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O longo caminho traçado nas linhas anteriores nas quais foi examinada a constitucionalidade da ordem de preferência estabelecida pelo parágrafo único do art. 187 do CTN permite que sejam destacados os principais remates da pesquisa.

O Estado tem no tributo uma receita derivada que representa sua principal fonte de financiamento e que desempenha importante função social. A fim de evitar abusos por parte do Estado, sua instituição e cobrança administrativa ou judicial se submetem ao princípio constitucional da legalidade, uma das limitações ao poder tributante estatal.

O tributo é lançado pelo ato administrativo que constitui o crédito tributário, na medida em que aperfeiçoa a relação jurídico-tributária, tornando-a certa, líquida e exigível. A partir daí caberá ao contribuinte pagar a quantia devida ou tomar alguma medida tendente a suspender ou extinguir a exigência.

Quando o sujeito passivo impugna o lançamento tributário, inaugura-se a fase contenciosa administrativa do procedimento que se desenvolverá no âmbito do processo administrativo fiscal, importante instrumento de controle da legalidade do lançamento.

Não pago o crédito tributário, a Fazenda Pública providenciará sua inscrição em dívida ativa e a extração da Certidão da Dívida Ativa, que goza de presunção relativa de certeza e liquidez e tem valor de prova pré-constituída.

A Certidão da Dívida Ativa é justamente o título executivo extrajudicial que aparelhará o processo de execução fiscal, meio pelo qual se concretiza a cobrança judicial do crédito tributário. O processo de execução fiscal é, assim, uma modalidade de execução por quantia certa fundado em título executivo extrajudicial cuja finalidade é obter o pagamento do crédito tributário dos entes federados, suas respectivas autarquias ou fundações, o qual fora regular e definitivamente constituído, já se encontrava vencido e exigível, porém não pago.

Um privilégio importante da cobrança judicial do crédito tributário é que ela não está sujeita a concurso de credores, motivo pelo qual a Fazenda Pública poderá dar início ou prosseguir com as execuções fiscais já iniciadas mesmo que se forme qualquer tipo de concurso para disputa dos bens do devedor. Entretanto, caso seja necessária a substituição do polo passivo da relação processual, as execuções fiscais devem ser suspensas até que se efetue a troca, sob pena de nulidade dos atos praticados. Em qualquer caso, deve ser respeitada a ordem legalmente estabelecida para a satisfação dos créditos que preferem ao tributário.

Além desse privilégio, o crédito tributário goza de preferências – que se fundamentam no interesse público e na função social do tributo – que lhe permitem que seja satisfeito com precedência sobre os créditos de particulares. A lei, entretanto, prevê algumas exceções.

Nos processos que tratem de insolvência civil, arrolamento, inventário e liquidação de pessoas jurídicas de direito privado, por exemplo, aplica-se a regra geral de preferência estabelecida pelo art. 186 do CTN, ou seja, somente os créditos decorrentes da relação de trabalho ou acidentes de trabalho preferem ao tributário. Quando se trata de falência, contudo, há algumas regras específicas.

Segundo a Lei nº 11.101/2005, os pagamentos na falência devem obedecer à seguinte ordem: 1º) os pagamentos antecipados a que se referem os art. 150 e 151; 2º) as restituições em dinheiro constantes dos art. 86 e 149; 3º) os créditos extraconcursais, na ordem apresentada pela art. 84 e 4º) os créditos concursais, na sequência elencada no art. 83.

Na falência, o crédito tributário poderá ser classificado como concursal ou extraconcursal, conforme decorra, respectivamente, de fatos geradores anteriores ou posteriores à quebra. Como extraconcursal, o crédito tributário prefere aos créditos concursais, mas não prefere aos pagamentos que devam ser antecipados, às restituições em dinheiro, nem aos demais créditos extraconcursais constantes dos incisos I a IV do art. 84 da Lei nº 11.101/2005.

Se for concursal, o crédito tributário prefere aos créditos com privilégio especial e geral, aos quirográficos, às multas contratuais e às penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive às multas tributárias e aos créditos subordinados; mas não prefere aos pagamentos que devam ser antecipados, às restituições em dinheiro, aos créditos extraconcursais, trabalhistas e acidentários, nem aos créditos com garantia real, nos limites legalmente estipulados pelos incisos I e II da Lei nº 11.101/2005.

Não se aplica aos processos de falência a regra do § 4º, do art. 4º, da Lei 6.830/80, que estendeu as preferências do crédito tributário a toda e qualquer crédito da Fazenda Pública de natureza não tributária inscrito em dívida ativa. Dessa forma, a classificação do crédito não tributário variará de acordo com a natureza do respectivo crédito.

