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Hoje em dia, na sociedade contemporânea, apesar da norma legal que determina que os menores são juridicamente incapazes de exercer direitos193, cada vez mais se reconhece (e promove) a autonomia e a capacidade que os menores vão ganhando ao longo do seu processo de crescimento, a que o Direito tem começado a estar atento.

A verdade é que, como vimos, “(…) a autonomia do menor não é estanque, a sua manifestação está ligada à própria evolução da pessoa, sendo que em cada etapa do seu desenvolvimento existirá um momento em que a criança terá uma autonomia total.”194

Quanto maior for o jovem, maior importância deverá ser dada às suas opiniões e escolhas – num sistema a que chamamos autonomia progressiva –, pelo que se deverá conceder- lhe, de modo gradual, a possibilidade de exercer alguns direitos anteriormente realizados pelos detentores das responsabilidades parentais.

Realmente, as crianças têm vindo a revelar um grande desenvolvimento cognitivo, derivado de maior maturidade e espírito crítico. Procuram saber mais, têm meios para isso e, muitas delas, vêm procurando formas de decidirem por elas mesmas, solicitando aos pais já algum grau de autonomia que antes era, se calhar, impensável.

Naturalmente que essa autonomia deve ser conciliada com o cuidado parental, de forma a proteger o menor e a exigir aos pais deste que procurem ajudá-lo a desenvolvê- la, ouvindo a sua opinião e dando-lhe, gradualmente, possibilidades de escolha.

Essa conciliação passará, como vimos, pela aplicação de um regime mitigado, dividido pelas fases de desenvolvimento dos menores – infância, pré-adolescência e adolescência – enquanto critérios orientadores, nos termos do qual se aplicará o instituto da representação legal à primeira fase e, também, no que respeita à segunda fase, aos atos patrimoniais, bem como aos pessoais para o qual o menor não tem a devida capacidade natural (isto é, o discernimento necessário para compreender o alcance e as consequências da questão concreta e tomar uma decisão racional e consciente com base nela), e o

193 A figura da capacidade jurídica está presente, como vimos, nos arts. 66.º e 122.º e seguintes do Código

Civil, descrevendo-se como uma “(…) inaptidão para figurar como sujeito de uma certa relação jurídica (incapacidade de gozo de direitos) ou para exercitar actividade jurídica própria (incapacidade de exercício de direitos) relativamente a certas relações jurídicas de que pode ser sujeito.” – Cfr. SOUSA, António Pais de, MATIAS, Carlos Frias de Oliveira, Da Incapacidade Jurídica dos Menores Interditos e Inabilitados no

âmbito do Código Civil, 2.ª Edição, Coimbra : Almedina, 1983, p. 21.

88 instituto da assistência aos menores, das segunda e terceira fases, que possuam capacidade natural mas, ainda assim, necessitem de uma autorização ou confirmação dos pais.

Ao mesmo tempo, deverá ser reconhecido aos menores o exercício de certos direitos para os quais os menores possuem suficiente capacidade natural. Ou seja, em certos casos, os menores, analisada a sua capacidade natural, devem ser considerados aptos para exercerem, sozinhos, certos direitos: as denominadas “maioridades especiais” ou “maioridades antecipadas”.

Por isso mesmo, defendemos uma alteração do Código Civil nesse sentido, devendo o mesmo esclarecer conceitos como «capacidade natural» e «discernimento», e procurar estruturar estas situações de forma compilatória (e não aleatória), possibilitando uma maior clareza em matéria do regime de (in)capacidade dos menores.

Como exemplo de uma maioridade especial – isto é, de um caso de especial capacidade, em que se reconhece ao menor o direito a exercer certos atos adequados à sua idade e discernimento, sem intervenção dos pais –, procurámos discursar um pouco sobre o consentimento informado (i.e., instituto que permite ao paciente efetuar uma escolha racional e ponderada, com base em toda a informação que lhe foi transmitida – como sentido, riscos, consequências, etc. – relativamente a intervenções ou tratamentos médicos que deverá efetuar, e que se encontra imediatamente presente no art. 38.º do Código Penal), e a respetiva capacidade dos menores para consentir nesses atos médicos, acrescentando-se ainda uma reflexão acerca dos seus demais requisitos.

