobre a escrita

Como já vimos, o contato das crianças com o código escrito desempenha um grande impacto na construção precoce das suas conceções e, este é, por sua vez, diferente de criança para criança, por isso os conhecimentos que estas trazem, tanto à entrada do pré-escolar como à entrada do 1.º CEB, serão também muito distintos (Mata, 2008;). E é por esse motivo que se torna fundamental, que professores e educadores de infância valorizem e conheçam as conceções das suas crianças, estando atentos às suas tentativas de escrita, de forma a perceberem o modo como as crianças vão integrando o ensino da leitura e da escrita. (Mata, 2008, Martins & Niza, 1998a).

Como acima já se mencionou desde tenra idade, que as crianças se interrogam e vão colocando hipóteses sobre o escrito que as rodeia, sobre as suas funções, suas características convencionais e formais e as suas relações com a oralidade, construindo conceções sobre a linguagem escrita.

Estas descobertas e conceções precoces sobre a linguagem escrita, que as crianças vão construindo podem desenvolver-se acerca de: aspetos ligados à funcionalidade da escrita, aspetos figurativos da linguagem escrita e aspetos concetuais da linguagem escrita (Martins & Niza, 1998b; Mata, 2008).

Relativamente às conceções precoces associadas às descobertas sobre a funcionalidade da linguagem escrita, as crianças vão se apercebendo da importância e da utilidade da linguagem escrita no quotidiano e vão usando a mesma, ainda que de forma não convencional, com propósitos e finalidades diversos (Mata, 2008).

Esta descoberta faz com que as crianças possam ir definindo razões e sentidos para a aprendizagem da leitura e da escrita, permitindo-lhes, assim, elaborarem um projeto pessoal de leitor/escritor, ou seja, estas vão atribuindo sentido à sua própria aprendizagem da linguagem escrita (Rogovas-Chauveau, 1993, cit. in Martins & Niza, 1998b).

Estes sentidos, atribuídos pelas crianças à utilização da linguagem escrita, muito têm a ver com o contato com práticas de leitura e escrita no seu dia-a-dia, observando por exemplo o seus pais a lerem um jornal, a escreverem uma lista de compras ou lendo livros. A observação destas práticas desencadeiam nas crianças o gosto e a vontade de quererem, também, vir a ler e a escrever (Martins & Niza, 1998b).

Além do sentido e razões que as crianças vão atribuindo à linguagem escrita, também vão identificando algumas caraterísticas relativamente às suas múltiplas utilizações, isto é, através do contato precoce que vão estabelecendo com “utilizadores de escrita” estas vão compreendendo que “diversos tipos de suporte correspondem a diferentes conteúdos de escrita” (idem, p. 51). De acordo com Mata (2008) a partir da observação que as crianças fazem das pessoas que leem, começam também a compreender algumas características inerentes à leitura, nomeadamente a postura, seguir com o dedo, o virar as páginas, o movimento dos olhos e dos lábios e da expressividade na leitura oral.

No que respeita às conceções precoces sobre os aspetos figurativos da linguagem escrita, dizem respeito às descobertas e conceções das crianças acerca dos aspetos formais da linguagem escrita, nomeadamente sobre: “(…) um ato de leitura; material de leitura; convenções do universo gráfico; termos técnicos utilizados no ensino da leitura/escrita; regras convencionais de escrita” (Martins e Niza, 1998b, p. 58).

As conceções, construídas pelas crianças, sobre um ato de leitura, de acordo com um estudo levado a cabo com crianças de idade pré-escolar pelas autoras supracitadas, podem ser por exemplo, considerarem que “a leitura não é possível sem voz”, isto

porque ainda não se apropriaram de que é possível ler silenciosamente; outras crianças já colocam a hipótese de a leitura poder ocorrer com ou sem voz; há ainda outras crianças que distinguiam a leitura do olhar, justificando, por exemplo com o tempo de fixação do olhar perante um suporte de escrita.

As conceções das crianças sobre os aspetos formais do material de leitura circunscrevem-se em hipóteses que traduzem a possibilidade de se ler um suporte escrito que apresente mais do que duas letras e que não tenham letras repetidas. Estas conceções decorrem através de critérios de quantidade e de variedade, definidos pelas crianças (Martins & Niza, 1998b; Ferreiro & Teberosky, 1999).

No que concerne às conceções sobre os aspetos convencionais do universo gráfico, as crianças podem ou não fazer diferenciação entre letras e sinais de pontuação, bem como algumas crianças se apropriam de questões acerca da orientação espacial da leitura, nomeadamente a direccionalidade da linguagem escrita (lê-se da esquerda para a direita e de cima para baixo) (Martins & Niza, 1998b; Mata, 2008; Baptista, Viana & Barbeiro, 2010).