Se os processos de falência apresentam peculiaridades em relação às preferências do crédito tributário, o deferimento do processamento da recuperação judicial não tem qualquer efeito sobre sua cobrança, ressalvada a possibilidade de parcelamento previsto em lei ordinária especifica. As normas sobre recuperação extrajudicial também não se aplicam aos

créditos tributários de que a sociedade seja devedora, motivo pelo qual as ações e execuções fiscais não serão suspensas.

Embora não se submeta a concurso de credores, se houver disputa pela satisfação de créditos tributários entre os entes federados, o parágrafo único do art. 187 do CTN dispõe que os créditos da União preferem aos dos Estados e Distrito Federal e os destes, aos dos Municípios.

Em 15 de dezembro de 1976 o Supremo Tribunal Federal aprovou a Súmula nº 563, que declarou a constitucionalidade dessa ordem de preferência em relação ao art. 9º, I, da Constituição Federal de 1969.

Tendo em vista o contexto em que o STF sedimentou esse entendimento, foram examinadas as características do Estado Federal brasileiro durante a vigência das Constituições de 1969 e 1988. Muitas foram as diferenças apontadas entre as essas duas ordens jurídicas.

Com efeito, constatou-se que a CF/88 restaurou o Estado Democrático de Direito, extinguiu uma série de mecanismos antidemocráticos, restabeleceu a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e ratificou a dos Municípios, elevando-os ao patamar de entes federativos.

Os sistemas de repartição de competências e receitas foram descentralizados, o que abriu caminho para o desenvolvimento mais equilibrado do país e o consequente fortalecimento do federalismo nacional. Foram extintos vícios que comprometiam a independência do Poder Legislativo, como a aprovação de leis por decurso de prazo e os tão criticados decretos-leis.

A autonomia dos Estados, Distrito Federal e Municípios foi fortalecida pela eliminação das prerrogativas que permitiam à União conceder isenções heterônomas e editar normas sobre a remuneração de servidores públicos estaduais e municipais e de vereadores.

Dessa maneira, não há exagero em se afirmar que a nova ordem jurídica implantada pela CF/88 reconstruiu o Estado Federal brasileiro na medida em que restabeleceu o equilíbrio federativo e a autonomia dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Após essa análise, foram examinadas, então, uma a uma, as teses que se sagraram vencedoras nos julgados que deram fundamento à Súmula 563, oportunidade em que foi revelada a total incompatibilidade entre elas e a Constituição Federal de 1988. Como consequência, o entendimento sumulado perdeu sua substância, o que exige sua reformulação. Nesse diapasão, é de bom alvitre que o Supremo Tribunal Federal reveja sua posição em relação a essa súmula.

Partiu-se em seguida para analisar a compatibilidade do parágrafo único do art. 187 do CTN em face do que dispõe o art. 19, III, da CF/88. Naquela oportunidade foi realizada uma sistematização das ideias defendidas ao longo do trabalho e apresentados outros fundamentos jurídicos à questão.

Verificou-se que o entendimento doutrinário dominante é de que a ordem de preferência entre pessoas jurídicas de direito público é inconstitucional, porque afronta os princípios federativo e da isonomia.

Comprovou-se, ao final, que a ordem de preferência estabelecida pelo parágrafo único do art. 187 do Código Tributário Nacional é incompatível com a Constituição Federal de 1988, pois ofende o princípio federativo, quebra a isonomia entre os entes federados e desrespeita um dos fundamentos da República Federativa do Brasil porque tende a aprofundar as desigualdades regionais e locais. O mesmo se diz em relação ao parágrafo único do art. 29 da Lei nº 6.830/80, que possui regra semelhante à do CTN.

O reconhecimento da incompatibilidade dessas normas em face da CF/88 implica sua revogação, tendo em vista terem sido editadas antes da promulgação da Carta de 1988.

É necessário, portanto, que o Supremo Tribunal Federal reconheça que o parágrafo único do art. 187 do Código tributário Nacional e o parágrafo único do art. 29 Lei nº 6.830/80 não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988.

Com isso, havendo concurso entre os entes federados para recebimento de seus respectivos créditos tributários, a divisão dos bens deverá ser conjunta e pró-rata, ou seja, proporcional aos valores dos créditos tributários de cada ente federado ou autarquia.

A par do que foi estudado, a pesquisa demonstrou que a defesa da Constituição deve ser constantemente exercitada, a fim de que a força normativa de seus princípios seja cada vez mais consolidada, evitando, dessa maneira, retrocessos como o que experimentamos em décadas pretéritas.

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