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Neste trabalho foi desenvolvido e aplicado um modelo de cobrança sobre o uso da água que considera como princípio base a sustentabilidade ambiental, medida pela adequada gestão da escassez de água. Essa condição necessária pode ser vista como o objetivo geral da forma de cobrança aqui proposta e, compondo a busca desse objetivo, a racionalização econômica e a viabilização financeira podem ser caracterizadas como constituintes do processo. Perseguido esse objetivo, o caráter de instrumento econômico - instrumento que visa a administrar a escassez de recursos - está preservado pelo modelo.

Traduzindo a sustentabilidade ambiental em termos de instrumentos de gestão dos recursos naturais, só tem chance de êxito uma cobrança em cuja metodologia a capacidade de suporte for dada pelo meio e não pelo desenvolvimento tecnológico. Afinal, acreditar que mediante investimentos financeiros em infra-estrutura serão corrigidos indefinidamente os impactos advindos dos usos da água é supor erroneamente que o meio econômico é limitante do meio ambiente e não o contrário.

Diferente da maioria das propostas de cobrança, que valoram a água baseadas em custos de tratamento de resíduos e de obras hidráulicas, a curva para cobrança representada pela figura (5.1) foi construída fundamentada na sustentabilidade do meio independentemente destas intervenções, residindo nesse fato a vantagem do modelo agora proposto. Mesmo que a cobrança seja baseada em um padrão ambiental corretamente definido, a partir do qual se torna mais caro captar água ou lançar poluentes do que racionalizar usos, o parâmetro para ser apresentado o veredicto “mais caro” não pode ser limitado pelo custo de obras e tecnologias, cuja “sustentabilidade” pode acabar no curto prazo se houver um crescimento econômico acelerado.

Também vai ao encontro de uma sustentabilidade ambiental a associação que se faz entre o valor a ser cobrado e a capacidade de suporte do meio - representada na curva para cobrança pelo índice de qualidade - tendo como referência a capacidade de pagamento dos usuários de recursos hídricos. A sustentabilidade dos recursos hídricos só será base da cobrança pelo uso da água se o valor cobrado for difícil de ser pago quando esses recursos se tornarem escassos, não quando os custos de medidas mitigadoras dessa escassez tornarem-se muito elevados.

Na formulação, o “difícil de ser pago” é traduzido numericamente associando-se o valor da tarifa ao dobro da capacidade de pagamento do usuário quando superados aproximadamente 30% da saturação do meio. Entretanto, o fato da fórmula de cobrança possibilitar aos Comitês de Bacia flexibilidade na tomada de decisão permite a utilização deste índice de forma prospectiva. Outro nível de comprometimento dos recursos hídricos, inferior ou superior a este, pode ser adotado como medida da capacidade de recuperação do meio desde que se mantenha o crescimento exponencial da curva associado à “capacidade de não-pagamento” do usuário, isto sim fundamental à consecução dos objetivos do modelo de cobrança proposto.

Com relação aos agentes econômicos detentores de alta capacidade de pagamento, a mesma flexibilidade apresentada pela fórmula de cobrança possibilita que, a partir de análises efetuadas, os tomadores de decisão possam chegar ao extremo de definirem um grupo de usuários com um único usuário, se a capacidade de pagamento deste assim exigir. Para manter a qualidade do meio, o valor cobrado deverá sugerir a mudança de bacia a determinados usuários. Além disto, a política tarifária estará integrada aos outros instrumentos de gestão, principalmente, deverá submeter-se a uma política de outorga adequada.

O modelo proposto também contempla a associação entre sustentabilidade ambiental e racionalização econômico-financeira ao oferecer a possibilidade de adoção de uma vazão de referência com garantias estatísticas de ocorrência, obtida através dos cenários de simulação matemática de disponibilidade hídrica. A vazão de referência, ao mesmo tempo em que contribui com o viés de sustentabilidade ambiental do índice de qualidade, possibilita ao sistema de cobrança uma melhor

alocação dos recursos e uma maior arrecadação para possíveis melhorias na infra-estrutura responsável pela quantidade e qualidade dessas vazões: quanto maior a garantia da existência de água  menor a vazão de referência  maior o preço por unidade de água consumida  maior a necessidade de racionalização do uso.

Além da vazão de referência, a modelagem matemática pode fornecer a

quantificação das interferências entre os usos da água, as possibilidades advindas do manejo de reservatórios e a probabilidade de ocorrência de determinados cenários desejados. Com dados apropriados, a modelagem pode funcionar como ferramenta mais apta à representação da bacia e à localização de seus usuários, diminuindo a subjetividade do sistema de cobrança e se tornando interface adequada ao fornecimento das variáveis espaciais, quais sejam: vazões, cargas poluidoras e padrões de qualidade.

Aspecto importante do modelo de cobrança proposto é a definição de um único preço por unidade de volume para aqueles que provocam equivalente impacto ambiental poluindo ou retirando água. Na concepção da forma de cobrança apresentada, seja devido à poluição, seja devido à diminuição do volume, a água tem o mesmo valor monetário (K) quando atingido o mesmo grau de escassez (I). Seguindo o mesmo princípio, a utilização do padrão de qualidade no cálculo da vazão equivalente faz com que a tarifa em função da poluição não apresente valores diferentes para usuários que captam água e provocam aumento na concentração de determinado poluente daqueles que lançam este poluente e provocam o mesmo aumento de concentração.

Outras possibilidades econômicas e sociais poderão ser amplamente discutidas pela sociedade quando definidos os valores cobrados e, especificamente, o valor do multiplicador “U”. Por exemplo, determinado segmento de usuários pode ser dividido em classes, considerando fatores sociais ou econômicos, e determinada classe pode ter o valor cobrado aumentado ou diminuído para haver uma melhor distribuição de renda. Além dessa possibilidade, poderia ser incrementado o estímulo em não se ocupar áreas com escassez de recursos hídricos - associação entre uso e ocupação do solo e qualidade da água já intrínseca à metodologia base - majorando-se os valores cobrados aos usuários localizados junto a corpos d’água

cuja utilização pretendida pela sociedade seja outra ou cuja capacidade de suporte local esteja próxima do limite.

Logo, tem-se uma fórmula simples dada por “K.U.V” - multiplicação de um valor unitário de água pelo volume consumido, cujo resultado pode ser aumentado ou diminuído em função de objetivos da sociedade - e um modelo versátil, características que, juntamente com os resultados simulados, indicam facilidades na implementação do modelo.

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