Neste âmbito, concluímos que, para realizar atos médicos, o médico deverá procurar obter o consentimento do paciente (ex vi, art. 38.º), sem o qual poderá ser punido pelo crime de intervenções arbitrárias previsto no art. 156.º, salvo em circunstâncias particulares, como os casos urgentes, em que não é possível obter o consentimento em útil sem lesar o paciente e as autorizações legais, incluindo aqui as situações em que os próprios pais recusam uma intervenção médica invocando os seus próprios interesses ou convicções.

Esse consentimento, para ser válido, deve ser prestado por alguém com a devida capacidade e necessita de ser livre e esclarecido, impondo ao médico um dever de informação e esclarecimento que permita depois ao paciente, ponderando todos os elementos, decidir conscientemente. Cumpre apenas referir ainda que esse direito de informação também apresenta exceções, como as situações de privilégio terapêutico, os

89 casos urgentes, o direito a não saber do paciente e respetiva renúncia, os tratamentos de rotina e as situações em que, pela própria experiência, essa informação já é conhecida pelo paciente.

No que concerne à capacidade para consentir, considerámos que a fixação de uma idade de dezasseis anos para efeitos de consentimento acaba por ser um critério rígido, desadequado às circunstâncias e criador de desigualdades. Deve, sim, ser um elemento a considerar, um elemento referencial, não um de imediata exclusão.

Nesta medida, preferimos optar, em lugar deste critério etário, por um critério de discernimento, que tenha em conta o desenvolvimento cognitivo e psicológico do menor e a sua capacidade de compreensão. Esta capacidade de discernimento do menor deve, naturalmente, ser alvo de avaliação, dando-se primazia aos médicos – médicos de família, médicos da equipa médica responsável pelo menor, etc. – para efetuá-la, mas podendo aceitar-se ainda a intervenção de pediatras e psicólogos especialistas no assunto.

Acresce ainda, neste contexto, um dever de confidencialidade, que assume o papel de um dos direitos mais antigos que são reconhecidos ao paciente, sendo estruturante no que concerne à relação médico-paciente. No que diz respeito aos menores com suficiente discernimento e capacidade para consentir/dissentir, o médico deve fazer de tudo para respeitar essa obrigação de sigilo, não revelando a terceiros (pais incluídos) os dados relativos aos menores que lhe foram transmitidos ou que este obteve no exercício da sua profissão – a não ser que a sua revelação seja essencial em matéria de cuidados ou requisitos intervencionais (como o pagamento da intervenção e de medicamentos necessários à pós-intervenção, por exemplo).

Defendemos também um eventual poder de recusa, no que toca à realização de atos médicos, atribuído ao menor desde que ele possua suficiente discernimento. Apesar de a possibilidade de uma recusa informada poder apresentar mais conflitos do que o próprio consentimento, a verdade é que não podemos adotar “dois pesos e duas medidas” pensando apenas nas consequências que poderão advir da sua aplicação. Como forma de garantir ao menor os seus direitos à autodeterminação, livre desenvolvimento da personalidade e liberdade de disposição corporal, e na medida em que este possua a capacidade de discernimento necessária, defendemos, pois, que a recusa do menor a um ato para o qual ele já terá capacidade de consentir, deve ser válida e produzir os respetivos efeitos.

90 No âmbito da presente dissertação, sugerimos ainda a criação de um diploma legal específico para a questão do consentimento e da recusa informada, que determine os seus requisitos e trâmites legais, dedicando ainda algum espaço à questão da capacidade – em particular, à (in)capacidade para consentir/dissentir dos menores. Do mesmo modo, referimos a importância de uma uniformização das leis, com especial enfoque na área da saúde, que facilite a aplicação do Direito, especialmente no que diz respeito aos menores. E é assim, pois, que procuramos garantir aos menores uma certa autonomia e o exercício de alguns direitos, de acordo com a maturidade e o discernimento deles, sem esquecer, porém, a importância dos pais em todo esse percurso.

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