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CAPÍTULO 1: GLOBALIZAÇÃO E ARRANJOS INDUSTRIAIS LOCAIS:

1.7 Conclusão do capítulo

Procuramos discutir teoricamente o problema da economia industrial local, das aglomerações industriais de empresas de pequeno porte, de setores tradicionais, frente aos desafios impostos pela globalização.

Vimos que para as economias locais, a globalização tem um significado bem preciso, que é a abertura das economias nacionais. Isto pode representar a possibilidade de maior competição com produtos importados, um aumento do fluxo de investimento externo, ou a possibilidade de se exportar mais.

Qualquer que seja o desafio (concretizado, ou não) imposto pela globalização, as economias locais se vêm frente à necessidade de buscar maior capacitação, em um contexto em que a inovação se torna parte do dia a dia, mesmo de setores antes tidos como tradicionais.

Mas a capacitação de quem não dispõe de muito recurso, de pequenas empresas e de setores tradicionais, depende fundamentalmente de política industrial. A noção, por assim dizer

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“tradicional”, de política industrial traz implícita a participação do Estado como patrocinador ou avalista de grandes investimentos em infra-estrutura de apoio à atividade industrial, na promoção de incentivos fiscais à produção nacional e às exportações, bem como a imposição de restrições seletivas às importações. Este tipo de política obteve grande sucesso como indutor da atividade industrial e gerador de superávit na balança comercial25, sendo conhecido na literatura econômica como política de ‘substituição de importações26.

Mas este tipo de política perdeu sua sustentação, tanto econômica quanto política e social. Ganha evidência uma nova maneira de fazer política industrial, onde o Estado abre espaço para a participação dos atores envolvidos diretamente com a atividade industrial e de inovação. Em termos espaciais, a abrangência da nova política se desloca do Estado Nacional para o local ou regional. Também observamos que a política industrial passa a olhar a indústria a partir de um enfoque de cadeias produtivas e não mais como empresas ou setores industriais isolados.

Neste capítulo procuramos discutir, não a política industrial em si, mas as teorias nas quais se apóia a legitimidade destas.

Vimos que o deslocamento da atenção para a economia regional e para as aglomerações de empresas de pequeno porte, se apoia nos enfoques ditos “marshallianos”, com destaque para a discussão iniciada pela teoria da Especialização Flexível. Estes enfoques se baseiam na pressuposição que o tamanho e a vinculação local das empresas contribui para a determinação de seu comportamento econômico e do seu desempenho, possibilitando o surgimento de uma economia mais sustentável e distributiva. Isto ocorre pois, para este tipo de enfoque, a cooperação entre as empresas aparece como uma tendência da economia local, desde que esta não seja abandonada ao sabor do mercado e das políticas que beneficiem apenas o grande capital.

Destacamos os limites deste enfoque, e as críticas que podem ser feitas ao determinismo e ao seu otimismo excessivo para com a economia regional, os distritos industrias e os clusters. Por outro lado, resgatamos a possibilidade, positiva, que este enfoque abre para uma reflexão sobre os determinantes sociais e geopolíticos dos modelos de organização e de política industrial.

25 Ver Tigre (1993 ), Guimarães (1993), Suzigan e Vilella (1997).

26 Tigre (1993) faz uma periodização detalhada da política industrial brasileira, apontando a existência de duas fases da substituição das importações: I e II onde, respectivamente enfatizou-se a substituição de importação de bem duráveis e de bens de capital.

Como contraponto à pressuposição da cooperação como tendência na relação entre empresas, apresentamos o enfoque da Economia dos Custos de Transação, o qual coloca o comportamento oportunista como uma reação normal dos agentes econômicos à incerteza que caracteriza a economia de mercado, frente à qual ele tem pouca informação e racionalidade limitada. Este enfoque nos permitiu refletir um pouco mais acerca do comportamento não cooperativo, não como um defeito das empresas tomadas individualmente, mas como uma decorrência da forma como funcionam as relações entre empresas que não podem pressupor que seu cliente ou fornecedor esteja preocupado com o bem coletivo, por isso assume atitudes de autoproteção (o chamado comportamento oportunista). Diante disso, concluímos que as políticas industriais locais, muitas vezes, baseiam-se na pressuposição da cooperação e que a não cooperação é uma atitude retrógrada de empresas individualistas, o que nem sempre é verdade, sobretudo em setores com uma grande diversidade de formas de inserção na divisão do trabalho, como o que apresentaremos no próximo capítulo.

Diante da constatação de que a inovação se transformou em característica indissociável da atividade industrial, apresentamos as teorias que dão ênfase ao processo de produção e inovação do ponto de vista do fluxo de conhecimento. Os chamados Sistemas de Inovação, como enfoque, pressupõem que a inovação é um processo para o qual concorrem atores diferenciados, porém sob a coordenação de uma política, formalizada ou não, mais ou menos deliberada e eficaz. Ressaltamos, deste enfoque, o seu caráter sistêmico e uma certa ênfase em uma análise geopolítica da inovação e da política industrial, onde o local onde é produzido o conhecimento e as instituições criadas com o intuito de permitir a interação entre industria e produção de conhecimento são fundamentais, não só para a capacitação da indústria local, mas também como fator de atração de investimentos.

Ainda sobre os Sistemas de Inovação, ressaltamos que uma característica importante deste enfoque é o fato dele se preocupar mais com a interação entre instituições produtoras de conhecimento e empresas, que com a intensidade do processo inovativo. Em outras palavras, não é o fato de existirem empresas baseadas em ciência que caracteriza um Sistema de Inovação, mas

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o fato de existir produção endógena de inovação, mesmo meramente incremental, e um arranjo social consistente e mais ou menos estável, que permita a sustentabilidade da capacitação das empresas.

Neste contexto, levantamos a discussão acerca da integração de cadeias produtivas locais a cadeias globais de mercadorias, colocando em evidência o paradoxo existente entre a economia local e a global, ou mais especificamente entre empresas que conseguem operar globalmente e pequenos produtores locais. Isto colocou em evidência a noção de governança e, sobretudo, a disputa pela governança e as conseqüências de uma opção entre a integração a cadeias produtivas coordenadas por grandes empresas (varejistas, atacadistas, ou detentoras de marcas, design ou tecnologia) ou o desenvolvimento endógeno de redes de produtores e tecnologia. Argumentamos que esta opção é sempre política, pois do ponto de vista técnico e econômico, ambas opções tem seu prós e contras, mas que permitem graus diferenciados de autonomia para uma governança local.

De posse desta discussão, vamos analisar a indústria moveleira, moveis de madeira, como um setor que vive os dilemas que são objeto das teorias expostas neste capítulo. Em uma época de globalização e de inovação tecnológica, é fundamental discutir a forma como um setor onde predominam pequenas empresas, pequeno capital nacional, empresas concentradas em aglomerações locais, pode tirar proveito, ou não de sua inserção no contexto global.

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