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A Tabela 2 apresenta a comparação da origem das fontes de informação entre doentes e profissionais de saúde. Os resultados revelaram a importância da confiança na escolha das fontes de informação sobre doenças cardiovasculares, corroborando dados previamente descritos (41, 51, 90). No entanto, doentes e profissionais de saúde privilegiaram diferentes fontes de informação em saúde cardiovascular: os doentes valorizaram as fontes associadas à interação face-a-face, enquanto os profissionais de saúde salientaram a pesquisa online de informação atualizada e credível. Os doentes valorizaram a informação transmitida pelo médico que os acompanha, assim como por outros profissionais de saúde e conhecidos a quem estes conferem credibilidade, por um lado, e o uso de linguagem acessível, oral ou escrita, preferencialmente acompanhada por imagens, por outro lado. Os profissionais de saúde valorizaram a informação proveniente de websites de instituições ou organizações de saúde fidedignas, assim como a troca de informação entre pares, quer em contexto informal, no local de trabalho, quer em contexto formal, em congressos e reuniões.

De forma a padronizar a fiabilidade da informação médica e de saúde disponíveis na internet, principalmente no que respeita à sua confiabilidade e credibilidade, uma organização não governamental, a Health On Net Foundation, desenvolveu um código de conduta (146). Este define que a qualidade formal de websites relacionados com saúde passa pelos seguintes critérios: emissão da informação por profissionais qualificados e devidamente identificados; complementaridade das informações disponibilizadas, não substituindo a relação médico-paciente; respeito pela confidencialidade dos dados pessoais do utilizador; sustentação dos benefícios de qualquer tratamento médico, produto ou serviço em evidência empírica, contendo referências claras a resultados de estudos científicos publicados; apresentação da informação de forma clara e disponibilização de contatos para os visitantes que desejem alguma informação ou ajuda adicional; identificação das fontes de financiamento do website; descrição sucinta da política de divulgação adotada, revelando honestidade quanto à política editorial e às estratégias publicitárias. Neste contexto, a formação dos profissionais de saúde em tecnologias da informação, de forma a garantir um acesso mais eficiente a recursos online (71), bem como o desenvolvimento e disponibilização por parte de instituições políticas, de saúde e educação de motores de busca eficazes, de livre acesso e com conteúdos de

alta qualidade pode ser extremamente relevante na melhoria da qualidade da informação pesquisada e obtida (92, 147).

As referências à internet rarearam nos relatos dos doentes, emergindo o efeito perturbador causado pela grande variedade de informação disponível na internet, à semelhança do que tem sido descrito noutros estudos (88). Outras fontes de informação credíveis, economicamente acessíveis e facilmente disponíveis, como as linhas de apoio telefónico, campanhas e folhetos, não foram mencionadas pelos doentes que participaram neste estudo. De uma forma geral, a literatura refere quatro fatores que influenciam a decisão de procurar ajuda em doentes com patologia cardiovascular: identificação dos sintomas; perceção de normalidade; presença e/ou opinião de outra pessoa; e perceção dos serviços médicos disponíveis (148). Assim, importa investir em intervenções que foquem os processos de reconhecimento, interpretação e negociação durante a tomada de decisão na procura de ajuda, fornecendo aos doentes competências pessoais e confiança para avaliar a credibilidade e qualidade da informação, de forma a controlar a sua saúde e assumir responsabilidades nesse domínio. Também os profissionais de saúde foram omissos quanto ao recurso a campanhas e folhetos, bem como a ações de formação que visem melhorar a sua prática clínica, apesar das mesmas se encontrarem claramente contempladas no Programa Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Cardiovasculares (12).

Doentes e profissionais de saúde reportaram utilizar a informação sobre DCV com os mesmos objetivos gerais (a identificação de sintomas e fatores de risco, obtenção de informação sobre a adesão ao tratamento e, mais especificamente sobre a medicação, e sobre as consequências psicossociais da doença), mas distinguem-se quanto às finalidades específicas e à hierarquização de prioridades (Tabela 3). Os doentes usaram a informação sobretudo para compreender melhor as características e consequências da sua doença e as formas mais adequadas de a gerir quotidianamente, focando o relato na sua experiência pessoal quanto à gravidade dos sintomas e na identificação de fatores de risco, essencialmente, comportamentais. Os profissionais de saúde centraram-se na importância de garantir que a informação é transmitida ao doente de forma clara e objetiva, de modo a coresponsabilizá-lo pelo sucesso do tratamento, salientando as dificuldades que encontram neste processo, tais como apropriação das informações pelos doentes acerca da sintomatologia como forma de conquistarem atenção ou se automedicarem, bem como as dificuldades em quantificar e estandardizar recomendações para alguns fatores de risco.

Tabela 2.Comparação entre as fontes de informação usadas por doentes e profissionais de saúde na aquisição de conhecimentos no âmbito das doenças cardiovasculares.

