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Pode-se afirmar que a Lei nº 6.404/1976 autoriza o controle ex ante das transações que envolvem conflito de interesses, conforme previsto no art. 115, § 1º. Não obstante, também pode ser dito que esse mesmo dispositivo prevê o controle ex post, em seu § 4º, por meio da previsão de que “a deliberação tomada em decorrência do voto do acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável” e que “o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido”.

Entende-se que a previsão de controle ex post no § 4º do art. 115 não desqualifica a opção do legislador pelo impedimento de voto em caso de conflito de interesses, conforme estabelece o § 1º do mesmo dispositivo, nem é com ela contraditória, sendo necessária, porém, a prévia definição das situações de impedimento de voto, as quais não encerram todas as hipóteses de conflito de interesses.

Como resultado dessa aparente contradição entre os dispositivos acima citados, a literatura nacional, por meio de uma interpretação sistemática da Lei 6.404/1976, preceitua, quase de forma unânime, que esse diploma legal determina o controle ex post no que tange à hipótese residual de conflito de interesses, enquanto que o órgão regulador do mercado de capitais, por meio de interpretação, dita literal, da lei, entende que o controle deve ser feito a

priori, filiando-se, nos termos do voto proferido no caso Tractebel, à corrente que se denominou

na doutrina brasileira de formalista.

Conforme interpretação estabelecida pela CVM desde o caso Tractebel, o acionista não poderá votar nas deliberações em que tiver interesse conflitante com o da companhia, definido nesse precedente como a situação na qual o acionista controlador está direta ou indiretamente no lado oposto de uma transação com a companhia.

O órgão regulador, porém, em julgados posteriores – casos Eletrobras e Eneva –, afastou-se dos balizamentos estabelecidos no caso Tractebel, uma vez que, nesses casos posteriores, não se observa a contraposição de interesses entre acionista e companhia, que marcou aquele precedente.

O caso Eletrobras, que foi objeto de ampla difusão na imprensa, respondeu ao clamor da opinião pública pela condenação da União, devido aos prejuízos causados em razão da MP 579. O Caso Eneva, decidido no mesmo ano que o caso Eletrobras, não foi objeto de ampla cobertura pela imprensa. Não obstante, ocorreu em um contexto em que o órgão regulador era questionado publicamente acerca de uma suposta omissão no exercício de sua função

fiscalizatória.

Em comum aos dois casos, podemos apontar a mudança do ambiente social no que diz respeito à exigência pela opinião pública de uma atuação mais efetiva da CVM e das demais instituições do Estado.

A ampliação da cobertura empírica das hipóteses de impedimento de voto nesses dois casos, as quais abarcam situações em que seja constatada a existência de um interesse extrassocial do acionista, caracterizado nos votos narrados no presente trabalho como “interesse secundário”, “interesse externo” ou “interesse paralelo”, gera insegurança jurídica na medida em que haveria uma infinidade de situações que não poderiam ser previstas, mas que poderiam ser caracterizadas como potencialmente conflitivas pela CVM, sendo contraditória em si com uma regulação ex ante que tem por objetivo a estabilidade das relações jurídicas.

Entende-se que, ainda que imbuída de um fim legítimo no âmbito do mercado de capitais, traduzido pela proteção do interesse dos acionistas minoritários, a CVM não pode deixar de lado a função estabilizadora exercida pelos seus precedentes.

Assim, a fim de eliminar a instabilidade gerada pela indeterminação do conceito de conflito de interesses, entende-se que os interesses extrassociais que sejam suficientes para determinar o impedimento de voto do acionista controlador, devem ser aqueles que se materializam por meio de uma relação jurídica que coloque uma mesma pessoa, com capacidade de influenciar o processo decisório da companhia, em posição jurídica contraposta, direta ou indiretamente.

Segue-se a essa proposta que a análise sobre o potencial impedimento de voto do acionista seja deslocada da ótica do conflito entre o interesse social e o interesse extrassocietário, com sua inevitável graduação, para uma ótica de apreciação objetiva das situações em que seja alto o risco de extração de benefícios privados pelo acionista controlador, as quais devem ser previamente estipuladas como hipóteses que impedem o exercício do direito de voto. Note-se que a regra de impedimento de voto não deve ser aplicável aos que contemplam a condição de acionista minoritário.

Desta forma, propõe-se que as decisões da CVM que determinam o impedimento do voto do acionista sejam permeadas pelo conceito de self-dealing, definido como situação na qual o acionista controlador está pessoalmente ou por meio de empresa controlada ou coligada no lado oposto de uma transação com a companhia260.

260 CONAC, Constraining Dominant Shareholders’ Self-dealing: the legal framework in France, Germany

Os casos de conflito de interesses que não estejam abarcados na definição acima proposta devem se submeter à regra do art. 115, caput, e a regularidade de voto, em caso de dissenso entre os acionistas, deve ser aferida por meio de um critério de culpa, traduzido por um teste de equidade da transação, relativo a um controle que, nesse caso, deve ser ex post.