Em relação às conceções sobre determinados termos técnicos associados à linguagem escrita, alguns estudos têm vindo a demonstrar que em idade pré-escolar as crianças diferenciam os termos letra e número, tendendo a confundir os termos letra, palavra, frase, linha, título e autor de uma história (Martins & Niza, 1998b; Fijalkow, 1989, 1993, cit. in Martins e Niza, 1998b).

Em relação às conceções infantis associadas ao aspeto concetual da linguagem escrita, têm vindo a ser estudadas por diversos autores, ao solicitarem às crianças, antes de estas terem sido alfabetizadas, que «escrevessem» e «lessem», como soubessem, um conjunto de palavras ou frases, sendo as pioneiras as autoras Ferreiro e Teberosky.

Ferreiro e Teberosky (1999) ao analisarem as produções escritas das crianças situaram as suas conceções em três níveis que, por sua vez, estão subdivididos em fases.

As autoras supracitadas identificaram duas fases no primeiro nível: a fase de indiferenciação e a fase da pré-escrita (diferenciação progressiva). Neste nível, encontram-se as crianças que não fazem diferenciação entre escrita e desenho (indiferenciação e diferenciação progressiva), sendo que as suas produções escritas são essencialmente pseudo letras e formas que a criança «escreve» numa organização linear. Baptista, Viana e Barbeiro (2010) referem também que numa fase inicial da descoberta das letras, as crianças ao representarem o seu nome nem sempre percebem a sua função, reconhecendo-o como uma totalidade, isto é, como uma imagem.

Também Neves e Martins (1994) fazem referência a diversos estudos que demonstram que numa primeira fase, o facto de a criança garatujar, não significa que compreende que a escrita codifica uma mensagem, ou seja, quando o faz, ela não tem presente a intenção de comunicar (Ferreiro; Teberosky, 1980; Ferreira Gomez-Palacio e col, 1989; Martins & Mendes, 1987, cit. in Neves & Martins, 1994).

No segundo nível, Ferreiro e Teberosky (1999) identificam a fase pré silábica. Em que as crianças, nas suas produções escritas, respeitam os princípios da variabilidade qualitativa e da quantidade mínima. O primeiro surge quando a criança já coloca a hipótese que coisas com significados diferentes escrevem-se com grafismos diferentes, assim como, objetos com dimensões pequenas escrevem-se com letras pequenas e objetos com grandes dimensões escrevem-se com letras maiores. Por outro lado, a criança coloca a hipótese que faz falta uma certa quantidade mínima de grafismos, isto é, escreve mais letras para objetos maiores e menos letras para objetos menores.

Na opinião de Baptista, Viana e Barbeiro (2010), a criança, ao ter a noção que numa representação de uma cadeia gráfica existem letras diferentes, recorre muitas vezes às letras do seu nome, alterando a posição das mesmas para representar palavras diferentes.

Comparativamente ao nível 1, segundo Ferreiro e Teberosky (1999), neste segundo nível, a forma da grafia já se aproxima mais à das letras convencionais.

No que diz respeito ao terceiro nível este é composto por quatro fases, a silábica, a silábica com fonetização, silábica-alfabética e alfabética (idem).

Na primeira, a criança assume cada letra como sendo uma sílaba, isto é, cada grafema representado corresponde a uma sílaba.

Na fase silábica com fonetização, a criança faz correspondência de letra-som, em que algumas situações o som corresponde a uma sílaba e noutras a um fonema.

Na fase silábica-alfabética a criança descobre que as sílabas são constituídas por mais do que um som, o que faz com que nas suas produções escritas comecem a aparecer nas palavras, sílabas representadas por mais do que uma letra (Ferreiro & Teberosky, 1999).

Quanto à última fase, a alfabética, Ferreiro e Teberosky referem que a criança percebe que a cada grafema da escrita corresponde um fonema menor do que a sílaba. Ao que Baptista, Viana e Barbeiro (2010) denominam por descoberta do princípio alfabético. Porém, de acordo com estes autores, nesta fase a criança confrontar-se-á com as dificuldades a nível das convenções ortográficas.

Por todos estes conhecimentos que as crianças vão construindo à medida que contatam com o código escrito, professores e educadores devem estar atentos a estas conceções e devem para além de valorizarem e tentarem perceber o que a criança pretendeu e que tipo de raciocínio fez ao “escrever” determinadas garatujas, devem criar momentos ricos que permitam o desenvolvimento da literacia, pois, são os conhecimentos pré-leitores acerca da linguagem oral e escrita, em contexto pré-escolar, que influenciam o sucesso da aprendizagem escolar nos anos subsequentes (Almeida, 2011; Gomes & Santos, 2005; Barcelos, 2011).