Fontes de informação Doentes Profissionais de Saúde

Profissionais de Saúde Fonte de informação mais frequentemente reportada,

sendo salientada a confiança em informações

fornecidas pelo médico habitual com quem os doentes estabelecem uma relação personalizada em interações face-a-face.

A troca de informações entre pares foi amplamente valorizada pelos participantes, quer através das interações face-a-face e das apresentações no serviço, quer por intermédio de mensagens eletrónicas.

Internet Fonte de informação utilizada com maior frequência

pela população mais jovem e escolarizada, destacando- se o efeito perturbador que a grande variedade de informação disponível pode provocar.

Fonte de informação privilegiada, realçando-se a importância de focalizar a pesquisa em websites credíveis que disseminem informação atualizada e resumida, mas detalhada, sendo fundamental a avaliação da qualidade dos conteúdos por parte de cada profissional.

Televisão Segunda fonte de informação privilegiada, constituindo

um importante instrumento de disseminação de informação, traduzindo a evidência científica numa linguagem compreensível e ilustrando-a com histórias de vida.

Livros/Revistas em papel A informação disseminada é considerada de elevada

credibilidade, mas a linguagem utilizada nem sempre é compreensível pelo cidadão comum, sendo valorizada a inclusão de imagens.

Sobressai a importância que esta fonte continua a ter na educação e formação médicas nas áreas

básicas, sendo desvalorizada em contexto

quotidiano de prática clínica.

Outros doentes ou cuidadores Fonte de informação complementar, reforçando a

importância da interação face-a-face na transmissão de informações em saúde e da aprendizagem entre pares.

Encontros científicos Fonte de informação complementar que contribui

para a atualização de conhecimentos de forma rápida.

Tabela 3. Comparação entre os objetivos com que doentes e profissionais de saúde utilizam a informação sobre doenças cardiovasculares.

Usos da informação Doentes Profissionais de Saúde

Identificação e avaliação de sintomas Perceção da gravidade dos sintomas é enquadrada na experiência individual quanto ao desempenho das respetivas funções corporais, desvalorizando, por vezes, a dor no peito.

Filtrar os sintomas a valorizar e determinar a respetiva gravidade, averiguando se as declarações dos doentes visam conquistar atenção.

Identificação de fatores de risco Destaque dos fatores de risco comportamentais, associados a estilos de vida pouco saudáveis como o

consumo de tabaco e álcool, a alimentação

desadequada, a ausência de atividade física regular, o stress e a carga laboral excessiva.

Promoção da consciencialização e adesão às diretrizes nacionais, sendo salientadas as dificuldades em quantificar e estandardizar recomendações para alguns fatores de risco, devido à ausência de evidência ou à escassez de recursos e estruturas para as efetivar.

Adesão ao tratamento e à medicação O conhecimento acerca da segurança e eficácia dos medicamentos baseia-se numa avaliação dos custos financeiros e eventuais efeitos secundários, sendo fundamental compreender alterações na prescrição

(designação, composição e ergonomia dos

medicamentos). Distinção entre medicamentos

obrigatórios e “complementares”.

Importância de usar informações acerca dos benefícios e das limitações de medicamentos para esclarecer eventuais dúvidas dos doentes quanto ao respetivo preço e ergonomia, coresponsabilizando- os pelo sucesso do tratamento.

Lidar com consequências psicossociais Complexidade inerente às consequências psicossociais da doença cardiovascular, selecionando alterações nos estilos de vida em função das circunstâncias de vida individuais e familiares.

Relevância de esclarecer adequada e

atempadamente as implicações da doença,

sobretudo ao nível das atividades laboral e sexual, adequando as possíveis opções de resposta às situações específicas de cada doente.

Disseminação da informação Importância de contarem as suas histórias a outras

pessoas não doentes, contribuindo para prevenir a doença cardiovascular

Salienta-se a necessidade de formalizar repetidas explicações orais em conteúdos escritos claros e objetivos, e a inclusão essencial dos cuidadores na relação profissional de saúde – doente.

A identificação de fatores de risco, na perspetiva dos profissionais de saúde, inclui fatores de risco major para a DCV (10), indo para além dos comportamentais descritos pelos doentes. Para os doentes, a adesão ao tratamento e à medicação depende do conhecimento da segurança e eficácia dos mesmos, tendo em conta os custos financeiros e pessoais dos mesmos. Também os profissionais de saúde salientam a importância de esclarecer as dúvidas dos doentes quanto aos benefícios, limitações e relação qualidade-preço dos medicamentos. Os profissionais de saúde salientaram ainda a disseminação de informação, de forma consistente e repetida, aos doentes, mas também à sua família. Contudo, estudos recentes têm revelado que muitos doentes e as suas famílias manifestam uma clara dificuldade em compreender e interpretar informações em saúde cardiovascular (104), bem como insatisfação com as informações fornecidas pelos profissionais de saúde (105), o que se traduz frequentemente numa fraca adesão ao tratamento e, a piores resultados em saúde. Assim, importa fornecer competências aos profissionais de saúde para que estes consigam estabelecer uma relação empática de confiança com os doentes, garantindo que em cada encontro com os serviços de saúde o paciente tem oportunidade de colocar todas suas questões e de receber uma resposta ajustada às suas competências individuais. Por outro lado, a estandardização da informação a prestar ao doente, num formato e linguagem simples e acessíveis, poderá contribuir para uma implementação mais eficiente das diretrizes pelos profissionais.

As expectativas em relação ao papel da educação para a saúde de ambos os grupos analisados focam-se na responsabilidade individual do doente e autovigilância, na disseminação da informação e nas intervenções políticas e jurídicas (Tabela 4). Doentes e profissionais de saúde partilham a convicção de que o papel da educação para a saúde passa pelo ensino de comportamentos preventivos quanto à adoção de estilos de vida saudáveis no consumo de tabaco e hábitos alimentares, sendo o exercício físico mais salientado pelos profissionais de saúde. Os doentes valorizam a aquisição ativa de informações transmitidas presencialmente e pela oralidade e o estabelecimento de enquadramentos jurídico-legais restritivos. Já os profissionais de saúde realçam a importância da informação escrita veiculada por equipas pluridisciplinares ou transmitida pelos meios de comunicação social, assim como a necessidade de um investimento político e social na promoção de estilos de vida saudáveis, responsabilizando os doentes pela sua saúde. Os relatos dos doentes e profissionais não mencionaram outras importantes estratégias em educação para a saúde, tais como a realização de rastreios gratuitos, a melhoria da eficácia e eficiência dos serviços de saúde, e a realização de ações de formação com indivíduos sem diagnóstico de doença (12).

Tabela 4.Comparação entre as expectativas de doentes e profissionais de saúde quanto ao papel da educação para a saúde no âmbito das doenças cardiovasculares.

Papel da educação para a saúde Doentes Profissionais de Saúde

Promoção da responsabilização individual e autovigilância

Reforço da autorresponsabilização dos doentes e ensino de comportamentos preventivos, em particular na área do consumo de tabaco e dos hábitos alimentares.

Responsabilização do doente pela identificação de sintomas e pela adoção de estilos de vida saudáveis, desvalorizando o papel da disseminação de informação por parte dos prestadores de cuidados de saúde.

Disseminação de informação Salienta-se a necessidade de reforçar a atratividade de campanhas de educação para a saúde, através da aquisição ativa de informações, enfatizando a comunicação oral e a transmissão presencial de informações.

Articulação entre profissionais de saúde, em equipas pluridisciplinares, com vista a maximizar a informação transmitida. Recurso aos meios de comunicação social.

Intervenções políticas e legislativas Importância de enquadramentos jurídico-legais restritivos, que promovam reconfigurações nos estilos de vida associados ao consumo de tabaco e álcool.

Investimento em políticas, nacionais e locais, que promovam a adoção de estilos de vida saudáveis, e ênfase no papel das autarquias locais e das instituições de ensino e religiosas.

A profundidade da informação obtida através do uso de metodologias qualitativas permitiu compreender a articulação entre dimensões científicas, técnicas e psicossociais na procura de informações sobre doenças cardiovasculares por doentes e profissionais de saúde. Contudo, a realização de apenas um grupo de profissionais e um grupo de doentes apresenta-se como uma limitação do presente estudo por não haver lugar à saturação da informação.

Em conclusão, o presente estudo assume-se como um ponto de partida para analisar e compreender a perceção de doentes e profissionais de saúde quanto à acessibilidade e utilização das fontes de informação em saúde cardiovascular. Doentes e profissionais de saúde privilegiaram diferentes fontes, utilizando-as de modo díspar com o intuito de aumentar a responsabilização do doente pela sua saúde. Estes resultados consolidam a necessidade de incluir a perspetiva de doentes e de profissionais de saúde no desenho e implementação de políticas de saúde. Ambos concordam que, para a prevenção da DCV, é essencial que a informação fornecida seja credível, acessível, clara, relevante e precisa sobre as medidas que os indivíduos podem adotar. Contudo, as dificuldades em quantificar e estandardizar recomendações, principalmente relativamente para alguns fatores de risco comportamentais, tais como a alimentação, consumo de álcool e a prática de exercício físico, podem originar inconsistências nas informações fornecidas. Assim, importa aumentar a consciência dos doentes sobre os riscos, destacando estratégias preventivas, apelativas, interativas e que considerem tanto os contextos sociais como os físicos que possam ser efetivamente implementadas no seu quotidiano.

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